Não há nada que possa ser tão abominável quanto o racismo
Rio - Não há nada que possa ser tão abominável quanto o racismo. O preconceito, qualquer um, transforma o ser humano em pigmeu. E quando me refiro a preconceito, quero explicitar ao menos mais dois, o social (contra os pobres) e o sexual (contra as minorias homoafetivas).
Quanto ao racismo, bem, contra o racismo num país miscigênico como o nosso, as coisas mudam ainda mais de figura. A palavra que encontro para definir racismo é aberração. Depois de três séculos de escravidão — a mancha medonha que macula o país até hoje —, torna-se urgente varrer das consciências de todos os brasileiros quaisquer resquícios existentes. As bananas atiradas a jogadores negros em vários estádios de futebol são indícios cruéis de quão latente ainda está o horror. Toda essa já alongada (e apaixonada) introdução serve a um motivo específico: homenagear o centenário de Abdias do Nascimento, que dura todo este ano de 2014.
Um conjunto de predicados e de excelências superlativos fez de Abdias um desses brasileiros a ser honrados sempre. Exemplo de militante, soldado tranquilo mas veemente, orgulho de sua raça (e de todas as outras), Abdias foi um desbravador de consciências. Filho de costureira com sapateiro, ele era um em vários: pintor, escritor, jornalista, poeta, ator, deputado e senador. Acima de tudo, um precursor que lutou contra o mito da democracia racial no Brasil. Abdias, em harmônica delicadeza, combinou traços de Malcon X, Martin Luther King e Nelson Mandela.
Combatente pela justiça e pela igualdade universal entre humanos, disse certa vez a meu amigo Abdias do Nascimento, quando lhe abri as portas do Museu da Imagem e do Som para uma rara exposição de suas pinturas: “Você é o nosso Zumbi de hoje.” Ao que ele retrucou: “Todos nós, negros, devíamos ser Zumbis, sim, coletivos, multiplicados, conscientes.” Dedico esta crônica a Joaquim Barbosa, hoje e sempre.
Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cultural Cravo Albin
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