domingo, 22 de dezembro de 2013

Te Contei, não ? - Um passei histórico por jardins e parques do Rio

 

De Norte a Sul, cidade acumula áreas de respiro projetadas por urbanistas ao longo dos séculos


Pista Cláudio Coutinho, na Praia Vermelha: único espaço público carioca que explora a relação do mar com a floresta
Foto: Agência O Globo / Márcia Foletto
Pista Cláudio Coutinho, na Praia Vermelha: único espaço público carioca que explora a relação do mar com a floresta Agência O Globo / Márcia Foletto
 

 
 
No Rio, cidade aberta, pode sair que a área externa é sua. Não bastasse ter nascido em meio à geografia peculiar, que concentra belezas entre o mar e a montanha, a cidade acumula, ao longo dos séculos, áreas de respiro projetadas por urbanistas em cantos que vão da primeira delas, o Passeio Público, no Centro, à mais recente, o Parque Madureira — que em fevereiro vai crescer, estendendo-se por Turiaçu, Oswaldo Cruz, Rocha Miranda, Bento Ribeiro, Honório Gurgel, Marechal Hermes, Coelho Neto e Guadalupe — na Zona Norte. Passear por essas praças, jardins e espaços públicos a céu aberto como o antigo Zoológico de Vila Isabel, a Praça Tiradentes, a Quinta da Boa Vista e a Pista Cláudio Coutinho é atravessar a história do Rio e do país.
— A cidade aberta ao mar ou a um grande rio tem a tendência de ser mais cosmopolita. Esta característica dá sensação de liberdade. O Rio foi ganhando a cara que tem em função de sua natureza — diz o historiador e arquiteto Nireu Cavalcanti, autor do artigo "Campo, rocio, largo, praça, passeio: espaços públicos na cidade do Rio de Janeiro".
 
— Ao pensar nessa particularidade do Rio, vem à mente o poeta gaúcho Mário Quintana. Ele observou que aqui só é possível descansar da paisagem nos túneis. Essa frase caracteriza bem a presença determinante da paisagem no cotidiano urbano da cidade. Uma paisagem que pode ser considerada de resistência face os embates do homem para nela instalar-se e construir um espaço para viver, muitas vezes transformando e até destruindo os valores cênicos — acrescenta a paisagista e professora do mestrado em arquitetura paisagística do Programa de Pós-Graduação e Urbanismo (Prourb) da UFRJ, Ana Rosa de Oliveira. — Os jardins e espaços públicos constituem legados coletivos, locais de pausa no interior de nossas tumultuadas metrópoles, de reencontro com a "natureza", com os demais e com nossa própria "humanidade". A recuperação e revalorização do jardim e do parque como espaço público e democrático é um desafio. Precisamos nos sensibilizar para os valores deles como elementos que estabelecem relações sociais, culturais, educativas, políticas e econômicas.
Em março deste ano, Ana Rosa ajudou a organizar o seminário internacional “Os jardins fazem a cidade” — promovido pela Aliança Francesa do Rio de Janeiro, Delegação Geral da Aliança Francesa no Brasil, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Prourb-UFRJ, Consulado-Geral da França no Rio de Janeiro e Instituto Francês, com o patrocínio da Fundação Total e da empresa E&P do Brasil — , no Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico, para discutir a importância dos jardins e da paisagem como patrimônio coletivo da cidade. O aspecto brasileiro foi abordado em estudos sobre o Parque Madureira (projeto do arquiteto e urbanista Ruy Rezende), o Parque do Flamengo e o Jardim Botânico do Rio. A arquiteta e especialista em análise urbana Mônica Rocio Neves, que também participou da discussão, chama a atenção para o fato de nem sempre os cariocas poderem “exercer o direito ao espaço público” por problemas como segurança e má conservação.
— Você não vê uma pessoa sentada na Praça XV, por exemplo. Embora em praças como a Santos Dumont, na Gávea, isso ainda aconteça. Então, em muitos casos você tem o espaço público, mas acaba não tendo o direito a ele — diz Mônica, que é de Minas Gerais e percebe a diferença de comportamento por aqui. — É da natureza do homem ter os espaços de vida coletiva. Como dizia (a filósofa alemã) Hannnah Arendt, ele é como uma mesa, ao redor da qual as pessoas se reúnem: se você a tira do lugar, todo mundo fica perdido. É um espaço democrático, natural das urbes, desde a Grécia. O mineiro, por exemplo, é mais caseiro. Já no Rio, a cidade é mais utilizada, tanto pelo clima quanto pela oferta de locais abertos. As pessoas vão se apropriando dos espaços e, quando você se dá conta, vem a urbanização. É assim desde o Campo de Santana, que surgiu como um lugar de passagem.
Ainda segundo ela, os traçados desses espaços revelam um pouco da história do Rio:
— Cada um mostra uma maneira de pensar. O Parque do Flamengo, por exemplo, hoje não seria feito porque é um aterro. Este é um exemplo de como o homem pode modificar a natureza. E um casamento bonito entre a natureza e a cidade.
Foram os aterros, inclusive, que ajudaram a moldar o Rio, que, por seus muitos rios e canais, poderia ter se transformado em uma Amsterdã, lembra Nireu. Mas a opção foi embuti-los. E começaram os aterros de rios e mangues, a partir da política de desbastar morros:
— O governador Vahia Monteiro (1723), chegou a sugerir, como solução militar, que fosse feito um canal ligando a Lagoa do Boqueirão e o Campo de Santana para proteger a cidade de ataques inimigos, em vez de muros. Isso também poderia ajudar a resolver os problemas de escoamento da água das chuvas, tornando-se a primeira proposta urbanística coerente para a cidade. Mas a lagoa acabou sendo aterrada (com parte do Morro de Santa Teresa) para virar o Passeio Público, o que determinou o futuro da cidade e muitos dos problemas de enchentes que vivemos hoje. Por outro lado, ganhamos os espaços que avançam sobre a Baía de Guanabara, como o Aterro e o Porto. Vale lembrar que o Passeio Público é a primeira proposta urbanística de valorização da cidade. Ele foi concebido para que se apreciasse as belezas da Baia de Guanabara.
Ainda segundo o historiador, é no Passeio Público que se vê pela primeira vez uma praça com árvores e monumentos. Afinal, naquela época as praças eram áridas e não tinham estátuas, pois era proibida a representação de qualquer personalidade do Brasil Colônia. Quando o vice-rei dom Luís de Vasconcelos e Souza tomou posse, em 1779, alugou uma chácara e resolveu fazer um por conta própria um passeio no terreno em frente. Contratou Mestre Valentim para projetar o primeiro conjunto arquitetônico paisagístico da cidade, a ser construído com a intenção de "formosear" e gerar nova centralidade. "Foi um empreendimento ousado, por não contar Luís de Vasconcelos com recursos nos cofres do Estado, e não ter Valentim experiência em empreendimentos deste porte. Para contornar a carência de recursos financeiros e de mão de obra para a realização das obras idealizadas, ele estabeleceu normas proibindo os senhores de escravos de executarem pessoalmente o castigo sobre eles. Obrigava-os a encaminharem os escravos infratores ao Calabouço para lá serem castigados por quem designado pela autoridade competente. Os senhores, então, pagavam o serviço em função do grau de punição, como o número de chibatadas, por exemplo. Esses recursos acumulados eram aplicados nas obras públicas. Com relação à mão de obra, o vice-rei buscou-a entre os presos de galés (condenados a trabalho forçado) e escravos cedidos gratuitamente por seus senhores, como forma de contribuir para a obra", relata Nireu, em seu artigo.
— O vice-rei morava perto do passeio público de Lisboa e, ao vir para o Rio, sentiu falta de algo parecido aqui. Era uma reclamação geral. Os passeios eram o grande charme do século XVIII — lembra o historiador. — Antes, quem abria as ruas eram os proprietários dos lotes. Não havia preocupação com a cidade.
Começam a surgir ainda nos anos 1700 propostas de arborizar ruas, alargá-las, o que só acontece mesmo no século XIX. E o melhor exemplo disso é o bairro de Vila Isabel, um marco urbanístico da cidade, segundo Nireu, porque foi criado a partir de um projeto de Francisco Bitencourt da Silva. O bairro já nasceu arborizado e com infraestrutura: com praça, parque (que se tornou o primeiro zoológico da cidade), a primeira avenida com canteiro central e com transporte público, o bonde.
— O século XIX tem esta importância para a cidade: deu cara à ela. São dessa época a criação do Departamento de Paisagismo, que leva formação técnica ao poder público, e a urbanização da Praça Tiradentes, feita inicialmente pelo engenheiro José Antônio da Fonseca Lessa, que lhe deu características do paisagismo inglês. Ele fez também estudos para o Campo de Santana, que acabou sendo projetado por Auguste François Marie Glaziou, que foi contratado pela Família Real e fez também a Quinta da Boavista. Já no século XX, é a vez de outra grande obra, que marca a cidade: o Parque do Flamengo. Surgem também as praças do subúrbio, como as do Méier, de Santa Cruz e de Campo Grande. Afinal, a cidade vai crescendo, e as pessoas querem suas praças e parques. E a pista Cláudio Coutinho, único espaço público que tem relação direta do mar com a floresta. Ali é o Rio de Janeiro — continua ele. — Mais recentemente, surgem iniciativas como o Piscinão de Ramos, que adorei. Tem a concepção de um parque, só que aquático. Agora, há o Parque de Madureira também. Temos que aplaudi-lo.
Aplausos em praça pública.


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