sábado, 21 de dezembro de 2013

Entrevista - Genésio Ferreira da Silva

 

  • Genésio Ferreira da Silva tinha apenas 13 anos quando testemunhou toda a trama do assassinato do líder seringueiro. Vinte cinco anos depois, decidiu escrever um livro de memórias
Chico Otavio
Genésio passou por situações difíceis após revelar a trama que matou Chico Mendes Foto: Gustavo Stephan / O Globo / 05-12-2013
Genésio passou por situações difíceis após revelar a trama que matou Chico Mendes Gustavo Stephan / O Globo / 05-12-2013
Como você foi morar na Fazenda Paraná, onde foi tramada a morte de Chico Mendes?
Quando uma das minhas irmãs, Natália, engravidou do Olocir Alves, um dos filhos de Darly Alves da Silva (assassino de Chico Mendes), minha mãe me mandou morar com eles para ajudar com a criança. Olocir era péssimo marido. Batia e judiava dela, uma estupidez só. Mais tarde, acabei assumindo outros serviços da fazenda, como entregar leite para as mulheres do Darly. Além da oficial, dona Natalina, ele tinha mais quatro. Como dona Natalina não gostava das outras, ameaçava me bater. Com o tempo, aprendi a bater veneno no mato e a tirar leite. Cheguei a receber dinheiro.
Você chegou a conviver com Darcy Alves, um dos filhos do fazendeiro e executor o crime?
Darcy era calmo, tranquilo, mas um dos mais violentos. Um dia, quando trabalhava no campo, ouvi um disparo. Levantei a cabeça e vi três pessoas correndo. Uma delas era o Darcy. Os outros dois eram jagunços. No dia seguinte, encontraram dois bolivianos mortos naquele local. E Darcy apareceu com um pacote com um pó branco na fazenda. Depois, o pacote sumiu.
E o chefe da família, Darly Alves?
Darly era sério, boa pessoa. Ele não parava em casa. Gostava de beber uma garrafada, que dizia ser remédio. Trocava de carro todo o ano. Só não gostava de conversinha com as suas mulheres. Certa vez, envolveram meu nome numa fofoca. Ele me chamou e disse que, com um menino como eu, não gastava nem uma bala. Jogava o carro em cima e dizia que foi acidente. Minha perna tremeu. Fiquei calado. Passei a só conversar o necessário.
Quando você percebeu que eles tramavam a morte de Chico Mendes?
Na época dos empates (confrontos entre fazendeiros e seringueiros), eles falavam muito na fazenda. A essa altura, eu já dormia na casa principal, num quarto ao lado da sala. Era um tal de entra e sai de gente, muitos carros. Ouvia Darly dizer que “aquele cara tinha de morrer”. Falava com raiva. Numa das reuniões, perguntou quem ia fazer o trabalho. Darcy respondeu que topava, mas se alguém o acompanhasse. Serginho disse que ia. Aí, marcaram o dia. O planejamento deve ter levado uns dois meses, Toda a tarde, Darcy ia à rua, provavelmente para pensar como faria o trabalho.
O que aconteceu no dia do crime?
Vi Darcy carregando a escopeta e entrando no carro. Mais tarde, de volta à fazenda, disse que o serviço estava pronto. Chegaram a matar uma novilha para comemorar, mas pai e filho não ficaram ali. Darly saiu para as redondezas. Darcy também desapareceu.
Como você virou testemunha chave?
Logo depois, quando fui à cidade vender um tatu, a polícia me pegou. Tinha apenas 13 anos, mas me botaram numa cela. Embora não estivesse preso, não podia sair. Me trataram bem, mas fiquei lá um mês até que a minha mãe me convenceu a contar o que sabia e encerrar o meu sofrimento. Daí para frente, minha vida nunca mais foi a mesma. Fui transferido para um quartel da PM em Rio Branco. Antes de me refugiar no Rio de Janeiro, acolhido pelo jornalista Zuenir Ventura, ainda passei por um quartel do Exército.
Você tentou uma vida nova?
No início, sim. Escondia meu passado. No Colégio Marista de Goiânia, onde estudei quatro anos, sempre dizia que era do interior do Pará. Mais tarde, em Cachoeira do Campo, Minas, me envolvi com uma funcionária do colégio e acabei expulso. Acabei desistindo dos estudos quando cursava a sétima série. Me entreguei ao álcool. Tinha de beber. Sem isso, perdia a coragem para tudo. O álcool me ajudava. Trocava de mulher quase toda a semana. Não pensava no futuro. Perdi tudo que recebi pelos direitos do filme (Amazônia em chamas, 1994).
E agora? Por que resolveu escrever um livro?
Nunca tive carinho da minha família. Nasci como um índio. Felicidade, nunca encontrei. Talvez por isso, sempre tive vontade de divulgar a minha história. É uma forma de desabafar. Nesses 25 anos, tive mais tristezas do que alegrias. Passei por muita humilhação. Agora, só quero é sossegar na vida.

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