Atribui-se a Ivan Lessa a ideia de que o Brasil esquece tudo o que aconteceu nos últimos 15 anos. Ele, que saiu do país há 34 para se radicar em Londres — de onde só voltou uma vez —, perdeu em seu autoexílio a condição de protagonista do jornalismo e do pensamento nacionais que tinha, por exemplo, em seus tempos de “O Pasquim”. Mas nunca deixou de ser louvado por seus pares como um dos grandes prosadores brasileiros, dono de um estilo inconfundível em que se combinavam sarcasmo, erudição e incorreção política.
A vocação para a escrita tinha traços genéticos. Ivan Pinheiro Themudo Lessa era filho do escritor Orígenes Lessa e da cronista Elsie Lessa, colunista do GLOBO por cinco décadas. Nasceu em São Paulo, mas foi criado no Rio, e a vida carioca dos anos 1940 e 1950, sobretudo na Zona Sul, era constantemente referida em seus artigos.
Em 1969, participou da criação de “O Pasquim” ao lado de Jaguar, Sérgio Cabral (pai), Millôr Fernandes, Paulo Francis, Henfil, Tarso de Castro e outros. Abusando de humor e inteligência, o jornal se tornou um forte meio de contestação ao regime militar, que o perseguiu com censuras de textos e prisões de seus responsáveis.
Sig, o ratinho-símbolo do tabloide, foi criado por Ivan e Jaguar. O jornalista também assinou colunas como “Gip! Gip! Nheco! Nheco!”, “Fotonovelas” e, já na fase inglesa, os “Diários de Londres”. Entre colunas, reportagens episódicas e resenhas literárias, Ivan escreveu para as revistas “Senhor”, “Veja” e “Playboy” e os jornais “Folha de S.Paulo”, “Estado de S.Paulo” e “Jornal do Brasil”, entre outras publicações.
Também manteve no portal UOL, em 2000 e 2001, uma correspondência com o jornalista Mario Sergio Conti, reunida no livro “Eles foram para Petrópolis”, lançado pela Companhia das Letras em 2009.
Livros assinados apenas por ele foram só três. “Garotos da fuzarca” (Companhia das Letras, 1986) reuniu 15 contos e “histórias”, como ele classificou. “Ivan vê o mundo” (Objetiva, 1999) e “O luar e a rainha” (Companhia das Letras, 2005) eram conjuntos de crônicas escritas para a BBC Brasil.
Ele trabalhava para o serviço brasileiro da rede britânica de comunicação desde sua mudança para Londres. Escrevia três crônicas semanais, quase todas com ironias dirigidas ao Brasil e aos costumes ingleses. Chamava seu país natal de “Bananão”. Dizia odiar a informalidade dos compatriotas, nossa maneira de conversar tocando nos outros. Politicamente, era crítico em relação a todos os lados.
Na última semana, escreveu sobre o jubileu de diamante da rainha Elizabeth, não deixando, como de costume, de inserir menções ao Brasil. A coluna final, que foi publicada na sexta-feira no site da BBC, continha 25 frases alusivas à morte e referência ao “mestre Millôr Fernandes”, morto em março passado.
A mulher de Ivan, Elizabeth, com quem ele viveu por 39 anos, informou que o encontrou morto em casa na noite de sexta-feira, em Londres. O escritor sofria de enfisema pulmonar e já não ia mais à BBC, escrevendo de casa. Tinha 77 anos. Seu corpo será cremado na capital inglesa. Ele deixa uma filha, Juliana.
A presidente Dilma Rousseff lamentou a morte do escritor. Em nota, disse que o Brasil perdeu “um de seus cronistas mais talentosos”: “Ivan Lessa foi um escritor indomável. Foi irônico, mordaz, provocador, iconoclasta e surpreendentemente lírico”. Ziraldo também lamentou:
— Millôr, Chico (Anysio, morto também em março), agora Ivan... Estou me sentindo ameaçado. A minha turma está se despedindo.
“O Brasil deu um novo passo em direção à mediocrização ampla, geral e irrestrita: o coração de Ivan Lessa parou de bater, em Londres”, escreveu o jornalista Geneton Moraes Neto em seu blog, no G1.
Jornal O Globo / 10 de junho de 2012
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