Zuenir Ventura, O Globo
Papai Noel é um mistério. Como explicar que minha neta Alice, tão esperta e
racional, ainda acredite na existência dessa figura anacrônica, inverossímil,
com aquela barba postiça, um gorro ridículo, vestido como se estivesse na
Lapônia e rosnando “rô, rô, rô”, que é a única coisa que sabe dizer?
Como alguém que, aos 4 anos e dois meses, já conhece os segredos do iPad a
ponto de se irritar porque o avô analfabyte não consegue acompanhá-la,
não faz as perguntas que se esperaria de sua insaciável curiosidade: “Ele é um
só?” “Como consegue atender a tantos pedidos?” “Onde arranja tanto dinheiro
fácil, se nunca foi surpreendido recebendo propina?” É muita credulidade para
quem está sempre duvidando, questionando e o que mais faz é perguntar “por
que?”
Aos 3 anos, ela já me desconcertava recusando a versão da cegonha para a
origem do nascimento: “Você é bobo! Eu nasci da barriga da minha mãe” (temo que
a qualquer hora ela vá mostrar em detalhes para o irmãozinho Eric o mecanismo da
concepção).
Há anos escrevo sobre o Natal, prometendo ser a última vez, porque me repito
tanto quanto os costumes da época, em que é tudo igual: a rabanada, a canção
“Noite feliz”, os amigos-ocultos, os presentinhos, os engarrafamentos, o
movimento das lojas, sem falar no dinheirinho compulsório para os porteiros, o
mendigo de estimação, o guardador de carro, os entregadores de jornais, de
remédio, de pizza, garis e carteiros.
A exemplo dos Natais anteriores, não foi possível cumprir todos os
compromissos de fim de ano, já não digo de compras, que minha mulher é quem as
faz, mas de atendimento de convites.
Parece que todas as noites de autógrafos, todas as exposições, todos os
almoços e jantares de confraternização foram deixados para acontecer nesse
período. Ter que escolher uns em detrimento de outros é uma das aflições dessa
época. Mas o pior do Natal é sua submissão ao consumo, que faz dele “um
orçamento”, como já dizia Nelson Rodrigues.
Em suma, tudo o que se fala contra o Natal é verdade, mas, apesar dos
desvirtuamentos, há nessa festa algo que resiste e que desperta memórias e
nostalgias de perdidas crenças. O que será?
Seria o nosso eterno retorno à infância, isto é, à fantasia, ao desejo e ao
sonho, por mais antiquado que isso pareça?
Alice descobriu dentro do mito o imaginário e a realidade, ou seja, a
existência de um Papai Noel de mentira e outro de verdade. O primeiro é o que
ela vê, pode tocar, fica parado na esquina ou nos shopping centers. O de verdade
é justamente o que ela não vê, mas é o que ela imagina que de madrugada vai
pendurar seus presentes na árvore de Natal — é o que alimenta sua fantasia. Como
não acreditar nele?
Zuenir Ventura é jornalista.
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