Autor de ‘A geração superficial’, escritor americano diz que internet estimula ‘uma forma primitiva’ de leitura.
A ansiedade que vivemos hoje sobre os efeitos da internet sobre nossa cognição não é nova. Essa parece ser uma marca de toda grande transformação das tecnologias de informação, ao menos desde o livro impresso (que muitos na época temiam ser uma forma de “diluição” do conhecimento).
Como a situação atual se distingue das mudanças tecnológicas do passado?
NICHOLAS CARR: Toda nova tecnologia importante, se passa a ser amplamente usada, gera tanto euforia quanto ansiedade. Mas o caso da internet é diferente de todos os anteriores, no escopo e na intensidade de seu uso. É a primeira tecnologia de mídia que as pessoas podem carregar o dia todo, usando-a no trabalho, na vida social, para entretenimento e comunicação. Também é a primeira tecnologia de mídia interativa que transmite textos, imagens, sons e filmes, além de rodar softwares e aplicativos. Isso é algo novo no mundo — uma tecnologia que está constantemente influenciando a maneira como pensamos e nos comunicamos. Por isso, precisamos olhar criticamente para essa tecnologia e perguntar: como ela influencia nossos hábitos mentais? Muitas pesquisas sobre mídias digitais mostram que nosso uso da internet tende a nos colocar em um estado de distração perpétua, bombardeado por interrupções constantes. Isso faz com que tenhamos mais dificuldade para nos engajar em pensamentos contemplativos e reflexivos e também para armazenar memórias ricas e ter insights conceituais profundos. Há muitas qualidades na internet — por isso a usamos tanto — mas acredito que ela nos transforma em pensadores mais superficiais.
Você argumenta que, enquanto o livro impresso originou uma evolução nos hábitos de leitura (da leitura em voz alta para a silenciosa, mais reflexiva), a internet favorece “uma forma mais primitiva de leitura”. Por quê?
A leitura não é uma habilidade nata nos humanos, como a fala, por exemplo. Temos que aprender a ler, e por isso as ferramentas que usamos para ler vão influenciar a qualidade de nossa leitura. O livro impresso, como tecnologia, nos protege de distrações e foca nossa atenção nas palavras do autor, no argumento ou na história. Estimulando a atenção e a calma, a página impressa encoraja uma forma mais profunda de leitura, na qual somos capazes de usar o máximo de nossa imaginação e nossa habilidade interpretativa para compreender o texto. A tela do computador não tem a calma da página impressa. As palavras do autor são forçadas a competir com outros estímulos que chegam através do computador. O leitor distraído não lê com profundidade; ele passa os olhos no texto, lê na diagonal. A leitura se torna um simples ato de decodificação, em vez de um sofisticado ato de interpretação e imaginação.
Como essa mudança nos hábitos de leitura pode influenciar a fruição da literatura?
Com o tempo, a forma como as pessoas leem vai influenciar a forma como escrevem. Acredito que a chegada do livro impresso, criando um grupo muito mais amplo de leitores atentos, encorajou os autores a expandir as fronteiras da literatura, a experimentar novas formas e gêneros, por exemplo. Se a internet e os livros eletrônicos encorajam a leitura distraída, os autores não serão mais capazes de assumir que escrevem para leitores atentos, profundos. Por consequência, acredito que teremos menos experimentação, menos complexidade, menos aventura na escrita. A grande literatura exige não apenas escritores talentosos, mas leitores atentos.
Em um artigo recente, você diz que as editoras deviam distribuir e-books de graça. Por quê?
Sugeri isso como uma estratégia de mercado para as editoras. Muitas pessoas com Kindles, Nooks e iPads podem querer comprar o livro impresso, mas vão preferir o e-book para suas máquinas. Se as editoras dessem um exemplar eletrônico junto com o exemplar impresso, isso encorajaria as pessoas a comprar mais livros impressos. Essa estratégia também combateria a Amazon, que, na minha opinião, está ganhando muito poder no mercado editorial.
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