sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Te Contei, não ? - A revolta das Luluzinhas

 

Escrito por: Redação
Fonte: Revista Época

A euforia e a indignação provocadas nas redes sociais pelo novo aplicativo Lulu - que permite às mulheres (sem se identificar) dar nota aos homens (sem o consentimento deles)

 

 
Sempre houve um acordo tácito nos relacionamentos amorosos: o que acontece entre duas pes­soas só diz respeito a elas. Atire a primeira aliança, porém, quem nunca comentou sobre um parceiro com alguém. Experiên­cias particulares podem ser ocasionalmente compartilhadas, porque às vezes é preciso recorrer a um ombro amigo. Seja para desabafar, seja para ouvir conselhos ou falar sobre algo que nos deixa felizes. Isso se chama fofoca, uma troca semiclandestina de informações que exige certo grau de intimidade entre os participantes. Além de alguma confiança de que as queixas e avaliações não serão passadas adiante de forma indiscriminada. Há duas semanas, quando o aplicativo Lulu foi lançado no Brasil, isso mudou. As fofocas íntimas invadiram a internet e passaram a ser documentadas.

O Lulu é um programa para celulares exclusivo para mulheres. Elas avaliam anonimamente o desempenho afetivo e sexual de homens que estão em sua lista de amigos do Facebook. Primeiro, identificam seu grau de intimidade com o sujeito (ao marcar se são amigas, ex-na­moradas, se já saíram alguma vez ou se é uma paquera). Depois, respondem a perguntas de múltipla escolha inspiradas nos testes de revistas femininas: "Ele é tão fiel quanto..." ou "No trânsito, se o carro da frente quebra, ele...". Assim, revelam se o avaliado é bom de cama, atraen­te, educado, ambicioso ou atencioso. Ao final, o homem ganha uma média entre 0 e 10, a partir de suas notas em cada categoria. A mulher ainda atribui hashtags, expressões antecedidas pelo símbolo de jogo da velha (#) usadas nas redes sociais, para resumir o avaliado de forma bem-humorada. Elas podem ser boas (#SemMedoDeSerFofo), ruins (#NãoQuerNada­­­­­­ComNada)­­­­­­ ou péssimas (#TransaEVaiEmbora). O perfil com a nota e os comentários é visto por todas as amigas dessa mulher no Facebook que também usam o Lulu. Graças a isso, o aplicativo virou uma espécie de WikiLeaks da vida a dois.

Criado pela advogada jamaicana Alexandra Chong, de 30 anos, o Lulu surgiu depois de um encontro dela com amigas num café. Ao redor da mesa, elas contavam como tinham passado o Dia dos Namorados. Houve risos, lágrimas e muitos brindes. Voltando para casa, Alexandra se perguntou por que não havia uma rede social para mulheres, em que elas pudessem falar sobre relacionamentos. "Hoje buscamos referências para escolher um produto ou uma casa. Por que não fazer o mesmo com quem queremos nos envolver?", diz Alexandra. Ela deixou seu emprego numa empresa de marketing para abrir o Lulu. "É polêmico, mas ajuda as mulheres a tomar decisões melhores em sua vida amorosa."


Desde seu lançamento nos Estados Unidos, há nove meses, 1 milhão de americanas se cadastraram no Lulu. Seu principal público-alvo está nas universidades: uma em cada quatro universitárias americanas o usa. Foram feitos 250 milhões de avaliações, um terço delas de ex-namoradas. A nota média dos homens é 7,5. Há uma semana no ar no Brasil, a versão em português também faz sucesso. Recebera 5 milhões de visitas e 1 milhão de avaliações até a última quinta-feira, segundo o Lulu. É o aplicativo mais popular para o iPhone e o 7º na loja Play Store, do Google. Houve tanta procura que o site da empresa Lulu chegou a sair do ar em alguns momentos.

Quem, afinal, está usando? A estudante Júlia Capassi, de 20 anos, deu notas para 15 amigos no Lulu. A maioria das avaliações foi positiva. É um comportamento comum: os americanos perceberam que a mulher tem usado o Lulu mais para elogiar do que para criticar. Na única avaliação negativa, Júlia aplicou sem dó a hashtag #FaltaUmAvisodePerigo. "É a mais pura verdade", diz Júlia. Ela acredita que o Lulu é uma oportunidade de mulheres fazerem no aplicativo o que homens fazem (informalmente e em pequenos grupos) há séculos, impunemente. Ela diz também não levar o programa muito a sério. Não desistiria de sair com alguém pelo que está escrito ali. "Mas confesso que daria uma olhada." A engenheira Carolina Miralha, de 32 anos, baixou o Lulu para saber o que outras mulheres pensavam sobre homens com quem saíra. Avaliou três deles. "Deixei meus principais relacionamentos de fora, porque achei que seria entregar o ouro ao bandido", diz Carolina. "Muitas mulheres devem estar com raiva ou dor de cotovelo, porque vi caras legais com avaliações ruins."

O Lulu pode se tornar uma opção para se vingar. As mulheres cujas s imagens íntimas foram expostas por ex-parceiros como forma de revanche podem achar natural dar o troco pelo Lulu. Alexandra, criadora do aplicativo, afirma que o programa não foi feito para isso. "Não se trata de vingança, mas de compartilhar o que você sabe", afirma. "Não dá para escrever o que se quer. Não queremos incentivar comentários maldosos ou depreciativos."

Boa parte dos homens não tem gostado da brincadeira. Há duas semanas, o publicitário Vinícius Bianezzi, de 23 anos, recebeu no celular uma imagem de seu perfil. A foto vinha com a nota 7,4 e hashtags como #NãoÉLegalComMeus Amigos e #MaisBaratoQuePãoNaChapa. "Não fiquei ofendido, mas as expressões não condiziam comigo", diz. "Dizem que é uma forma de igualar os sexos, mas isso nivela por baixo. Não é preciso repetir os erros masculinos." O Lulu usa automaticamente o perfil de qualquer homem que esteja no Facebook, sem que ele tenha dado consentimento de modo explícito, embora dê opção para que ele apague seu perfil por meio do site. Bianezzi não usará o recurso: "Não vale a pena o esforço. Não demora para a febre morrer".

O estudante Felippo Scolari não pensa da mesma forma. Ele não gostou de ver seu perfil associado às hashtags #NãoQuerNadaComNada e #NãoLigaNoDiaSeguinte. Tentou tirá-lo do ar. Diz que recebe mensagens que negam a exclusão e afirmam que ela deve ser aprovada pelo Facebook. Por isso, entrou na Justiça para exigir exclusão e indenização. "Fiquei revoltado quando vi informações íntimas expostas num aplicativo que jamais baixei", diz Scolari. "Isso só aumenta o bullying virtual e, pior, de maneira anônima." O juiz rejeitou seu pedido, sob o argumento de que há uma forma de excluir perfis. Scolari pretende recorrer, com provas de que a ferramenta não funciona em seu caso. Os representantes do Lulu disseram a ÉPOCA que respeitam a legislação brasileira e desconhecem o processo.

É recorrente entre os homens a reclamação de que eles não optaram por fazer parte do aplicativo. Do ponto de vista jurídico, isso é falso. Nos quilométricos termos de uso que assinam ao entrar no Facebook, está previsto que os usuários autorizam que aplicativos usem seu nome, foto e lista de contatos. Quando uma mulher usa o Lulu, seus amigos homens no Facebook entram automaticamente no aplicativo. "Mesmo controlando a privacidade de seu perfil, os usuários não se blindam contra usos inconvenientes de seus dados", diz Raquel Recuero, pesquisadora de mídias sociais da Universidade Católica de Pelotas."Isso mexe com nossa reputação. O que é dito nas redes sociais afeta nossa vida."

Há mudanças sérias quando o antigo hábito de dividir detalhes de nossos relacionamentos vai para a internet. O que acontecia de forma íntima vira público, fica registrado e pode extrapolar a rede de amigos original. Muitas imagens de perfis do Lulu têm circulado por programas de mensagens instantâneas. Nada impede que sejam publicadas em sites. "A privacidade é um direito básico. Divulgar informações sobre sua performance sexual assim fere esse direito", diz Isabela Guimarães, do escritório de Direito Digital Patrícia Peck Pinheiro. "Comentar sobre a vida sexual no bar é uma coisa. Outra coisa é fazer isso na internet, onde fica tudo documentado. Ganha uma proporção mundial." Existe outro problema: a ilusão do anonimato conferida pelo ambiente digital. Se não são obrigadas a revelar sua identidade, mulheres e homens podem fazer comentários pesados e ofendem sem pensar duas vezes. "Sem olho no olho, o indivíduo não pensa na consequência", diz Ana Luiza Mano, do Núcleo de Pesquisa em Psicologia e Informática da PUC-SP. É bom lembrar, também, que o anonimato não é real. As empresas digitais armazenam informações que podem levar ao autor de um comentário difamatório.

A exposição de informações pes­soais sempre ameaçou as redes sociais. O Facebook começou quando Mark Zuckerberg roubou da rede da Universidade Harvard fotos e dados de alunas e montou um site em que era possível compará-las e dizer qual era mais bonita. Uma década depois, estamos às voltas com as mesmas questões práticas. Quem hoje comemora o Lulu como uma ferramenta que dá poder às mulheres deveria imaginar a situação com papéis trocados. Como veriam um aplicativo em que homens avaliam anonimamente as mulheres? Provavelmente, seria tachado como machista e soterrado por críticas. Como o Lulu é para mulheres, alguns podem achá-lo inofensivo. Não é. "Ainda estamos descobrindo como a tecnologia propicia novas formas de discutir nossos relacionamentos", diz o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Carlos Affonso de Souza. "Vale nos questionarmos sobre como nossos dados são usados nas redes sociais." Na próxima semana será lançado um aplicativo chamado Tubby, que permite aos homens avaliar mulheres. A discussão continuará, assim como a baixaria.
 
Revista Época

2 comentários:

  1. Meu deus o pessoal de hoje em dia não tem mais oque inventar só querem difamar os outros ...

    Matheus Tavares

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  2. Não esperava que esse aplicativo geraria tantos problemas... No meu ponto de vista o problema principal dele é sem dúvida o fato das mulheres poderem criticar os homens sem a autorização dos mesmos, uma vez que eles não querem participar da brincadeira.

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