sábado, 16 de junho de 2012

Te Contei, não ? - A Revolução de 1932 - Roberto Pomeu de Toledo



No dia 24 de fevereiro de 1932, o poeta Mário de Andrade aderiu ao plãoque-plãoque. A expressão é dele. Escreveu, ao seu modo modernista: “Toda a gente da rua se dirigia pro comício e não se via uma cara só. O que se via era aquele ruminante ondular de ombros, e os passos batebatendo plãoque-plãoque no revestimento caro da rua plãoque-plãoque, plãoque-plãoque”.
A cidade de São Paulo estava tomada de uma febre. Sucediam-se os comícios contra o regime de Getúlio Vargas.
No dia 9 de julho, as manifestações desembocaram numa guerra. São Paulo pegou em armas e, nos quase três meses seguintes, lutou contra o resto do Brasil.
A chamada Revolução de 1932 completa oitenta anos no mês que vem. Se a ideia era não mais do que a reconstitucionalização do país, como apregoavam as lideranças paulistas, ou a reação de uma oligarquia que se imaginava ameaçada, é assunto para outros e mais doutos espaços. Neste, mais modesto, vai interessar o lado em que estavam certos personagens, e o comportamento que tiveram.
Mário de Andrade, de um lado, e Drummond, de outro
Entre os poetas, se a causa de São Paulo tinha Mário de Andrade, a do resto do Brasil tinha Carlos Drummond de Andrade. Como principal assessor do então secretário da Justiça de Minas Gerais, Gustavo Capanema, Drummond esteve, em agosto, em visita ao túnel ferroviário da Mantiqueira — local de uma longa batalha, na divisa entre Minas e São Paulo.
Drummond redigiu um texto a respeito, e leu-o no rádio: “Eu estive diante do Túnel e vi o soldado lutando. E o soldado não me viu porque estava lutando. (…) Mineiros estão lutando lá longe, nas alturas, aonde não chegam boatos nem se insinuam as vacilações. (…) Vamos ser, como esse soldado, diretos e positivos”.
Concentração de ancestrais de futuros presidentes
Em posições de destaque, no conflito, temos uma curiosa concentração de ancestrais de futuros presidentes da República. Um dos principais chefes militares do lado rebelde era o coronel Euclides Figueiredo, pai do futuro presidente João Figueiredo.
Euclides, como o filho, era carioca, mas alinhou-se do lado paulista. Do mesmo lado estava Lindolfo Collor, avô do futuro presidente Fernando Collor de Melo. Lindolfo era gaúcho e, com um grupo de outros dissidentes do Rio Grande do Sul, lutou em vão para alinhá-lo com São Paulo.

Do lado oposto, o general Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso, tio-avô do futuro presidente Fernando Henrique Cardoso, era o ministro da Guerra de Getúlio. Fernando Henrique nasceu no Rio de Janeiro, mas cresceu e fez carreira em São Paulo. Já o tio-avô combatia São Paulo. A diversidade de origens e posições no conflito reflete a barafunda própria das guerras civis.
O homem que matou Euclides da Cunha e um futuro prefeito de São Paulo
Entre figuras em papéis de menor destaque no episódio vamos encontrar, lutando entre as forças governistas, o capitão Dilermando de Assis. No Exército ele foi apenas mais um, mas na história do Brasil já assegurara seu lugar, como o homem que matou Euclides da Cunha.
Em seu excelente livro 1932—A Guerra Civil Brasileira, o brasilianista Stanley Hilton registra uma declaração de Dilermando a propósito da crueldade das “requisições”’ de bens de particulares em apoio ao esforço de guerra: “As requisições transformaram-se em verdadeiro saque oficializado, documentado, porque o governo em geral não nas (sic) paga”. Era a reincidência no crime. Não contente em matar o autor de Os Sertões, investia agora contra a língua portuguesa, um dos grandes amores do escritor.
Outro personagem menor no conflito foi um oficial de 23 anos. José Vicente de Faria Lima. Esse oficial, destinado a uma carreira na Força Aérea em que chegaria a brigadeiro, não é outro senão o operoso prefeito de São Paulo que, entre outras obras, rasgou a majestosa avenida que leva seu nome. Em 1932, o carioca Faria Lima estava engajado em missões de bombardeio da aviação governista contra posições paulistas.
Dias depois do 9 de julho, Santos Dumont se suicida
Em terra, por falar em aviões, encontrava-se Alberto Santos Dumont, o Pai da Aviação. Com a saúde física e mental abalada, fora alojado pela família numa casa alugada no então sossegado balneário do Guarujá.
No dia 14 de julho, ele redigiu um apelo pela concórdia entre os litigantes. O trecho em que disse que “somente pela lei magna” os problemas nacionais poderiam ser resolvidos foi interpretado como apoio à causa paulista.
Pode ser. No dia 23 de julho, burlando a vigilância do sobrinho que o acompanhava, refugiou-se no banheiro e enforcou-se com uma gravata. Dizem que não aguentou o ronco dos aviões que rondavam o Porto de Santos, ali perto. Pode ser.

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