quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Personalidade - Claudia Werneck - a escritora que se tornou a voz dos direitos dos jovens deficientes

Claudia Werneck: a escritora que se tornou a voz dos direitos dos jovens deficientes

  • Com 14 livros sobre inclusão e fundadora de grupo de teatro que leva peças a quem não enxerga ou ouve, ela recebe prêmio internacional
  • Ela planeja oficinas de linguagem de sinais para moradores do Complexo do Alemão e da Cidade de Deus
 
 
 
Maria Elisa Alves

A escritora Claudia Werneck, há mais de 20 anos, dedica a vida à luta pela inclusão
Foto: Daniela Dacorso / Agência O Globo
A escritora Claudia Werneck, há mais de 20 anos, dedica a vida à luta pela inclusão Daniela Dacorso / Agência O Globo
RIO - Era para ser uma visita de cortesia qualquer: Diego, filho da jornalista Claudia Werneck, insistia para que ela fosse visitar o irmãozinho recém-nascido de um amigo dele. Ela adiou um pouco o compromisso, afinal, nem conhecia direito a família. Mas, como pedido de filho quase nunca se nega, acabou indo. Quando a mãe do bebezinho descobriu que Claudia trabalhava na revista “Pais & Filhos” —, uma espécie de Bíblia para pais aflitos na era pré-internet —, contou que o menino tinha síndrome de Down e a agarrou, implorando ajuda. Sem o hoje onipresente Google ou livros sobre o tema para leigos, ela queria saber se o filho ia se casar, chamá-la de mãe, viver muito. Claudia saiu de lá impressionada e propôs à revista uma reportagem sobre o assunto. Surgiu ali a semente para uma mudança radical na vida de Claudia, que, depois da imersão de quatro meses no universo Down, escreveu 70 páginas. A reportagem tinha apenas cinco e Cláudia logo descobriu o que fazer com o que ficou de fora: nasciam ali o seu primeiro livro, “Muito prazer, eu existo”, e uma militante da inclusão, que se tornou uma das mais importantes vozes dos direitos dos deficientes no Brasil.
— Quando eu escrevi o livro, recebi três mil cartas. Entendi que algo acontecia e ninguém sabia. Eu não era a jornalista maravilhosa que pensava. Não trabalhava com o repertório de rostos da humanidade. Se eu fazia uma matéria sobre amamentação, eram dicas para as mães com dois braços. E as que não têm os dois? Percebi que eu não estava pensando em todo mundo. E também me dei conta de que precisava documentar histórias silenciosas, não conhecidas — diz Claudia, que mudou por dentro e por fora. — Quando entendi o que era inclusão, minha providência foi mudar o cabelo. Abandonei o corte Chanel e usei moicano, raspado de um lado e pintado de vermelho. Uma vez uma moça no aeroporto disse que era o cabelo mais doido que ela já tinha visto. Era uma das filhas da Baby Consuelo — diverte-se Claudia.
A mudança foi em 1990 e, de lá para cá, Claudia, de 56 anos, já escreveu 14 livros sobre inclusão, direitos humanos, discriminação e diversidade, e vendeu mais de 220 mil exemplares em português, inglês e espanhol. E nunca deixou que a máxima “Casa de ferreiro, espeto de pau” se aplicasse à sua vida: com dificuldade para contar suas histórias em diferentes plataformas, que atendessem quem não enxerga ou não ouve, fundou com o marido, Alberto, a WVA Editora. O seu último título, “Sonhos do dia", tem exemplares acompanhados de DVDs com audiodescrição para quem não enxerga, em braile, linguagem de sinais e mais quatro formatos. O reconhecimento foi rápido: em 2000, Claudia tornou-se a primeira escritora brasileira a ter livros recomendados simultaneamente pela Unesco e Unicef.
Em 2002, ela deu um outro passo importante: fundou a Escola de Gente, uma organização preocupada com a comunicação para a acessibilidade. Um dos projetos é o grupo de teatro Os Inclusos e os Sisos, responsável pela primeira peça de teatro infantojuvenil completamente acessível do país. Durante a apresentação de “Um amigo diferente”, já vista por mais de 60 mil pessoas, há intérprete de linguagem de sinais e legendas para as pessoas surdas, programas em braile para os cegos, que sobem ao palco para pegar no cenário todo e recebem um fone de ouvido para escutar tudo o que se passa ou saber quando os atores fazem caretas ou dançam. As peças têm um tom bem-humorado, não fosse Claudia a mãe da atriz e humorista Tatá Werneck, a espevitada Valdirene, da novela “Amor à vida”.
— Eu trabalhava muito e tinha aquela culpa típica de mãe, mas meus filhos deram certo — diz, aliviada com o sucesso de Tatá e de Diego, professor da Fundação Getulio Vargas.
Claudia continua ralando muito e conta nos dedos as vezes em que dorme no seu colorido refúgio na Barra da Tijuca, decorado com lembranças de suas inúmeras viagens. Teve ano em que ela só passou quatro dias úteis em casa. O filho, ela estava quase há um mês sem ver.
— Eu gosto de música, mas não ouço, gosto de praia, mas não vou. Outro dia, fiquei em casa num domingo. Comi camarão e mergulhei na piscina. Foram as minhas férias — diz Claudia, que, quando diminui o ritmo, é para valer. Em 2011, foi meditar na África e, em 2007, fez um retiro espiritual na Índia.
O ano de 2014 já começará na Áustria, onde Claudia receberá um prêmio por Os Inclusos e os Sisos, eleito este mês, entre 245 trabalhos de 58 países, um dos maiores inovadores do mundo pelo programa Zero Project Innovative Practices, da organização austríaca Essl Foundation. Em parceria com o World Future Council e o Bank Austria, a instituição escolhe as melhores experiências voltadas para a garantia de direitos de pessoas com deficiência.
— A Claudia não fica quieta. Onde tiver uma discussão sobre inclusão, ela está presente. Ela luta o tempo todo por políticas públicas para esses jovens. Se não fosse ela, o programa ProJovem Urbano, do governo federal, que oferece a conclusão do ensino fundamental com treinamento profissionalizante, não estaria contemplando jovens com deficiência — diz Fábio Meireles, coordenador-geral de Direitos Humanos do Ministério da Educação, que admira principalmente a firmeza de Claudia em suas posições. — Ela é considerada radical por muita gente. Fez inimizades porque, com ela, é tudo ou nada.
Esse tudo ou nada se reflete principalmente na questão de acessibilidade nas escolas: para Claudia, não há nenhuma dúvida de que um jovem com deficiência deve estar sempre integrados em colégios, e não em escolas ou turmas especiais. A posição encontra ainda resistência:
— Eu tenho um filho com Down e concordo com muitas posturas da Claudia. Minha divergência é sobre a forma de incluir. Acho que os pais devem botar os filhos numa escola especial se quiserem. Isso não é ser segregacionista, é defender a inclusão com dignidade — diz Tânia Athayde, diretora da Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae-Rio).
Mas Claudia aposta na formação de pessoas com uma visão diferente. Ela fechou parcerias para treinar novos agentes de acessibilidade no Alemão e na Cidade de Deus. Quase 50 jovens terão aula de língua brasileira de sinais (Libras).
— Quando eu boto no currículo que sei Libras, é um diferencial. Quem ia imaginar que uma menina do Jacarezinho saberia a linguagem? — diz Mayara Gonçalves, aluna da primeira leva do curso.
Claudia Werneck imaginou.


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