domingo, 22 de dezembro de 2013

Entrevista - Rita Lee

 

  • Cantora lança ‘Storynhas’, livro que reúne textos seus publicados no Twitter e ilustrados por Laerte; ao GLOBO, ela compara controle de biografias a censura, critica José Dirceu e diz se considerar ‘alienada’

Rita Lee, autora de “Storynhas”: “Eu ia assistir a comício do Zé Dirceu querendo me enganar que lá estava um rockstar"
Foto: Divulgação/Renato Parada
Rita Lee, autora de “Storynhas”: “Eu ia assistir a comício do Zé Dirceu querendo me enganar que lá estava um rockstar" Divulgação/Renato Parada
RIO — Do encontro, quatro anos atrás, de Rita Lee com o Twitter nasceram historinhas sobre um rapaz avantajado, uma índia aprisionada por um caçador de talentos e um padre necropsicólogo, entre muitas das figuras estranhas que apareceram nos textos que a cantora publicava no microblog.
Já do encontro mais recente de Rita Lee com Laerte, aquelas historinhas se tornaram “Storynhas”, livro que a Companhia das Letras lança neste mês, reunindo os textos de Rita e as interpretações visuais feitas pelo cartunista.
Em entrevista por e-mail, a cantora explica o que representou para ela escrever no Twitter e comenta alguns de seus textos. Rita ainda critica José Dirceu e compara o debate sobre a proibição das biografias com a censura da ditadura. Ela só evitou a questão sobre sua prisão em Sergipe, no início do ano passado, depois de xingar policiais num show.
O que o Twitter representou para você?
O Twitter foi um amigo que contava histórias para mim e eu para ele, até que um belo dia decidimos seguir caminhos diferentes, cansamos um do outro e perdemos contato.
Como foi o trabalho com Laerte? Você acompanhou de perto a produção das ilustrações ou só as viu depois de prontas?
Para a minha surpresa, a Companhia das Letras mostrou interesse em lançar algumas daquelas “storynhas twittescas”. Como não gosto de rever/reouvir nada do que já fiz, dei minhas bênçãos, e, das 300 e poucas, o pessoal da editora selecionou 73. Só depois de ver as ilustrações geniais do Laerte é que eu realmente comecei a perceber que foi um casamento perfeito.
E como avalia o resultado dessa nova forma de expressão — Twitter e quadrinhos —, descoberta aos 65 anos?
Séculos atrás escrevi alguns livrinhos infantis, não sou tão nova no ramo.
No livro, você fala sobre a dupla mastectomia pela qual passou. Algumas mulheres falam que a mastectomia exige um período de adaptação, que geralmente é difícil. Você precisou desse período?
Isso já tem uns cinco anos... Várias mulheres da minha família tiveram câncer nos países femininos, mãe, irmãs, tias, primas, avós. Vi de perto como uma quimioterapia pode minar, vi remédios placebos ineficazes, vi médicos prometerem cura. Pensei: “Eu hein, rosa, não vou dormir com o inimigo, já para a guilhotina!”. Hoje está na moda mastectomia Angelina Jolie, prevenção é o nome. Aliás, nunca queimei sutiã porque nunca tive peito para usá-lo.
Num dos textos do livro, “Trupe tropi”, você parece fazer uma relação entre o conservadorismo do fim dos anos 1960 e o conservadorismo de hoje. Ou melhor, relaciona os revolucionários daquele tempo com os de hoje. A gente pode acreditar que, então, a rapaziada que vem ocupando as ruas brasileiras te representa? Os black blocs também?
Nem morta, querida! Me considero alienada e assim pretendo continuar, nunca subi num palanque, acompanho o que rola no mundo e não me sinto confortável dentro de nenhum rótulo moderninho, ninguém nem nada do que está aí me representa. Para você ter uma ideia, nos anos 1960/70 eu tomava ácido e ia assistir a comício do Zé Dirceu querendo me enganar que lá estava um rockstar. Passava o efeito e eu bocejava. Hoje bocejo sem o efeito.
No ano passado, você foi presa após um show ao xingar policiais. No livro, há momentos em que você fala da polícia. Pensando no que vem ocorrendo neste ano, você diria algumas palavras para a polícia?
(Rita deixou a resposta em branco)
Noutro texto, “In Rio”, você cita o episódio em que roubaram sua guitarra no Rock in Rio 1. E alfineta Roberto Medina, idealizador do evento. O que acha do Rock in Rio hoje, como vê a evolução do festival?
Sou persona non grata por aquelas bandas e bundas.
No livro há uma sequência de histórias que começa com “Decadenta” e termina com “Sing-out”, em que você fala de “Don Malufone”, “Lady Cafa” e “Dasloo”, nos três casos em tom crítico, em oposição ao que representa a “ex-cantora decadente”. Você se enxerga como oposto da opulência de Maluf, Lady Gaga e Daslu?
Não tenho distanciamento de mim mesma para me definir... As “storynhas” passavam pela minha cabeça e eu copidescava. Muitos dizem que tenho mediunidade.
Na apresentação do livro, você escreve sobre sua “futura autobiografia não autorizada”. Qual é a sua opinião acerca do debate sobre as biografias não autorizadas no Brasil? Você é a favor ou contra a liberação das biografias?
Meu coração estará sempre com Caetano e Gil, minha razão não. Tive trocentas músicas proibidas pela Falange da Dona Solange (referência a Solange Teixeira Hernandes, diretora da Divisão de Censura e Diversões Públicas do governo federal entre 1981 e 1984). Era humilhante comparecer com uma fitinha K7 e uma folha de papel com a letra da música e ouvir: “O que você quer dizer com a palavra ‘arco-íris’?”. Dããã... Não desejo isso a ninguém.
A última pergunta sempre é: e agora? O que vem por aí? Novo disco? Novo livro? Jurada de programa de TV para escolher o melhor cantor? Qual será seu próximo passo?
Meu amor, e quem sabe dizer o que possa vir a acontecer? É isso que faz da vida uma aventura.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/rita-lee-ninguem-nem-nada-do-que-esta-ai-me-representa-11073222#ixzz2oEhkcoXU

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