sábado, 25 de fevereiro de 2012

Te Contei, não ? - HORA DE COLOCAR A NOVA ORTOGRAFIA EM PRÁTICA - Jornal O Globo




Marcelle Ribeiro 
- marcelle@sp.oglobo.com.br 

SÃO PAULO. No último ano de adaptação ao Acordo Ortográfico no Brasil, professores afirmam que neste ano letivo vão cobrar mais o uso das novas normas pelos alunos. Muitos professores reclamam que não receberam treinamento ou orientações das secretarias de Educação sobre a nova ortografia, que ainda provoca muitas dúvidas nas salas de aula. E ainda há algumas escolas usando livros não adaptados às novas regras, em casos considerados excepcionais. 

Em 1990, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe assinaram o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas ele só passou a valer no Brasil depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o promulgou, em setembro de 2008. Ficou estabelecido um período de transição de 1 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, com o convívio das duas normas no país. A partir de 1 de janeiro de 2013, as novas regras passam a ser obrigatórias. 


O acordo alterou 0,5% das palavras do vocabulário comum do brasileiro, menos que em Portugal, que teve 1,6% das palavras atingidas. 

Professores de várias regiões do país afirmam que, desde que o acordo passou a vigorar, eles passaram a ensinar nas salas de aula a nova ortografia e que as mudanças têm sido absorvidas de maneira gradual. 

- Como este vai ser o último ano de transição, a matéria vai ser mais cobrada dos alunos. Até agora eu fiz uma cobrança muito light, não descontava pontos nas provas de quem não usasse as regras novas - afirma a professora Maria Sufaneide, que dá aulas numa escola estadual da capital paulista. 

Segundo o professor de Português Marcos Fábio, que dá aula no Ceará, educadores e alunos ainda têm muitas dúvidas: 

- Todos nós temos que recorrer ao dicionário, sempre surgem dúvidas, principalmente sobre o hífen. 

Para alguns, a mudança não foi tão ruim. Aluno do 1 ano do Ensino Médio do colégio particular Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, Gabriel Luna, de 14 anos, diz que as novas regras são mais fáceis. 

- Eu achava mais difícil, por causa dos acentos. Logo que saiu o acordo, já comecei a escrever usando as regras novas, para me adaptar mais rápido. 

Rio promove treinamento 

Para alguns professores, o governo deveria fornecer treinamento específico para os educadores sobre o novo acordo. 

- Muitos colegas que dão aulas de Português têm dúvidas, que dirá os de outras disciplinas. Seria interessante um curso de formação. E não adianta dizer que vai ter curso online. Se o acordo ortográfico era tão importante, deveria haver uma forte preocupação com a formação de quem vai transmiti-lo - diz Alayr Pessoa Filha, professora de Língua Portuguesa do Liceu Estadual Nilo Peçanha, em Niterói. 

No Rio, o governo do estado afirma que parte dos professores já recebeu treinamento sobre o novo acordo, e outra parcela receberá neste ano. Em São Paulo, a prefeitura e o governo do estado afirmaram que treinarão professores em 2012. E o governo do estado diz que já fez várias ações de divulgação sobre o novo acordo para os professores, além de ter disponibilizado material sobre o assunto. 

O GLOBO ouviu professores e secretarias de Educação de vários estados e a maioria afirma que todos os alunos da rede pública já está usando livros didáticos adaptados ao acordo ortográfico. No Mato Grosso, porém, a secretaria estadual de Educação informa que uma pequena quantidade de livros não adaptados continua sendo usada em algumas salas de aula de forma complementar. Isso acontece quando o total do material didático com as novas regras não é suficiente para o número de alunos, devido ao aumento de estudantes de uma turma após o recebimento das publicações, ou para substituir livros danificados. 

- A direção da escola fala para trabalhar o acordo ortográfico no quadro-negro ou com material fotocopiado. Isso confunde o aluno. Mas a gente frisa toda aula as novas normas - afirma a professora Anny Weicler, que ensina Língua Portuguesa em uma escola estadual de Cuiabá. 

O Ministério da Educação (MEC), que encaminha livros didáticos para 99% das escolas públicas de todo país, afirma que todo material que enviou para uso a partir de 2010 para alunos de 1 ao 5 ano do ensino fundamental já estava de acordo com as novas regras. Segundo o MEC, livros com a nova ortografia começaram a ser usados por estudantes do 6 ao 9 ano do ensino fundamental em 2011. O ministério diz que distribuiu publicações adaptadas para o ensino médio em 2012. A compra dos livros é feita a cada três anos e são usados por igual período. 

No entanto, a distribuição de dicionários escritos com a nova ortografia será feita pelo MEC apenas entre junho e setembro deste ano, para 1 milhão de salas de aula. Mas alguns estados não esperaram o MEC e já compraram seus próprios dicionários. 

Além de livros e dicionários, o MEC investiu na compra de 204 mil exemplares do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (conhecido pela sigla Volp), editado pela Academia Brasileira de Letras para esclarecer dúvidas sobre a grafia das palavras. Todos os exemplares, segundo o ministério, já foram distribuídos. Mas isso não quer dizer que eles estejam sendo usados: há professores de Língua Portuguesa que garantem que nunca viram o Volp nas suas escolas. 

Em São Paulo, alunos afirmam que materiais didáticos que supostamente estão de acordo com as novas regras ainda apresentam palavras na grafia antiga. 

- Os livros estão adaptados, mas nas apostilas ainda há "erros" ortográficos, apesar de elas terem um carimbo dizendo que o material passou por revisão para se adequar ao acordo. Já vi a palavra ideia acentuada, por exemplo - afirma Rafael Blessa, aluno do 3 ano do Ensino Médio da Escola Estadual Buenos Aires, na capital paulista. 

O governo de São Paulo informa que todo material distribuído, no entanto, está de acordo com a nova ortografia. As regras ortográficas não são objeto de preocupação só de estudantes do ensino regular. Muitas empresas têm disponibilizado para os funcionários cursos para que passem a escrever de acordo com as novas regras. 

- De todas as empresas que nos contrataram para prestar treinamento de Língua Portuguesa para funcionários, 80% solicitaram que incluíssemos um módulo sobre a nova ortografia. As empresas estão preocupadas, principalmente as que têm funcionários que lidam com o público - afirma Ana Catarina Kretly, gerente de Marketing da Scritta, empresa que presta consultoria de comunicação a companhias. 

Apesar de o decreto prever a obrigatoriedade do uso da nova ortografia a partir de 1 de janeiro de 2013, ação popular que tramita na Justiça Federal pede que o prazo seja adiado. Impetrada pelo movimento Acordar Melhor, a ação afirma que a Academia Brasileira de Letras (ABL) desrespeitou o acordo assinado entre os países de língua portuguesa ao fazer alterações em palavras publicadas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp). 

- O Congresso Nacional teria que aprovar as alterações que o Volp apresentou ao acordo - disse o professor Ernani Pimentel, líder do Acordar Melhor. 

O acadêmico Evanildo Bechara nega que a ABL tenha desrespeitado o acordo: 

- Se for escrito num sistema ortográfico uniforme, um livro escrito em português na Europa, no Brasil, ou na África não precisa ser atualizado para ser publicado em outro país - afirma.

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