Patrícia Melo |
Segue-se uma discussão interessante entre Heinrich e Nurnberger – outro personagem igualmente fascinante do livro – em que basicamente se diz haver dois tipos de políticos (ou nenhum, conforme se verá): o primeiro, composto por homens de negócios, impostores ou aduladores; e o segundo, formado pelos “ativos... ou geniais”.
Explica-se que este segundo tipo também não era formado por políticos “no fundo do seu ser”, mas por verdadeiros artistas, que “buscariam criar uma obra, e uma obra que por princípio reivindicava tanta imortalidade e caráter quanto qualquer outra obra de arte”. Sua matéria-prima seria a própria humanidade.
Mais adiante conclui-se que a política é o elemento mais “fantástico no qual os homens podem se mover”.
Fico me perguntando se o Brasil possui na sua imensa galeria de políticos que nos lideram há séculos alguém que se encaixe no segundo perfil de Schnitzler. Um político como Bismark, na Alemanha; Churchill; na Inglaterra; ou o Marquês do Pombal, em Portugal? Alguém que, conforme diria Maiakovski, pudesse conversar “sobrancelha com sobrancelha” com Lenin ou Thomas Jefferson? Gostaria de estar errada, mas creio que jamais fomos abençoados com essa sorte. Nossos melhores – só para citar os que me ocorrem: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e o Barão do Rio Branco – tornam-se pálidas figuras diante dos grandes políticos da história mundial.
Certamente tivemos e temos políticos éticos; políticos bem-intencionados, que deixaram um legado mais ou menos importante, que contribuíram oportunamente (mas ainda assim contribuíram) ou tomaram liderança na luta por mudanças políticas importantes, que conquistaram benefícios sociais, mas político genial – no sentido schnitzleriano – este, eu ficaria feliz se o leitor me lembrasse de algum nome que injustamente eu possa ter esquecido.
Parece que estamos historicamente condenados ao primeiro tipo. E agora, quando pela primeira vez o Brasil atinge uma posição econômica de visibilidade aqui fora, os tais homens de negócio, aduladores e impostores aperfeiçoaram-se de tal forma que absurdamente podem também ser considerados artistas. São verdadeiros gênios da corrupção, da perfídia e da falta de ética, que transformam nossa política no que Schnitzler chama de “o elemento mais fantástico no qual os homens podem se mover”. Puro absurdo.
É difícil explicar o que se passa no Brasil para o europeu entusiasmado com o país que ele vê na capa do “The Economist”, com o Cristo Redentor, tal qual um foguete, sendo projetado para os píncaros da glória.
Na verdade, é como se houvesse um grande descompasso entre nossa realidade pujante e promissora e a classe política brasileira, que, ao contrário do País, parece ainda estar com o pé fincado na lama do passado e do retrocesso. (Não quero ser injusta: claro que há exceções. Tem que haver. Mas essas não deveriam estar mais indignadas? Mais ativas? Mais engajadas numa luta ética?)
Talvez seja exatamente esse descompasso que explique por que nosso crescimento tão alardeado não se reflita em conquistas sociais e culturais. Talvez nosso crescimento seja uma ilusão, uma bolha, ou mesmo um mero crescimento estatístico, conforme acreditam alguns.
É um processo longo, explica-me um amigo cientista, três vezes indicado para o Nobel. Uma vez iniciado um processo democrático, ele explica, demora-se em média três gerações para se mudar a cultura da corrupção de um país. Ainda teremos de esperar um pouco. Tomara que ele esteja certo. Meu único temor é que ele não conhece o Brasil. Nem os políticos brasileiros. Eta povinho ruim!
Em certo momento de “O Caminho da Liberdade”, magnífico romance do escritor austríaco Arthur Schnitzler, o personagem Heinrich admite sua capacidade de entender todos os mortais, sejam eles batedores de carteira, sejam donos de hotel ou reis. Sua dificuldade, ele diz, é com o político que esconde sua essência atrás de “títulos, abstrações e símbolos”.
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