segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Entrevista - Luiz Antônio Aguiar, o guardião da tradição machadiana de histórias

Especialista em um dos escritores mais importantes da história nacional, Luiz Antonio Aguiar, um velho conhecido das crianças por seus livros infantis, consagra-se como um nome de destaque com a nova adaptação para as histórias em quadrinhos de O alienista. e avisa: não descansará enquanto não mostrar o valor de seu autor preferido para a nova geração

Por Sérgio Pereira Couto
        

 
Absolutamente ninguém fala com mais entusiasmo sobre Machado de Assis do que Luiz Antonio Aguiar. Desde que lançou um álbum em quadrinhos que adapta a obra O alienista para um público infantojuvenil numa edição especial que nada deve aos álbuns importados, tem colecionado admiração de adolescentes que passaram a se interessar pela obra machadiana.
O lançamento do álbum aconteceu exatamente quando se comemoraram 100 anos do nascimento do autor. Porém, a repercussão continua até hoje e promete fazer que o roteirista, fã confesso de Machado, consiga exatamente seu intento: fazer crianças e adolescentes lerem mais a obra de seu autor predileto.
Essa luta é apenas parte de um trabalho mais amplo. Aguiar é presidente da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil, na qual batalha para divulgar a literatura juvenil brasileira. Mesmo assim, reserva tempo para apreciar os trabalhos de outros leitores nacionais como Milton Hatoum e Chico Buarque, que recentemente o cativaram com suas narrativas.
"Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou."
Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas
Imagem: Almanaque Machado de Assis, de Luiiz Anton
Foto do sobrado em Cosme Velho, Rio de Janeiro, onde o escritor Machado de Assis morreu doente, solitário e triste
Mas é mesmo Machado de Assis quem o cativa por completo. Na entrevista a seguir ele analisa mais seu ídolo, fala sobre seus livros, a adaptação em quadrinhos e ainda conta algumas curiosidades dos tempos de O alienista.
Leituras da História - Você é um autor com vários prêmios recebidos como roteirista de histórias em quadrinhos. Com tantos livros publicados, por que este é diferente?
Luiz Antonio Aguiar - É uma questão de se adequar a uma celebridade histórica. Todo mundo conhece Machado de Assis, ou pelo menos já foi obrigado a ter um contato com ele em algum momento de sua vida acadêmica. Porém, essa obrigatoriedade impede-nos de apreciá-lo como deveria. Machado é um dos melhores cronistas de nosso país e suas observações dos modos da sociedade de seu tempo são completamente atemporais. A prova é que sempre há alguém disposto a recontar suas histórias com ligeiras adaptações temporais. Ninguém conhece a alma humana nacional melhor do que ele.
LH - Pelo jeito você é mais do que um simples admirador de Machado de Assis...
Aguiar - (Risos) Bem mais do que isso, de fato. Para mim é quase um estilo filosófico. Escolhi estudar sua obra justamente por esse aspecto. É algo que você tem em outros autores, porém com alguns detalhes que o tempo acaba por corroer de alguma forma. Isso não acontece com Machado. Quando paramos para apreciar uma história dele, passado o impacto da obrigatoriedade da leitura, começamos a descobrir um universo tão peculiar que se torna algo totalmente sui generis, algo com uma identidade própria e completamente atemporal. É como um vinho, que é necessário deixar maturar por algum tempo antes de ser apreciado com toda a atenção que merece. No final, a recompensa que nos espera é muito gratificante.
LH - Vamos nos concentrar um pouco em você. Acredito que deva ter alguns pontos em comum entre o seu trabalho e o de seu ídolo, não é?
Aguiar - (Risos). Falando assim parece que vou sair por aí fundando o fã-clube Machado de Assis (mais risos). Mas admito que sou mais do que um simples admirador. E depois, meu trabalho é mais voltado para crianças e adolescentes. Quando fui convidado para fazer o roteiro de uma nova adaptação de O alienista como história em quadrinhos, vi uma excelente oportunidade de levar para esse público jovem a obra de Machado de Assis. Mas também leio outros autores, pelos quais sou grato pelos excelentes momentos que me proporcionaram com suas histórias, como Mark Twain, Charles Dickens, a Condessa de Ségur e, claro, Monteiro Lobato. Historicamente todos são importantes como retratistas dos costumes de suas épocas.
LH - Essa é sua primeira experiência como roteirista de quadrinhos?
Aguiar - Não, já tive outras. Desde 1977 passei muito tempo roteirizando não apenas Sítio do Picapau Amarelo, mas também Disney, além de produzir livros de bolso com histórias de faroeste (na época assinava como Buck Gordon). A diferença é que como sou pesquisador de Machado, esta nova adaptação sai com algumas nuances que outros roteiristas deixaram de lado. E com uma vantagem: como escritor de histórias para crianças, ofereço uma abordagem que fala a língua delas. No próprio lançamento de O alienista, durante a última edição da Bienal Internacional do Livro em São Paulo, muitas me pararam para dizer que gostaram do que viram. Claro que muito disso se deve também à arte de Cesar Lobo, um excelente ilustrador e desenhista que já fez também roteiros para histórias em quadrinhos e publicou sua própria cota de livros. Ele é um profissional muito competente que faz sucesso tanto aqui quanto no exterior.
LH - Sua profissão envolve que outras atividades?
Aguiar - Dou oficinas de leitura de Machado de Assis no Casarão do Cosme Velho, Rio de Janeiro, e em vários Estados para plateias de professores e público em geral. Também sou um dos fundadores e membro da atual diretoria da Associação dos Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (AEILIJ).
LH - Este não é seu primeiro trabalho como autor, não é?
Aguiar - Não. Pouco antes de aceitar o convite para fazer a adaptação de O alienista, lancei o Almanaque Machado de de pesquisa intensa sobre sua obra. Tudo com um mesmo propósito: mostrar que a leitura desse extraordinário autor pode ser muito divertida, prazerosa e que suas histórias refletem ideias universais sobre a vida, nosso país e sobre nós mesmos. O livro possui fotos, muitas das quais inéditas, além de frases, cronologia, mapa completo de sua obra, uma extensa explicação de quem é quem em suas principais obras e outros recursos que ajudam o novato, ou mesmo aquele que já tem algum conhecimento sobre Machado, a se embrenhar cada vez mais nesse universo.
 
 
        
Imagem: Almanaque Machado de Assis, de Luiiz Anton
A foto flagra Machado de Assis no centro da cidade do Rio de Janeiro, constante cenário de seus romances. A mulher em sua frente é sua esposa, Carolina
LH - Fale um pouco sobre a história de O alienista.
Aguiar - Isso vale a pena. É sempre bom relembrar, sempre tem alguém que não leu o livro e torce o nariz só de ouvir falar que é uma obra de Machado de Assis ou que é alguma indicação para se ler quando se prepara para o vestibular. E nem sabem a diversão que estão perdendo. Tudo começa no final do século XVIII quando Simão Bacamarte, um médico influente da pequena Itaguaí, município do Rio de Janeiro, trabalha na compreensão e na cura da loucura. Para tanto ele constrói um hospício para onde vão todos os loucos dos arredores. Mas ele nem prevê a confusão que isso iria gerar. Entre outros tumultos a cidade é revirada pelo avesso, a população se revolta e as autoridades não se entendem. É uma crítica corrosiva e irônica à sociedade cientificista de sua época e ao despotismo absoluto daqueles que detêm o poder.
LH - Houve algum tipo de pesquisa histórica para construir o visual da história de vocês?
Aguiar - Claro. É o mínimo que nós, como pesquisadores, temos de fazer. Todas as ilustrações foram feitas mediante pesquisas históricas e iconográficas. E meu roteiro aproveita o máximo do original. E ainda acrescentamos um apêndice com curiosidades da época em que o texto foi escrito.
LH - Conte algumas dessas curiosidades.
Aguiar - São coisas que os leitores de sua revista devem estar acostumados, até mesmo achar óbvias, mas para as crianças e adolescentes não são. Por exemplo, o fato da iluminação das ruas ser à base de chamas alimentadas por óleo, ou as casas serem iluminadas por velas ou candeeiros à base de óleo de baleia. Ou o fato da época da história possuir em meio ao seu cenário muitos chafarizes que, ao contrário do que se pensa, eram usados para satisfazer a sede dos cavalos. Há um deles, em Itaguaí, que é conhecido como Chafariz da Independência porque, segundo o que contam, a comitiva de Dom Pedro I teria parado por lá, em 1822, na viagem em que proclamariam o acontecido. Ou ainda, a melhor para mim, é a origem do termo "falar que nem matraca". Naquele tempo, segundo o próprio Machado, não havia imprensa. Assim só havia dois modos de divulgar uma notícia: por meio de cartazes manuscritos e pregados na porta da Câmara ou por meio da matraca.
Adolescência é uma fase complicada para que aprenda a ter gosto pela leitura, ainda mais por livros obrigatórios
Contratavam um homem que por certo número de dias andava pelas ruas com uma matraca na mão, aquele objeto usado em bailes de carnaval que gira preso a um eixo e que faz um barulho de clect-clect. Assim, quando as pessoas ouviam esse barulho, cercavam o homem e ele relatava o que havia para ser divulgado. E podia ser qualquer coisa: um soneto, um donativo da igreja, um comunicado ou simplesmente para anunciar o melhor discurso do ano. Machado dá uma descrição mais detalhada da matraca no capítulo IV de O alienista, na versão original, claro.
LH - Essa identificação com Machado de Assis também se reflete em suas obras para crianças?
Aguiar - Em várias delas. Esperei ter a oportunidade de levar a obra de Machado para vários segmentos do público. Com o Almanaque espero poder atingir um público mais adolescente, próximo do começo da maturidade. Porém são as obras para crianças as que mais me dão apreço, pois sei que posso atingir o jovem leitor mais facilmente e de uma maneira mais completa. Por exemplo, escrevi O voo do hipopótamo, que conta a história de um garoto de 16 anos chamado Túlio. Veja bem, essa é uma idade-chave, já que é mais ou menos por aí que os professores de escolas públicas começam a empurrar, de maneira errônea, os livros para que os adolescentes leiam.
E adolescência é uma fase complicada para que aprenda a ter gosto pela leitura, ainda mais por livros obrigatórios. É o caso de Túlio: ele é muito popular em sua escola, mas tem dificuldades para ler um livro de Machado, Memórias póstumas de Brás Cubas. Ele precisa entender a história, pois terá de fazer uma prova sobre isso e, se não passar com uma boa nota, corre o risco de ser excluído da seleção de vôlei do colégio, além de ser reprovado. Túlio tem uma ideia: recorrer a Virgília, uma garota impopular que acabou de ser transferida para sua escola. Ela está lendo o livro com a ajuda do avô.
Mas se aproximar dela pode trazer mais complicações do que vantagens para ele, já que os amigos a rejeitam por consideraremna fora dos padrões e cobram que ele tenha a mesma atitude. A história mostra, ao mesmo tempo, a relação dela, sombria e dark, com ele, o popular, enquanto os dois descobrem nuances da história de Brás Cubas, que "voltou da morte para narrar sua vida com a pena da galhofa e a tinta da melancolia".
Imagem: Almanaque Machado de Assis, de Luiiz Anton
Duvidosa homenagem: cédula de 1.000 Cruzados, logo desvalorizada com a aplicação de um carimbo, tornando-se cruzados novos, e depois extinta
LH - Ou seja, você traçou paralelos entre a história de Machado com outra, criada por você, de maneira que se transforme uma espécie de parábola?
Aguiar - Exatamente. Brás Cubas teve oportunidade de ser feliz em sua vida, até mesmo no amor. Ele encontrou sua Virgília. E deixou passar essa oportunidade. Isso faz que Túlio reflita se ele também não está passando pela mesma situação. Brás Cubas tem um enorme impacto sobre esses dois jovens que, com o relato machadiano, aprendem uma grande lição de vida.
LH - Você acredita que, se analisarmos a vida de Machado de Assis, encontraremos essa ideia inserida na maioria de seus textos ou ele era apenas um contador de histórias que demonstrou sua atemporalidade?
Aguiar - Você quer que eu diga se Machado se colocou propositadamente na posição de cronista de sua época ou se esses retratos de época foram uma qualidade inconsciente, não é mesmo? Sabe, já me fiz essa pergunta várias vezes. Antes é necessário que pensemos quem foi Machado de Assis. A grande maioria do público o conhece como um autor nacional, mas nem mesmo sabe que ele foi poeta, romancista, dramaturgo, contista, jornalista e teatrólogo. Com isso em mente podemos tranquilamente acrescentar a função de cronista. Afinal, uma crônica é, por definição, um texto para ser publicado em jornal. E ele, com formação jornalística, sabia dominar esta forma. A crônica narrativodescritiva é quando explora a caracterização de personagens ao descrevê-los.
Ao mesmo tempo mostra fatos cotidianos que podem ser narrados em 1ª ou 3ª pessoa do singular. Acredito que ele usava essa forma para se expressar por pura formação e que terminou por lhe ser útil ao gerar esse efeito de captar o espírito das pessoas e da sociedade da época. Ele colocava muito de seu senso crítico em suas narrativas, tornando-as desse modo ricas e densas.
 
LH - Vamos falar um pouco do momento histórico em que a obra de Machado surgiu. Muitos podem pensar que para ser um escritor bastava retratar costumes. Como isso surgiu na obra dele?
Aguiar - Esta é uma pergunta muito complexa. Para entendê-la é necessário conhecer o autor e sua vida. Vamos recapitular o que sabemos sobre ele: Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e era filho de um pintor de paredes mulato e descendente de escravos alforriados, chamado Francisco José de Assis. Sua mãe era uma lavadeira açoriana proveniente da Ilha de São Miguel. Só com este background já temos material mais do que suficiente para imprimir certas opiniões nele, uma vez que ser descendente de pessoas assim não deveria ser fácil naquela época. E os elementos que formaram sua personalidade continuam. Sabemos que ele passou sua infância na chácara de uma senhora de nome Dona Maria José Barroso Pereira, viúva do senador Bento Barroso Pereira. Sua família morava como agregada, no Rio de Janeiro. Desde cedo se mostrou frágil, epiléptico e gago. E o mais curioso de tudo é que não há muitos dados sobre sua infância e começo de juventude.
LH - Esse parece ser o cenário típico para uma pessoa se tornar retraída o suficiente para ser um observador. Talvez seja essa a motivação para se tornar um observador de costumes, não acha?
Aguiar - Talvez sim. O que se destaca, porém, é que sabemos que ele se tornou órfão de mãe cedo. Também perdeu sua irmã mais nova. Não teve uma educação regular e quando seu pai morreu, em 1851, sua madrasta, chamada Maria Inês, tornou-se doceira num colégio do bairro de São Cristóvão. Nosso autor começa a trabalhar como vendedor de doces. Machadinho, como se torna conhecido, passa a ter contato com professores e alunos. Podemos apenas especular que era nessa época que ele assistia às aulas quando não se dedicava ao trabalho.
ILUSTRAÇÃO RETIRADA DO LIVRO MACHADO E JUCA, DE LU
Ilustração de Machado e Juca, de Luiz Antonio Aguiar, que conta a amizade fictícia entre o encritor e um engraxate
LH - E mesmo assim conseguiu se instruir de maneira a se tornar um autor tão famoso?
Aguiar - Graças à boa vontade e um desejo incontrolável de aprender, em minha opinião. Afinal, ele não tinha acesso a cursos regulares, mas mesmo assim empenhou-se em aprender e se tornou, ainda jovem, um grande nome. Ele conheceu em São Cristóvão uma senhora francesa de nome Madame Gallot, que era dona de padaria. Foi com um de seus funcionários que ele conheceu as primeiras palavras da língua francesa e, com elas, tomou conhecimento de obras como Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, que traduziu ainda em sua juventude. Fez a mesma coisa com a língua inglesa e traduziu, entre outros textos, o famoso poema O corvo, de Edgar Allan Poe.
LH - Ser autodidata facilitou o contato dele com a cultura de um modo geral?
Aguiar - Acredito que sim. Cultura sempre denotou ter dinheiro para obtê-la, já que ter aulas particulares era algo que apenas as classes mais elevadas tinham acesso por motivos óbvios. Mas o que gostaria de chamar a atenção de seus leitores é para o fato de que Machado iniciou sua carreira como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial. E trabalhou sob a direção do romancista Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um sargento de milícias. Quando Machado completou 15 anos, em 1855, conseguiu estrear na literatura com o poema Ela, publicado na revista Marmota Fluminense. A partir de então passou a colaborar com jornais diversos como cronista, contista, poeta e crítico literário. E daí vem, em minha opinião, sua capacidade de observação e apreciação dos costumes sociais, que ele usaria mais tarde para compor seus personagens mais memoráveis.
LH - Então ele já tinha fama de intelectual quando começou a publicar?
Aguiar - Sim, a ponto de atrair a atenção, a admiração e a amizade de José de Alencar, que era o principal escritor da época. Dá para imaginar tamanha façanha? Seria a mesma coisa que um escritor iniciante, hoje, conquistar a admiração pública de um nome sagrado da Academia Brasileira de Letras. É claro que, hoje em dia, os egos falam um pouco mais alto e não vemos muitos casos assim, mas ocasionalmente existem.
LH - Qual foi a estreia dele em livro?
Aguiar - Foi com uma coletânea de poemas chamada Crisálidas, publicada em 1864. É uma obra pouco comentada, talvez porque as pessoas se acostumaram a pensar em Machado como um romancista e não tanto como um poeta. Mesmo assim os textos que estão nesse livro são simplesmente incríveis.
IMAGEM: ALMANAQUE MACHADO DE ASSIS, DE LUIZ ANTONI
Discurso de Olavo Bilac, na janela da casa de Cosme Velho, no aniversário de morte de Machado
LH - Bem, além dos fatos para os quais você apontou como destaque na vida do autor, que mais sabemos sobre ele?
Aguiar- Eu sou suspeito de falar algo, já que simplesmente admiro e estudo constantemente a obra de Machado de Assis, então tudo para mim é interessante (risos). Mas não vamos enfadar muito seus leitores e vamos terminar nosso resumo da vida dele. E isso porque nem mesmo chegamos à primeira fase de sua carreira. Bem, vejamos: ele se casou em 1869 com a irmã do poeta Faustino Xavier de Novais, a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, que era quatro anos mais velha do que ele. Ingressou no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 1873 e trabalhou como primeiro oficial, de onde sairia para fazer carreira como servidor público, chegando a diretor do Ministério da Viação e Obras Públicas. Foi quando começou a se dedicar com mais atenção à sua carreira literária e quando os livros românticos começaram a aparecer. Dentre outras obras apareceram Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876), e Iaiá Garcia (1878).
LH - Memórias póstumas de Brás Cubas é de uma fase posterior, não?
Aguiar - Foi em 1881, quando ele abandonou por definitivo o romantismo da primeira fase de sua obra. A dedicatória "ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas" ficou marcada como uma ousadia e tanto por parte dele. E chamou bastante a atenção.
 
"Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer."
Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas
IMAGEM: ALMANAQUE MACHADO DE ASSIS, DE LUIZ ANTONI
O Largo da Carioca (foto), onde as linhas de bonde, tanto a puxada a burro como a elétrica, se cruzavam. Nota-se a placidez do cenário urbano, mesmo em 1890
LH - Já virou filme, não foi? Quantas vezes a obra foi adaptada para o cinema?
Aguiar - Sim, virou filme por pelo menos três vezes. A primeira, pelo que me lembro, foi rodada em tom experimental em 1967 e se chamou Viagem ao fim do mundo, com direção de Fernando Cony Campos. A segunda saiu pelas mãos de Julio Bessane em 1985 e tinha Luiz Fernando Guimarães como Brás Cubas. A mais recente é de 2001, que era mais fiel ao livro e foi dirigida por André Klotzel, com Reginaldo Faria como Brás Cubas já velho e Petrônio Gontijo como o personagem mais novo.
Com meu trabalho quero ver os jovens apreciarem Machado e outros autores
LH - Memórias póstumas de Brás Cubas pertence à segunda fase. Quais as características das obras desse período?
Aguiar - Basicamente tons mais realistas nas histórias. Machado criou um estilo único de narrativa e prevaleceu a introspecção, o humor e o pessimismo na relação do personagem com seu universo. É quando aparecem as obras Quincas Borba (1892), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), além de algumas outras coletâneas.
LH - E assim terminamos nosso resumo da vida de Machado?
Aguiar - Com certeza esta é a versão resumida do resumo (risos). Podia passar o dia inteiro analisando suas histórias. Um detalhe merece ser colocado: quando Carolina morreu, em 1904, Machado escreveu Carolina, um de seus melhores poemas, em sua homenagem. Quatro anos depois ele estava doente, solitário e triste, pois não conseguia se adaptar à vida sem ela. Assim ele morreu em 29 de setembro de 1908 numa casa que ficava no bairro de Cosme Velho, no Rio de Janeiro.
LH - Conhece alguma curiosidade sobre aqueles últimos dias?
Aguiar - Bem, sei que ele não queria se confessar e que não aceitou a presença de um padre. E que era bastante conhecido pela quantidade de pessoas que o visitavam, entre elas Mário de Alencar, Euclides da Cunha e Astrogildo Pereira.
LH - No final, você acredita que sua missão pessoal de divulgar a literatura nacional está próxima de ser cumprida?
Aguiar - Se continuarmos com trabalhos de qualidade como a adaptação que fiz com Cesar Lobo, com toda certeza. Não pretendo descansar enquanto não ver essa nova geração apreciar tanto Machado quanto outros autores. Nossa literatura merece. E não há motivos para achá-la enfadonha. Podemos ter adaptações fantásticas dessa e de outras obras e despertar o interesse dos jovens em apreciar e até recomendar nossos autores clássicos. Só assim teremos guardado um pedaço de nossa história para o futuro.

 

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