quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Te Contei, ´não ? - Babel fluminense a reboque do petróleo

 

  • Macaé abriga 20 mil estrangeiros atraídos pela indústria, que já representam 10% da população total
 
 
Natanael Samasceno
 
 

O novo e o antigo. Na foz do Rio Macaé, uma lancha desembarca trabalhadores de uma das dezenas de plataformas de petróleo nas quais trabalham boa parte dos estrangeiros que se estabeleceram na cidade nos últimos anos
Foto: Fotos de Gustavo Miranda
O novo e o antigo. Na foz do Rio Macaé, uma lancha desembarca trabalhadores de uma das dezenas de plataformas de petróleo nas quais trabalham boa parte dos estrangeiros que se estabeleceram na cidade nos últimos anos Fotos de Gustavo Miranda
RIO - Macaé ainda guarda ares de balneário, apesar de aparecer em quarto lugar no ranking das cidades com maior PIB no estado e de ser o quarto município com maior participação no ranking industrial fluminense. Mas o ar pacato esconde uma verdadeira Babel do Norte Fluminense, alimentada pela crescente indústria petrolífera, que agora ainda conta com o atrativo do pré-sal. Macaé é o lar de mais de 20 mil estrangeiros, o que representa 10% da população do município — um cálculo feito pela prefeitura da cidade, com base em dados da Polícia Federal.
 
O resultado dessa invasão — que começou em 1978, com a chegada da Petrobras, e se intensificou depois de 1999, quando o monopólio estatal do petróleo acabou e o setor foi aberto às empresas privadas — pode ser visto nas ruas da cidade. O município serve de base operacional de várias empresas petrolíferas. Em todos os cantos de Macaé, que se transformou por decreto na capital nacional do petróleo, há referências ao setor: dezenas de navios fundeados em frente à foz do Rio Macaé; escritórios de grandes petrolíferas; filiais de redes de hotéis de luxo, como Sheraton e Blue Tree; um aeroporto que opera 24 horas e, segundo a Infraero, movimenta 60 mil pousos e decolagens e recebe 450 mil passageiros anualmente; e mais de 20 cursos de idiomas. Mas é em algumas áreas eleitas por essa legião estrangeira, como os bairros Cavaleiros e Cancela Preta, ou o condomínio Vivendas da Lagoa, na Praia do Pecado, que a presença dos gringos é mais evidente. Em casas espaçosas ou condomínios fechados, eles tentam viver longe dos problemas que surgiram com o crescimento da cidade, como a falta de saneamento e os engarrafamentos.
‘Não tenho do que me queixar’
A maioria dos estrangeiros circula pouco pela cidade e foge nos fins de semana. Boa parte deles trabalha embarcada nas plataformas de exploração. E os que ficam circulam nas áreas mais nobres ou se reúnem com a ajuda das redes sociais. Grupos como o “Expats in Macaé Brazil” (“Estrangeiros em Macaé”), que reúne 632 membros no Facebook, servem de fórum para compartilhar experiências.
A venezuelana Mariela Aramburu, por exemplo, é uma das participantes desse grupo. Casada com um peruano que trabalha para uma empresa de serviços submarinos, estabeleceu-se com o marido e as três filhas há um ano em Macaé. Adaptou-se bem à cidade, que considera linda, e diz que adora caminhar no calçadão da Praia do Pecado, como boa parte dos amigos estrangeiros. Conta que eles, além de ir ao shopping e aos restaurantes da cidade, gostam mesmo é de se encontrar em casa. Mariela, no entanto, ressente-se de não poder trabalhar no país. Profissional de recursos humanos, deixou o emprego em Houston, no Texas, quando o marido foi transferido. E, como a maioria das mulheres que acompanham os maridos, não conseguiu visto de trabalho no Brasil. Por isso, ocupa os dias com aulas de português, pintura e dança, ou com a associação de pais da escola das filhas. Reclama da legislação que não a deixa trabalhar, mas reconhece:
— Não tenho vocação para madame, mas não tenho do que me queixar. O Brasil é uma economia vibrante e, se você tem um bom emprego, uma casa como a nossa, um carro, não pode reclamar. Onde em Houston minha filha poderia ter aulas de surfe e teríamos uma qualidade de vida como a que temos aqui? Alguns colegas reclamam da violência da cidade, mas não concordo com o alarde. Em outros países, como a Venezuela, pode ser pior — diz Mariela.
Salome Stribley, nascida no Sri Lanka e casada com um executivo inglês, descobriu que, além dos encontros com seus pares, poderia ocupar seu tempo com trabalho voluntário. Ela vai duas vezes por semana à Favela das Malvinas, uma das mais pobres da cidade, para ensinar aos moradores o que aprende nas aulas de pintura e artesanato com a artista plástica Beatriz Mignoni.
— É uma forma de estreitar os laços com a cidade que me acolheu — diz Salome, que não fala português e conta com a ajuda da artista plástica para se comunicar com os macaenses.
Beatriz, que dá aulas há 15 anos, conta que o número de alunos estrangeiros que a procuram vem crescendo. Diz ainda que a comunicação ainda é o maior problema entre os estrangeiros.
— Já tive alunos alemães, noruegueses, chineses, indianos, franceses, canadenses e até neozelandeses. A maior dificuldade deles é sempre a comunicação. Em geral, eles buscam professores de português, mas quando começam a se adaptar são transferidos de novo — conta Beatriz.
Cidade sem infraestrutura
Um exemplo do que diz a artista é o da texana Cynthia Powell. No país há seis meses, tem aulas de português, mas com frequência recorre aos gestos para se comunicar com o treinador de cavalos Carlos Polidoro, com quem treina diariamente. Diz que gosta daqui, mas que em breve deve voltar ao seu país. Esposa de um escocês que trabalha numa empresa de perfuração, ela conta que não fica muito na cidade: nos fins de semana, vai para Búzios, onde pratica vela, ou para outras cidades no interior.
Sua amiga, a californiana Francesca McNally, que chegou à cidade em 2009 para dirigir a filial macaense da Escola Americana do Rio, explica o porquê:
— A cidade é linda, mas não tem infraestrutura. Não há médicos particulares, não há supermercado. A cidade cresce rápido, mas não oferece muitas opções. Temos restaurantes, shopping com cinema e teatro, mas a maioria dos estrangeiros que vive em Macaé faz mais ou menos a mesma coisa: passa a semana aqui e viaja nos fins de semana.
Ela é testemunha da transformação que a indústria petrolífera promove na cidade. Francesca chegou a Macaé para organizar uma turma de 23 alunos da pré-escola. Hoje comanda uma estrutura para mais de cem alunos e conta que a Escola Americana comprou um terreno no loteamento Alphaville, na vizinha Rio das Ostras, para abrir, em agosto de 2015, uma unidade para 350 alunos.
E confirma que, apesar dos percalços, o número de estrangeiros na cidade continua crescendo.
— Ouvimos que a atividade está diminuindo, mas a procura por uma vaga aqui continua crescendo. Hoje temos uma fila de espera. Por isso decidimos expandir — explica Francesca.
Em seu primeiro mandato como prefeito da cidade, Aluízio dos Santos Júnior (PV) diz que Macaé deve muito à indústria e aos estrangeiros trazidos por ela. E afirma que, apesar do grande passivo, está buscando transformar o município para deixá-lo mais adequado e agradável tanto para os estrangeiros quanto para os macaenses. Um esforço que pode ser visto em canteiros de obras e nas máquinas presentes em várias partes da cidade.
— A cidade cresceu muito, num ritmo de 5% ao ano. Na última década, esse crescimento chegou a 56%, acrescentando ao município características e desafios de cidade grande. Estamos buscando estreitar o relacionamento com a indústria para planejar melhor esse crescimento daqui para frente.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/babel-fluminense-reboque-do-petroleo-10797752#ixzz2oaG54Dkx

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