A cena clássica da paquera: a mocinha deixa cair o lenço, o cavalheiro o apanha e o devolve. As meninas de hoje talvez nem a conheçam, se até o lencinho de pano desapareceu. Já era uma brincadeira antiquada no meu tempo de criança. Nunca cheguei a saber se um dia foi, de verdade, um costume. Será que nossas avós usavam mesmo desse recurso para fazer charme?
A ficção brinca com inúmeras variações sobre o tema: há mil objetos que podem ser perdidos um chapéu, uma sombrinha, um sapato (de cristal!) e sempre um varão solícito para trazê-los de volta. Eu às vezes me surpreendo com análises sociológicas ou psicanalíticas de contos de fada ou clássicos da literatura; não vou me aventurar nesse terreno. Mas algumas leituras são óbvias demais: as mocinhas, frágeis e indefesas, não hesitam em pedir ajuda (ou em se deixar ajudar), mesmo que a tarefa não seja assim tão difícil. Os mocinhos as socorrem, mas não abusam da superioridade, ao contrário: colocam-se em posição humilde, quase como serviçais, e não propriamente heróis. Cada um desempenha seu papel, todos ficam felizes. Para sempre.
Na vida real, as mocinhas têm motivos para não querer se parecer com as heroínas de outrora. Não vão se fazer de impotentes para satisfazer o impulso protetor do mocinho, muito menos elegê-lo o objetivo principal de sua história. E os mocinhos também não vêem muita graça em ajudar quando nem ao menos são necessários para valer. Se quiser ajuda, peça!, diriam. Eu já me vi várias vezes precisando de ajuda de verdade, ansiando por braços extras para ajudar a carregar coisas bem mais pesadas que um lencinho e esperando que alguém adivinhasse o que eu queria. Que viesse perguntar você está precisando de alguma coisa? ou que dividisse a tarefa comigo sem dizer nada. Sem insinuar que eu era fraca por não conseguir sozinha ou bancar o fortão pra cima de mim.
Ou seja, várias vezes, por orgulho, uma noção besta de independência ou uma expectativa irreal que as pessoas ajam como eu acho que devem agir e leiam meu pensamento eu fiquei sem ajuda. Levei as filhas pequenas para eventos chatos em vez de pedir a alguém que ficasse com elas; acumulei tarefas que podia ter dividido com outras pessoas; dormi pouco, pulei uma refeição, andei muitas léguas porque não dei um telefonema para perguntar amanhã você pode ir no meu lugar?.
Às vezes me dou conta na hora que estou sendo ou tentando ser auto-suficiente demais. Além de não querer dar sinais de fraqueza, percebo outro obstáculo: tenho medo de uma possível resposta negativa, então nem pergunto. Pedir ajuda já é difícil; lidar com uma recusa pode ser duplamente humilhante.
Claro que não tem humilhação. Em primeiro lugar, precisar de uma força não transforma ninguém em personagem antiquada. Segundo: se a ajuda pedida não vier, é desagradável, é frustrante, mas é melhor arriscar do que nem tentar! É incrível que a gente possa aprender mil e uma coisas difíceis e desaprenda o básico: falar, perguntar, pedir. Reconhecendo que não sei, talvez eu aprenda outra vez.
Soninha Francine ao menos já se rendeu à ajuda profissional: um bike courier pode fazer maravilhas pelo seu dia. almafeminina@abril.com.br
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