domingo, 26 de fevereiro de 2012

Crônica do Dia - O ensino superior do futuro - Gustavo Loschpe




Por Gustavo Ioschpe para Revista VEJA 

 Há uns anos, fui dar uma palestra em uma universidade privada. Perguntei ao diretor qual era o maior desafio deles. Imaginei que ele fosse me dizer que eram outras universidades semelhantes, ou a universidade pública, mas não: “O que nos atrapalha é esse pessoal que engana os alunos dizendo que curso de dois anos é ensino superior”. Eis um bom retrato do nosso ensino superior: não só pequeno como atrasado. Hoje, nosso primeiro problema é termos uma taxa de matrícula de 22%, entre um terço e um quarto da dos países desenvolvidos, metade da de países como Chile, Venezuela e Peru e abaixo da de todos os Brics, exceto a Índia. 

 A principal explicação para esse acanhamento no ensino superior é a falência da nossa educação básica. Mas, se algum dia consertarmos esse problema (crença que se aproxima cada vez mais do dito sobre o segundo casamento: é o triunfo da esperança sobre a experiência), nossos graduandos se defrontarão com um modelo de ensino superior defasado. Esse não é um problema só brasileiro. No começo do ano participei de um seminário sobre ensino superior em países em desenvolvimento na Universidade de Oxford, e o que se discutiu lá, mais aquilo que já vem sendo pensado aqui, nos permite ter uma ideia de como será o ensino superior da próxima geração. Eis os horizontes mais relevantes (agradeço a Jamil Salmi, até recentemente líder da área de ensino superior do Banco Mundial, por muitos dos exemplos abaixo). 

 *Flexibilidade* - Durante séculos, o ensino superior foi algo que acontecia em universidades, em cursos de quatro anos, preparando o aluno para uma carreira específica. No futuro, o ensino se dará em universidades, em escolas técnicas e em outros formatos que ainda não conhecemos que permitam o *lifelong learning*, o aprendizado ao longo de toda a vida. Os cursos poderão ser presenciais ou on-line. Mais frequentemente, serão das duas formas. Terão dois, três ou quatro anos de duração. Tratarão de várias áreas do conhecimento, e estarão mais preocupados em ensinar a pensar do que em transmitir conhecimentos e habilidades específicos, pois a obsolescência do saber será ainda maior do que é hoje. 

 *Menor duração* – O Brasil tem três tipos de formação: bacharelado, licenciatura e curso de tecnólogo. Esse último dura entre dois e três anos, focado no desenvolvimento de uma competência profissional específica, normalmente para cargos de salário médio. No Brasil, só 10% das matrículas em cursos presenciais está nesse tipo de curso. Na China, é mais da metade. Nos países desenvolvidos (OCDE), é um terço (dados disponíveis em twitter.com/gioschpe). Em vez de ser percebido como a melhor alternativa para a pessoa que busca um diferencial rápido e eficaz no mercado de trabalho, o curso de tecnólogo ainda é erroneamente visto como um “primo pobre” do ensino “de verdade”. 

 *Laços com o ensino básico* – Nas últimas décadas, o ensino superior se massificou e deselitizou (o Brasil ainda chegará lá), e o ritmo de inovação no mercado de trabalho fez com que um diploma de uma boa universidade não fosse mais suficiente para uma carreira cada vez mais longa. Assim, a distinção entre educação básica e superior vai ter cada vez menos sentido. Ambas estarão dentro de um contínuo, que começa na pré-escola e só termina com a morte. Na Alemanha, as faculdades de engenharia e escolas politécnicas já estão em contato com jardins de infância para atrair futuros bons engenheiros. No Brasil, teremos um problema adicional a resolver: as áreas de licenciatura e pedagogia, hoje patinhos feios da academia, terão de ganhar em importância e prestígio. As universidades terão de entender que sem um aluno bem formado no ensino básico não conseguirão fazer o seu trabalho com qualidade. 

 *Tecnologia*– No Brasil, só reconhecemos diplomas de instituições brasileiras, mas certamente em breve validaremos o ensino dado nas melhores universidades do mundo. Hoje já é possível assistir, on-line e sem custo, a aulas de instituições como o MIT e Stanford. Nos EUA, um sexto das matrículas do ensino superior já é feito em cursos on-line. O Brasil está chegando perto, com uma em cada sete, depois de uma explosão que levou o número de matriculados de 200 000, em 2006, para 930 000, em 2010. Stanford, Purdue e Duke são universidades que já gravam todos os seus cursos, para que os alunos possam baixá-los e rever as aulas quantas vezes quiserem. Há algumas semanas, a Apple lançou uma plataforma de venda de livros didáticos para o iPad. Além do texto, tem vídeos, animações, lugar para resumos. Em breve, serão compartilháveis. 

 *Desabou a Torre de Marfim* – À medida que o ensino superior se massifica, desaparece a noção da academia como instituição alheia (e superior) ao mundo “real”. Haverá cada vez mais forte competição entre instituições pelo aluno, o que faz com que as universidades precisem se desdobrar para atender às demandas dos alunos e de seus futuros empregadores. A Universidade do Sul da Flórida dá uma garantia a seus alunos de engenharia: se, durante seus cinco primeiros anos no mercado de emprego, eles sentirem a necessidade de competências que não aprenderam na faculdade, podem voltar e aprendê-las de graça. 

 *Currículo* – Oscar Wilde (1854-1900) escreveu que nada que vale a pena saber pode ser ensinado. O desafio das universidades do futuro será ensinar apenas aquilo que vale a pena saber, o que demandará novos currículos e nova didática. Um exemplo é o Olin College of Engineering, nos EUA. O ensino é centrado na resolução de problemas, sempre em equipes. Não há departamentos acadêmicos e os professores não recebem cátedra. O currículo é baseado em um triângulo entre engenharia (o projeto é exequível?), empreendedorismo (é viável?) e humanas (é desejável?). 

*Interdisciplinaridade* – Os problemas do mundo real são complexos e não respeitam fronteiras departamentais. A universidade do futuro terá de respeitar essa realidade. Todo aluno de graduação nos EUA passa por todas as grandes áreas do saber. Só no início do terceiro ano é que ele precisará decidir qual será a sua “major”, a área em que vai se diplomar. Antes disso, o futuro cientista estuda sociologia e o historiador estuda matemática. A especialização virá mesmo só na pós-graduação. Algumas universidades federais no Brasil tomaram a iniciativa de criar um “bacharelado interdisciplinar”. É um bom começo, ainda que a iniciativa seja limitada pelo fato de que o aluno estuda apenas uma de quatro grandes áreas (artes, humanidades, saúde e ciência e tecnologia).

 *Nada é de graça* – Um sistema educacional que matricule perto de 100% dos jovens (EUA, Finlândia e Coreia do Sul já estão chegando perto disso) é caro. Não é possível estender esse benefício a número tão grande de alunos e esperar que os contribuintes paguem a conta. Com exceção de México, República Checa e países escandinavos, todos os países da OCDE cobram mensalidades de seus alunos em universidades públicas. Passaremos por mais algumas invasões de reitorias, mas chegaremos lá. 

Revista Veja 

Um comentário:

  1. É,no Brasil,infelizmente vivemos em uma realidade onde em muitos colégios,os alunos passam de ano simplesmente sem saber a matéria que foi dada.
    Isso não acontece só em escolas públicas,particulares também são um alvo disso.Em relação as escolas particulares,temos que esperar que a diretoria faça alguma coisa.Em relação as escolas públicas,já ouvi falar em casos onde o professor simplesmente não da a mínima para os alunos e também aonde o aluno chegou a agredir o professor.Isso é uma vergonha para os dois lados,mais por causa das altas corrupções em nosso país,chegamos a esse ponto.É caro sim investir na educação,mais mesmo assim tem um ótimo propósito,pois antigamente minha vó me disse que,as escolas públicas não eram do jeito que estão hoje,eram tão boas quanto as particulares.Época onde não víamos muito assalto e o ser humano não era tão ganancioso.Eu queria que fosse aprovada uma lei aonde todos os governadores / deputados fossem obrigados a porem seus filhos em escolas públicas,pois ai sim eu acho que eles tomariam alguma atitude,iriam investir mais na educação.
    É óbvio que nem todas as escolas públicas são deste jeito,ainda temos escolas onde os professores querem que por mais que difícil seja a situação do aluno,tem sim professores que se importam com a educação do aluno e quer que mude de vida para melhor.

    Lucas Abade 801

    ResponderExcluir