terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Crônica do Dia - Precisamos falar sobre o Chico - Arnaldo Bloch





Um amigo me convidou para o show do Lobão sábado passado, no Circo. Declinei: a duas semana do fim da temporada de 40 dias, eu enfim conseguira meu ingresso para ver o Chico.

— O Chico? — espantou-se meu amigo. — Temporada? Mais de um mês? Quinta a domingo?

— Qual o problema?

— Achava que esses dinossauros da MPB só faziam um fim de semana e olhe lá. E o cara não emplaca um sucesso há 30 anos!

— Ninguém, mais, na MPB, emplaca sucesso algum. Se não é pagode, funk, axé, padre, pastor ou Roberto Carlos, danou-se.

— Não exagera.

— O que é, hoje, emplacar um sucesso? Discos não vendem. Rádios não contam. O que importa é show.

— Mas um mês? Como é que o Chico faz temporada de um mês?

— Chico é um mito. Um Patrick Bruel. Um Bob Dylan latino. Um Gainsbourg. O público que ele teve, continua a ter: a geração dele e pelo menos as três seguintes e uma turma nova, menos numerosa.

Além disso, faz um show a cada cinco anos.

Não é como o Caetano, sempre nos palcos.

— O Caetano é um ser ubíquo.

— Exato. O Caetano está em novelas, jornais, filmes e prêmios pop. Chico, não. Desaparece por meia década, vai para a França, escreve um livro, caminha na praia, arruma namorada. Quando anuncia um show, é o estouro da boiada.

Meu amigo reconheceu sua avaliação equivocada e me parabenizou por ter um ingresso tão valioso, stricto e lato sensu.

Teve um insight: quantos shows novos de Chico Buarque ainda teremos oportunidade de ver?

— Um novo show de Chico é como uma nova Copa do Mundo.

— Só que, ao contrário do futebol, a qualidade só aumenta — retruquei.

Meu amigo discordou, fazendo coro àquela cansativa esparrela.

— Chico já não é o mesmo. Não faz mais os refrãos que a turma toda gosta de cantar. Chico não tem mais a relevância que tinha.

— Relevância para quem, cara pálida? Musicalmente, ele se sofisticou. Nem precisa mais de parceiro. Para quem gosta de música, é joia.

— Ele era mais relevante num tempo em que a política ditava sua pauta musical. Olha: “Construção”,

“Meu caro amigo”, “Vai passar”, “Apesar de você”, “Geni e o zepelim”, “Trocando em miúdos”,

“Feijoada completa”. E depois? O que veio?

— Que tal “Futuros amantes”, “Choro bandido”,

“A ostra e o vento”, “Brejo da cruz”, “Estação derradeira”,

“Valsa brasileira”, “A moça do sonho”?,

“Você, você”?, “Cecília”?

— Quem canta essas músicas? A galera não canta essas músicas. Ninguém sabe cantar.

— Que galera? E que critério é esse, que identifica qualidade a tamanho do público?

— A galera que cantava Chico.

— Eu, por exemplo, e pelo menos uns cinco amigos, achamos “As cidades” um discaço. Sei todas as músicas de cor.

— Faz parte de uma minoria. Digamos, 14%.

— E esses 14% não são relevantes? Estão equivocados?

Devem ser exterminados?

— Deixa de histeria. Virou manifesto?

— Atribuir-se uma superioridade “verdadeira”, de caráter absoluto, à cultura culta, sobre as manifestaçõesde maior apelo popular resvala no fascismo, o oposto também.

— Que oposto?

— Dizer que só o gosto das massas é nobre e que a sofisticação é formalismo de elite equivale a perseguir o refinamento, tornar o intelectual um pária, um degenerado, um hermético, inimigo do entendimento.

A ideia de que a força está com a maioria fez sucesso tanto nos colossos de esquerda quanto nos populismos totalitários de extrema direita.
— Ih, pirou.

A essa altura, o leitor deve estar perguntando como foi o show do Chico.

Respondo: foi dos melhores que vi. Intimista, privilegiou a música mesmo quando o “sucesso que a gente gosta de cantar” pintou.

Tocou o disco novo inteiro. O disco novo é lindo.

“Essa pequena” é uma obra-prima. O refrão de

“Sou eu” pega. “Querido diário” é pungente.

Fez um “Geni” apoteótico. Os duetos de violão com Luiz Cláudio Ramos estão primorosos.

Chico Batera é um barato. Jorge Helder é o fino. Wilson das Neves é uma lenda.

E tudo é relevante.



Arnaldo Bloch 
/ Jornal O Globo 

Um comentário:

  1. Crônica de Arnaldo Bloch
    Precisamos falar sobre o Chico.

    Gostei muito dessa crônica,as vezes temos uma opinião formada de alguém ou alguma coisa, por que não falar de preconceito. Sim, por Chico Buarque ser um artista já com certa idade, quem não conhece seu trabalho atual torçe o nariz.Assim aconteceu com o amigo do autor dessa crônica.Achei esse amigo um pouco teimoso porque mesmo o Arnaldo (o autor) tentando convencê-lo de que o show do Chico é um espetáculo, comparado até com a copa do mundo e ele ainda assim resistia para não ir ao show e ficou criticando os sucessos antigos do Chico Buarque.Achei mui to engraçado também ele se referir aos cantores mais velhos como dinossauros da MPB.
    Essa crônica é um texto interpretativo, fala de um assunto banal, mas que tem sua importância pela descrição dos sucessos de Chico Buarque.O amigo do autor utilizou muito a ironia, mas como diz Arnaldo Bloch, tudo é relevante.

    ângelo M.Bastos
    turma 801

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