Texto de Mario Mendes publicado na edição impressa de VEJA)
Cinquenta anos depois da morte de Marilyn Monroe, seu “je ne sais quoi” faz jus à expressão: não há como explicar, nem entender, tanto carisma e sedução
Ao observar na tela uma tomada do filme que acabara de dirigir, O Príncipe Encantado, o consagrado ator inglês sir Laurence Olivier (Kenneth Branagh) comenta embasbacado a atuação de Marilyn Monroe (Michelle Williams) – então não mais do que um bem acabado e muito bem embalado produto made in Hollywood: “Maravilhosa! Nenhum treino, nenhuma técnica, apenas puro instinto. Extraordinária!”.
A cena – tirada de um livro de memórias do documentarista inglês Colin Clark – está em Sete Dias com Marilyn (My Week with Marilyn, Inglaterra/Estados Unidos, 2011), e é exemplar ao ilustrar uma tentativa de explicar o inexplicável: aquele irresistível fascínio que a atriz exercia sobre as plateias do mundo inteiro.
O filme fugiu do óbvio e Michelle Williams não tentou imitar Marilyn
Chame de je ne sais quoi, como os franceses, ou de it, como os americanos: o fato é que nunca mais se viu nada igual no cinema – ou na cultura pop em geral. Ainda hoje, cinquenta anos depois da morte da estrela (a se completarem em 5 de agosto), esse dado intangível reverbera de maneira desafi
Sete Dias com Marilyn é não mais que um passatempo sentimental e charmoso. Sua maior qualidade é justamente não ter recorrido ao expediente óbvio da caracterização estilizada de um mito do cinema (como a imitação impecável e gélida de Katharine Hepburn feita por Cate Blanchett em O Aviador).
Para simplesmente travestir-se de Marilyn, afinal, não faltam transformistas competentes que se devotam quase que com exclusividade à estrela em cabarés do mundo todo. Michelle Williams (uma das indicadas ao Oscar deste ano), maquiada e vestida para lembrar Marilyn, faz, ao contrário, uma composição sutil e inteligente da personagem.
Não decepciona ao surgir como a estrela conhecida de todos nas sequências calcadas nos cinejornais da época e nas cenas reproduzidas de O Príncipe Encantado.adora e intrigante.
E está especialmente cativante como a mulher frágil e errática que se agarra ao jovem assistente de direção Colin Clark (o sempre pálido Eddie Redmayne), transbordando insegurança e simultaneamente encantando e enlouquecendo os companheiros de filmagem (vai em seu socorro a digníssima dame Sybil Thorndike, interpretada pela atriz britânica Judi Dench em sua cadência habitual de monstro sagrado especialmente convidado).
Ninguém conseguiu explicar o que era único na estrela
Quanto ao componente único que a Marilyn verdadeira irradiava, esse nenhum de seus filmes (trinta ao todo, mas apenas onze como protagonista), fotos (foi uma das mulheres mais fotografadas da história) ou inúmeras obras, peças de teatro, biografias e ensaios sobre ela (alguns deles por notáveis como Norman Mailer, Truman Capote e Gay Talese) é capaz de explicar integralmente nem de maneira satisfatória.
Só o que há são pistas.
Marilyn não era particularmente talentosa, por exemplo, nem foi a mais bonita das estrelas de Hollywood de sua época. Ava Gardner era simplesmente deslumbrante, e Grace Kelly não apenas era belíssima como tinha um Oscar em casa.
Marilyn também não foi a primeira loira voluptuosa do cinema (até porque, na versão original de fábrica, era ruiva). A imagem de loira platinada criada para ela pela Twentieth Century Fox foi claramente calcada em divas já então passadas como Jean Harlow e, sobretudo, Lana Turner.
Quando ela entrava em cena, não tinha para mais ninguém
Audrey Hepburn dançava melhor do que ela. Elizabeth Taylor tinha exóticos olhos cor de violeta, não aquele azul esverdeado de Marilyn, tão comum entre os americanos. E Jane Russell (com quem ela dividiu a cena em Os Homens Preferem as Loiras) é que era o verdadeiro vulcão sexual nos anos 50.
Mas as câmeras, fossem as dos paparazzi ou as dos estúdios, gostavam dela como de nenhuma outra. Quando a garota mignon (confira suas medidas mais abaixo) entrava em cena, não tinha para mais ninguém. Junte-se a isso a cumplicidade do figurinista Travilla, instruído para fazer vestidos que dessem a impressão de ter sido costurados com ela dentro, e adicionem-se então os saltos altos ligeiramente desiguais, para providenciar um inigualável e doce balanço a caminho de qualquer lugar: Marilyn Monroe era mais do que sexy. Era suculenta.
Comparada com as estrelas atuais, ela ganha de goleada
Como Marilyn nunca saiu de cena, nem mesmo depois de morta, pode-se dizer que mesmo hoje ela arrasaria. Comparada com as estrelas atuais, ganha de goleada.
As mulheres podem almejar o corpo de Gisele Bündchen, mas os homens ainda preferem as curvas ao estilo MM. E podem imaginar que seriam mais belas com os traços projetados por designer de Angelina Jolie. Mas, quando Marilyn sorria seu sorriso aliciante, virava a prova incontestável de que a beleza não é matemática – é divina.
Em 1976, quando Marilyn completaria 50 anos, o escritor Larry McMurtry declarou que ela era um dos quatro grandes fantasmas americanos, ao lado de Ernest Hemingway e dos irmãos Kennedy: “Pessoas que deram cabo da vida americana antes que a América desse cabo delas”.
Do grupo, Marilyn é a única que o público ressuscita sem descanso: por mais que se tente, não há como entender o encanto inexplicável dessa deslumbrante assombração.
Revista Veja
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