segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Aconteceu, no LITERATIVO apareceu - O jeito é rezar para não cair




Com o desabamento de três edifícios de mais de 70 anos, no centro do Rio, o Brasil depara com a falta de controle sobre a estrutura de prédios antigos 

MARCELO MOURA E NELITO FERNANDES COM FELIPE PONTES, HUDSON CORRÊA E HUMBERTO MAIA JUNIOR - Revista Época  de 30 de janeiro de 2012.



Os edifícios de número 38, 40 e 44 da Avenida 13 de Maio, no centro do Rio de Janeiro, viraram cinzas em menos de dois minutos. As causas que levaram esses três prédios a desmoronar, na noite da última quarta-feira, deixando pelo menos 11 mortos, serão investigadas pela Polícia Civil nas próximas quatro semanas. Não é preciso, porém, esperar pelo relatório final para registrar o fato que paira acima de falhas e fatalidades individuais: os edifícios que desabaram estavam em paz com a lei municipal. Isso diz muito sobre o fracasso das prefeituras de todo o país em zelar pela segurança de suas construções, especialmente as mais antigas. 
O mais recente e mais alto dos três prédios a desabar na quarta-feira, o edifício Liberdade, fora inaugurado em 1940. Tinha mais de 70 anos, mas era tratado pela prefeitura como um jovem sadio, sem nenhuma atenção especial à ação do tempo sobre a integridade de sua estrutura ou à acomodação do solo. A Constituição de 1988 delegou aos municípios o poder de elaborar e fiscalizar regras de construção e conservação de edifícios. O Rio de Janeiro, primeira metrópole nacional, não criou leis específicas de fiscalização para prédios antigos. Regula apenas as marquises – decisão tomada em 2007, depois que duas pessoas foram mortas pela queda de uma dessas estruturas. Desde então, elas precisam ser avaliadas por um engenheiro a cada três anos. 
Conforme as cidades envelhecem, a negligência pode ganhar consequências trágicas. “O risco de desabamento aumenta muito com o passar dos anos”, afirma Joel Krüger, presidente do Conselho Regional de Engenharia (Crea) do Paraná. Isso tende a acontecer no Brasil, cujo processo de urbanização se acelerou na década de 1960. Luiz Alcides Capoani, presidente do Crea-RS, defende a inspeção periódica obrigatória dos edifícios. É como ocorre na Europa, onde prédios com mais de 100 anos são moradia corriqueira. “O ideal seria fiscalizar os prédios a cada três anos, a partir dos 15 anos de idade, e tornar a vistoria anual a partir dos 30 anos”, diz Capoani. “É muito barato. É um trabalho que não deveria custar mais do que R$ 40 para cada morador.” Infelizmente, no Brasil tais iniciativas só costumam surgir depois de alguma tragédia. Capão da Canoa, uma cidade do litoral gaúcho, adotou a vistoria predial proposta pelo Crea-RS em 2009, depois de um prédio cair. “A lei de Capão da Canoa já salvou vidas”, diz Capoani. “Um fiscal encontrou uma viga com ferragens expostas, disfarçadas com uma placa de madeira, e interditou o edifício.” O Rio fiscaliza as marquises desde que uma desabou e matou pessoas. Quanto aos prédios, nada faz " 
Ao fechar os olhos para as obras de reforma, o poder municipal desestimula os moradores a se preocupar com o assunto. O resultado é a realização de obras sem cuidados técnicos, em que proprietários fazem o que lhes dá na telha. Uma dessas obras é suspeita de ter causado o colapso da estrutura dos prédios no centro do Rio. Sua existência é conhecida graças ao depoimento de pessoas que trabalhavam no prédio. A administração municipal não sabia, nem fazia questão de saber. Segundo o Plano Diretor da cidade, obras de modificação interna não dependem de licença da prefeitura. “É uma irresponsabilidade”, afirma Cláudio Bernardes, presidente do Sindicato da Construção Civil (Secovi) de São Paulo. “Mudar uma parede pode desequilibrar um prédio inteiro.”A reforma no edifício carioca não tinha a licença emitida pelo Crea-RJ e, portanto, estava irregular. Mas infringir uma norma do Crea é considerado infração leve. O órgão de en-genharia apenas fiscaliza se há um engenheiro responsável. Se não houver, a multa do Crea-RJ é de até R$ 4.500. Antes de ser multado, o infrator recebe uma advertência e tem dez dias para encontrar um engenheiro, regularizar a obra e escapar da punição. “É crime um leigo se passar por médico, mas um leigo fazer obras de engenharia é a-penas contravenção”, afirma Jobson Andrade, presidente do Crea-MG. 

A rigor, a fiscalização das obras feitas dentro de um prédio e a avaliação de seu estado de conservação ficam a cargo do síndico. “Em geral, síndicos não têm especialização em construção civil”, diz Álvaro Sardinha Neto, engenheiro especialista em perícia. Além de leigo, o síndico não possui informações suficientes. “Ao comprar um carro, você recebe um manual com instruções de manutenção. Os condomínios agem de forma reativa e podem não perceber problemas a tempo”, diz Mauricio Ehrlich, professor de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 
País tão jovem quanto o Brasil, os Estados Unidos estão se adaptando ao envelhecimento de seus edifícios. Em novembro, o presidente Barack Obama pediu ao Congresso a liberação de mais US$ 60 bilhões para a conservação de construções públicas – dinheiro bem gasto, quando se pensa nos custos humanos e financeiros de uma tragédia como a do Rio. Se depender do empenho das autoridades brasileiras, a tragédia tende a se repetir.


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