segunda-feira, 11 de junho de 2012

Entrevista - O bullying faz parte do nosso comportamento - Stuart Twemlov

DIÁLOGO O psiquiatra neozelandês Stuart Twemlow, de 70 anos. Para ele, a melhor maneira de combater  o bullying é ensinar as crianças a conversar com os agressores  (Foto: divulgação)

O psiquiatra Stuart Twemlow, de 70 anos, já foi professor de ensino médio na Nova Zelândia, seu país de origem. Veio daí seu interesse em estudar a violência nas escolas depois de se formar na faculdade. Professor da Escola de Medicina do Baylor College, no Texas, Estados Unidos, Twemlow desenvolveu um programa, com o psicólogo americano Frank Sacco, para evitar o bullying. A tese da dupla está no livro Why school antibullying programs don’t work (algo como "Por que os programas antibullying das escolas não funcionam”, sem edição no Brasil). Twemlow diz que as estratégias adotadas em vários países, inclusive no Brasil, fracassam porque se concentram em punir as crianças agressoras. “Isso só faz com que elas pratiquem bullying longe das vistas dos professores”, afirma. Ele acredita que o segredo é ensinar as vítimas a se defender, por meio das palavras, aprimorando formas de diálogo que passem longe da provocação, e até pelas artes marciais. Faixa preta em aikido, Twemlow afirma que atividades físicas ajudam a extravasar a agressividade natural aos seres humanos.

ÉPOCA – Por que o bullying parece ter se tornado tão comum nos últimos anos?
Stuart Twemlow – Não há epidemia de bullying em nenhum lugar. O que acontece agora sempre existiu. O bullying está entre nós desde que os seres humanos existem. Já li sobre casos que aconteceram no século XVI. Mas agora, com a expansão dos meios de comunicação, temos mais informações sobre essas histórias. Casos de suicídio e homicídio, como o massacre de Columbine, em 1999, são raros e não se tornaram mais frequentes. Eles ficam mais na cabeça porque são, realmente, chocantes, e as pessoas entram em pânico.

ÉPOCA – O documentário Bully, do diretor Lee Hirsch, tem causado polêmica nos Estados Unidos por tratar do assunto de maneira bastante direta. Em sua opinião, que impactos o filme pode ter sobre as vítimas e os agressores que assistam a ele?
Twemlow – É um filme que captura muito bem os sentimentos intensos que envolvem as situações de bullying, além de representar sem censura as atitudes brutais que acontecem nesses momentos. Acredito que a maioria das crianças, que não são psicopatas, pode sofrer o impacto de filmes assim. E, por isso, acho que elas devem assistir ao documentário.

ÉPOCA – O filme faz parte de um movimento de combate ao bullying chamado “The bully project”. Muitos movimentos estão surgindo nos Estados Unidos, como o liderado pela cantora Lady Gaga. O senhor acredita que são eficazes?
Twemlow – Tais movimentos são dignos de apoio, assim como qualquer outro esforço que mantenha o tema à vista da opinião pública. Se, nos próximos cinco anos, a mídia continuar concentrada na sensibilização do público como forma de prevenir o bullying, acredito que isso causará um impacto benéfico sobre a consciência global.

ÉPOCA – Por que o senhor afirma que os programas antibullying das escolas americanas não funcionam?
Twemlow – É simples. Dados do Departamento de Justiça americano mostram que quase 40% dos estudantes nos Estados Unidos não se sentem seguros na escola. Entre estudantes de 14 a 18 anos, essa estatística sobe para aproximadamente 60%. A partir do momento que a criança acha que alguém vai maltratá-la, ela fica ansiosa e perturbada. Isso a impede de aprender bem. O objetivo principal desses projetos antibullying deveria ser criar um ambiente pacífico. Não adianta nos concentrarmos em punir e coagir os agressores. A maioria dos estudos sugere que a simples punição não corrige as pessoas. Grande parte do trabalho deve ser feita com os alunos que são vítimas ou assistem às agressões.

ÉPOCA – Por que mirar no agressor não funciona?
Twemlow – Controlá-lo é importante, mas não é o suficiente. Muitos programas conhecidos pelo slogan “Tolerância zero” punem os agressores suspendendo-os. Isso é cometer bullying com eles. Esse tipo de atitude não faz com que as crianças deixem de agredir, apenas faz com que elas pratiquem bullying longe dos professores. Assim, ninguém os vê. O único caminho é que as pessoas parem de transferir a culpa para os outros e parem de dizer que bullying é um crime ou uma doença mental. Precisamos trabalhar juntos, tomar atitudes simples em grupo e formar comunidades sensatas. É preciso ensinar as crianças a se defender.

ÉPOCA – Como se faz isso?
Twemlow – Ensinando-as a dialogar, a falar umas com as outras de uma maneira que não seja ofensiva nem provocativa. Uma mesma frase dita de maneiras diferentes pode provocar reações diversas. A comunicação é bem-sucedida quando a pessoa que fala é compreendida pela pessoa que escuta. Responder de maneira calma e sensata a uma provocação faz com que o agressor reflita sobre sua atitude.
 
ÉPOCA – O senhor pode dar um exemplo de como é possível treinar as crianças a não ceder a provocações?
Twemlow – Claro. Uma situação muito comum nas escolas é um aluno forçar o outro a entregar o dinheiro que ele levou para comprar um lanche na hora do intervalo. Você pode ensinar os estudantes a reagir a essa provocação sem criar conflito. O aluno que está sendo coagido pode dizer: “Eu realmente ia comprar um lanche e vejo que você também está com fome. Você não quer tomar lanche comigo?”.

ÉPOCA – O agressor não humilharia o outro da mesma maneira?
Twemlow – Você se engana. Essa resposta deixará o agressor sem reação. Não reforçará a reputação de valente dele, porque o outro estudante não cederá à pressão, chorando de medo ou simplesmente entregando o dinheiro. Como você reagiria se fosse o agressor e ouvisse uma resposta dessas?

ÉPOCA – Eu me sentiria envergonhada, diria: “Não, muito obrigada”, e iria embora. Mas não sou uma agressora.
Twemlow – Esse é outro mito comum. Todos nós somos ou já fomos agressores, vítimas e espectadores de bullying. O bullying envolve coisas triviais. Às vezes, as situações saem de nosso controle, e acabamos agindo de maneira estúpida. Fazemos isso o tempo todo em casa, na escola, no trabalho, em lugares públicos.

ÉPOCA – O senhor quer dizer que nenhuma característica especial separa os agressores das outras pessoas?
Twemlow – Todos podemos ser agressores. É certo que algumas crianças têm essa tendência mais do que outras. É o caso dos psicopatas. Eles não têm sentimentos como preocupação, empatia ou cordialidade. São simplesmente espectadores dos sentimentos dos outros. Como não entendem a comunicação humana, não se adaptam ao ambiente escolar e precisam ser encaminhados para tratamentos específicos. O ponto é que psicopatas são raros. No geral, as crianças agressoras são normais como meus filhos, seus filhos, as crianças da rua. Quando dizemos que o agressor é um doente mental, cometemos um erro, porque isso nos faz pensar que ele tem um problema, mas que nós somos normais. Isso não é verdade. Brigar faz parte da natureza humana. Não podemos abolir o bullying, porque não se pode abolir algo que faz parte do comportamento humano.

ÉPOCA – Há outras medidas que as escolas podem adotar para dar vazão a essa agressividade natural e diminuir o bullying?
Twemlow – As atividades físicas são muito importantes entre as crianças pequenas, porque normalmente elas ficam hiperativas quando estão entediadas. Uma prática que tem sido aplicada nas escolas de ensino fundamental é a inclusão de artes marciais. As crianças gastam energia e aprendem sobre respeito e disciplina. É algo muito popular e eficaz no ensino fundamental, já que o bullying físico é bastante comum entre crianças de 10 a 14 anos.

ÉPOCA – Uma lei adotada no Rio de Janeiro em 2010 obriga as escolas públicas e particulares a denunciar casos de bullying à polícia ou aos Conselhos Tutelares. Na prática, as escolas se omitem, e as denúncias chegam por meio dos pais. O senhor acredita que tratar o bullying como um crime funciona?
Twemlow – Francamente, não. No Estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, há uma lei como essa. Uma vez, um garoto chamou outro de estúpido, foi denunciado, e esse registro foi parar no histórico escolar dele. Lá ficará para sempre e poderá prejudicá-lo quando ele tentar entrar na universidade. Tudo porque ele usou uma frase de maneira inadequada. Esse é um exemplo de que legislar sobre bullying pode gerar consequências ruins, e não ser uma punição eficaz.

ÉPOCA – No Brasil, uma comissão do Senado decidiu que deve constar da lei a obrigação de as escolas implementarem a prevenção e o combate ao bullying. Cada uma pode decidir que tipo de medidas adotar. Essa é a postura mais indicada ou é melhor ter um único programa?
Twemlow – Dificilmente um programa formatado para uma escola funciona em outra, porque são diferentes. É preciso conversar com os professores, os funcionários, treiná-los e ajudá-los a perceber suas falhas. É preciso identificar por que o bullying acontece naquela escola. Como cada escola tem uma cultura, em cada uma o caminho a seguir é diferente.

Revista Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário