domingo, 24 de junho de 2012

Te Contei, não ? - " Minha arma é o computador" - Cacique Almir Suruí




Entre seus conterrâneos, Almir Narayamoga Suruí é respeitado como caçador habilidoso. No entanto, o líder máximo dos suruís-paíteres, que até os 12 anos viveu na floresta. com raríssimos contatos com o homem urbano, e Dão falava português, diz ter pendurado o arco c flecha. "Hoje minha arma é o computador, afirma o cacique, ou lábWày esage, no idioma tupi-monde, !'Sou fã de tecnologia. Sei o poder que ela tem." Aos 37 anos, com um curso universitário inacabado de biologia aplicada e outro em andamento de gestão ambiental, Almir é um veterano das modernas terramentas da comunicação: Em 2007. chamou a atenção do mundo ao buscar, e fechar, uma parceria com o Google para monitorar o desmatamento na Terra Indígena Sete de Setembro, na fronteira entre Rondônia e Mato Grosso. Hoje ele passa mais tempo na cidade de Riozinho, distrito de Cacoal, em Rondônia, do que na aldeia. 'Qqase.,todo mês viaja de duas a três vezes ao exterior para dar palestras. Virou uma estrela cobiçada, não é o índio folclórico atrelado à imagem para exportação que se faz de um índio. "Meu cachê ainda é menor do que o de ex-presidentes da República", responde à pergunta sobre suas finanças pessoais. demonstrando que domina também a ironia.

Almir será um dos destaques da Rio+20. Dará oito palestras (uma em conjunto com a equipe do Google) e participará de cinco mesas de debate. Por que há tanta gente interessada em ouvi-lo? Não é devido apenas ao agradável ar bonachão e ao curioso português levemente titubeante. Almir propõe um caminho inédito para os indígenas e outros grupos tradicionais das florestas do Brasil e do mundo. Um caminho que não admite o paternalismo e a paralisante tutela do estado. Apesar de até 1969 terem vivido isolados dos não índios, sem roupas nem palavras escritas, os suruís estão apresentando um plano de desenvolvimento sustentável de cinquenta anos perfeitamente adaptado à lógica econômica de um capitalismo responsável, a tal economia verde de que tanto se fala. "Nossa cultura vai mudar de qualquer jeito", diz Almir. "Não há como nos isolar do mundo, por isso decidimos escolher para onde queremos ir." A condição: a integração com o mundo plugado nos avanços e ubiquidade da internet, ressalva Almir, não significa abrir mão de viver na terra de seus pais e avós. Os surufs fizeram a opção clara por viver na floresta e da floresta - e atrelaram essa decisão a outra inovação. Um dos pontos centrais do projeto é a venda de créditos de carbono por meio de um mecanismo de recompensa financeira pelo não desfíorestamento conhecido como Redd (veja o quadro ao lado).

"O Brasil precisa de uma solução econômica que garanta a manutenção da mata", diz Paulo Mourinho, diretor do Ipam, reputado instituto de pesquisas amazônicas. "Manejo e extrativismo são soluções locais, de pequena escala. O Redd traz valor para a floresta em grandes dimensões." Até hoje, o governo brasileiro liberou apenas uma iniciativa de Redd, o Projeto Juma, elaborado por uma fundação local na região do município de Novo Aripuanã, na margem da BR-319. A iniciativa da turma de Almir deve se tornar, muito em breve. a segunda a ser autenticada daí sua relevância internacional.

Lidar com créditos de carbono, por ser algo novo, é passo ainda ruidoso e repleto de armadilhas - depende, para começo de conversa, de sinal verde da mão sempre pesada do estado. Em março, foi descoberta a operação, até então discreta, de uma empresa irlandesa, a Celestial

Green, que comprou por 120 milhões de dólares o direito de exploração por trinta anos dos créditos de carbono do povo mundurucu, no Pará. Detalhe: os índios ficariam impedidos de caçar, pescar ou fazer uma pequena roça em suas terras. A Funai rapidamente declarou a ilegalidade da iniciativa. "O contrato foi assinado por umas poucas lideranças, sem consulta ao povo", diz Jairo Mundurucu, atual diretor da Associação Pussuru, entidade representativa dos mundurucus. Jairo foi eleito depois que a antiga diretoria caiu devido ao escândalo. "Tem um monte de gente fazendo projetos por conta própria". diz Nanei Maria Rodrigues da Silva. secretária estadual de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia.

Os suruís de Almir tiveram o cuidado - e a esperteza - de fazer tudo como manda o manual. Na verdade, eles estão preparando o terreno para quando o comércio de títulos de Redd estiver regulamentado. Fizeram um inventário do estoque de carbono, criaram cotas anuais de desmatamento para atividades de subsistência, previram um manejo dessas áreas, começaram uma ação de reflorestamento e, com tudo isso, conseguiram as certificações internacionais. O dinheiro do Redd é crucial para manter a floresta. Para o sucesso do projeto, é fundamental acabar com o tráfico de madeira ilegal. Ninguém compra créditos de carbono que podem literalmente virar fumaça. Sabendo disso, os suruís abriram várias frentes: estão investindo em turismo ambiental, criaram a marca (e a logomarca) 100% Pai ter e negociam a entrada de seus produtos numa grande rede de supermercados. Os recursos provenientes dessas atividades serão geridos por um fundo financeiro que está sendo montado em parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, o Funbio. "É a garantia de que o dinheiro será empregado de maneira clara e transparente", diz Ângelo Augusto dos Santos, do Funbio.

Os suruís, mais profissionalizados e mais bem orientados que os caiapós, que na década de 80 fizeram fama ao vender óleo de castanha-do-pará para a rede de lojas inglesa The Body Shop, vangloriam-se, agora, do sucesso em um ambiente tradicionalmente hostil. Até os anos 90. eram conhecidos como índios madeireiros. A maior parte dos chefes de farru1ia tirava seu sustento fazendo vista grossa para a entrada dos exploradores. "Há cinco anos, safam 400 caminhões de madeira por dia da Sete de Setembro", diz Almir.

Desde os 17 anos, já com status de liderança, ele cobra a ajuda das autoridades brasileiras contra os madeireiros - os predadores, ilegais, e não aqueles que exercem sua atividade dentro das normas. Almir teria até chegado a denunciar gente de seu próprio grupo. "Não denunciei", diz. "Estava numa reunião com a Polícia Federal. reclamando, e eles me disseram: 'Mas tem índio envolvido'. Eu estava nervoso. Respondi: 'Então. prende'." Hoje, a extração criminosa de madeira nas terras dos suruís é rara. Mas a pressão por áreas cada vez mais amplas de extração continua. No mês passado. depois da apreensão de três caminhões de madeira ilegal. um chefe suruís foi vítima de uma emboscada. Foi salvo por um carro que passava na estrada, mas ficou encarregado de transmitir um recado:

"Diga ao Almir que vamos pegar ele e a família dele".

A família de Almir, tal como é formada, inexistiria se o cotidiano indígena fosse regido pelo Código Penal brasileiro. Como não é assim, Almir tem duas mulheres (não índias) e cinco filhos. Todos passaram a andar com proteção policial. "Ninguém quer que aconteça nada com a gente agora", diz a segunda mulher de Almir, a historiadora Ivaneide Bandeira Cardozo.

"E depois da Rio+20?"
Revista Veja

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