quarta-feira, 27 de junho de 2012

Te Contei, não ? - Antes de potável, um lodo escuro e repugnante

 
UMA CRIAÇÃO de porcos, patos e galinhas em Japeri, à beira do Rio Guandu, de onde vem a água que será tratada pela Cedae para abastecer cerca de nove milhões de pessoas Foto: Pablo Jacob
 
Água: líquido sem cor, cheiro ou sabor, pela definição do dicionário. Mas a que cerca de nove milhões de pessoas da Região Metropolitana do Rio consomem chega à sua captação para tratamento com características muito distantes desses parâmetros aprendidos na escola. Nos reservatórios em Nova Iguaçu de onde a Cedae retira até 43 metros cúbicos de água por segundo para abastecimento, desembocam os rios Guandu, Poços, Queimados e Ipiranga. Enquanto o primeiro tem se apresentado cada vez mais barrento, sobretudo em dias de chuva, os outros deságuam ali malcheirosos, escuros e até pastosos, numa aparência que às vezes se assemelha mais à de petróleo do que à de água.

Só 10% dos moradores com rede de esgoto

Os rios Ipiranga e Queimados são classificados no pior nível do Índice de Qualidade de Água do Inea: “muito ruins”. Os dois, além do Poços, apresentam resultados de coliformes fecais astronômicos: na última medição, em fevereiro deste ano, no Queimados foram contabilizados 16 milhões por cem mililitros (na lista dos três piores resultados do Rio); o Ipiranga teve 330 mil; e o Poços, 92 mil. O adequado seria no máximo 2.500.
— É uma água podre — descreve Josiandro de Souza Horácio, pescador do Guandu. — Meu avô e meu pai criaram nossa família com a pesca nessas lagoas (os reservatórios onde é captada a água). Tinha até tucunaré. Hoje consigo no máximo R$ 300 por mês. Só tem tilápia e camboatá. Trabalho como pedreiro para complementar a renda. Quem dera um dia essa água voltasse a ser boa!
Nem mesmo às margens das lagoas, onde Josiandro mora, há esgotamento sanitário. Todos os efluentes do bairro Lagoinha, em Nova Iguaçu, vão direto para bem perto do ponto de captação de água da Cedae. Em toda a região da bacia hidrográfica dos rios Guandu, da Guarda e Guandu Mirim, estima-se que menos de 10% da população urbana seja atendida por rede de esgoto, com apenas 0,6% dos dejetos tratados, numa região com cidades populosas como Queimados, com 137 mil habitantes e um importante polo industrial.
Com a poluição, gigogas (tipo de alga) proliferam nos rios Poços, Queimados e Ipiranga, fechando esses cursos à navegação por quilômetros. Esse quadro também aumenta os custos da Cedae para tratar a água. Segundo dados do plano de bacia da região (conjunto de metas e ações a serem tomadas por organismos nos diferentes níveis de governo), a estação de tratamento do Guandu, a maior do mundo, gasta até R$ 20 milhões por ano em produtos químicos para tornar a água potável. Diariamente são empregadas, em média, 318 toneladas de produtos. Uma quantidade, aponta o plano, que poderia ser reduzida em até 25% não fosse a poluição dos rios.
Segundo Wagner Victer, presidente da Cedae, a solução mais urgente para os rios Poços, Queimados e Ipiranga — e que ele diz que será posta em prática — é o “encapsulamento” deles, ou seja, o transporte de suas águas por tubos para depois do ponto de captação. Victer afirma que o esgoto não é o maior empecilho ao tratamento, mas sim a turbidez que tem atingido o Guandu devido aos barrancos que deslizam, causando assoreamento.
— O desmatamento de matas ciliares e a retirada de areia, no Guandu e no Paraíba do Sul, provocam o desbarrancamento das margens e deixam a água barrenta. Esse é nosso maior problema — diz, acrescentando que a companhia tem investido na recuperação de matas à beira dos rios.
Ele, no entanto, discorda de que o esgoto torne necessário um excesso de produtos químicos para tratar a água.
— Em Cingapura e outros países, transforma-se esgoto em água potável. Por pior que esteja o rio, mantemos a qualidade da água tratada

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