RIO - São 20h32m de terça-feira, 24 de janeiro, quando o assessor comercial Rafael Sampaio registra no ponto da empresa onde trabalha, no oitavo andar do Edifício Liberdade, na Avenida Treze de Maio, no Centro, o fim de mais um dia no escritório. Nos últimos minutos, havia sido difícil se concentrar no trabalho por causa do barulho de uma obra no nono andar.
Sampaio começa a caminhar pela calçada, e a Treze de Maio vai perdendo a movimentação que, durante o dia, é a marca do Centro da cidade. A maioria das lojas já está fechada. A exceção é uma lanchonete de sucos. Apesar disso, às 21h, a happy hour ainda corre solta. As opções mais populares são o churrasquinho da Bete — e sua famosa batida de maracujá — e a tapioca do Ricardo, quase na esquina com a Avenida Almirante Barroso. Funcionários de empresas em prédios próximos conversam enquanto esperam os ônibus ficarem mais vazios.
Às 22h, já não há praticamente ninguém nos escritórios. Os dois ambulantes que ainda movimentam a região se preparam para ir embora. É hora de os moradores de rua se assentarem embaixo das marquises. No Edifício Liberdade, o vaivém de operários da obra é o único que ainda se mantém.
Amanhece a quarta-feira, dia 25, e, como em qualquer dia de semana, a movimentação começa cedo na Treze de Maio e no Liberdade. Às 7h, José Bravim já está na sala do 19º andar, que comprou em 1997 para montar a sua ótica. O dia promete ser longo: às 20h, ele tem uma reunião marcada ali mesmo com um especialista em próteses oculares vindo de Goiás. Depois, a ideia é degustar a cachaça que vem direto do Centro-Oeste com os "pinguços" que perambulam pela região, sob a marquise do edifício.
Às 7h56m, o assessor comercial Rafael Sampaio chega para mais um dia de trabalho. Sua intenção é ficar até 21h, para conseguir entregar um relatório cujo prazo está se esgotando.
No Edifício Capital, na Avenida Almirante Barroso 6, prédio colado ao Liberdade, são 9h30m quando a psicoterapeuta Denise Pucheu chega ao seu escritório no sexto andar. O dia será cheio e inclui uma sessão de terapia de grupo à noite.
A partir do meio-dia, a movimentação nos restaurantes é intensa, assim como o calor. A temperatura no Rio bate o recorde do verão: 39 graus. Às 13h, o vendedor de tapioca Ricardo ainda está em casa, terminando de consertar o carrinho que usa para trabalhar.
Às 14h, ele se prepara para sair, mas se queixa com o irmão de uma forte dor de garganta. Mede a temperatura, está com febre e resolve ficar em casa.
A tarde cai e, às 18h, Bete, do churrasquinho, chega para começar a montar sua barraca. No 19º andar do Liberdade, José Bravim recebe uma ligação do especialista em próteses oculares dizendo que não poderia estar na reunião das 20h. Bravim insiste, mas o encontro é cancelado.
Às 18h20m, ele vai embora para se encontrar com amigos na Lapa.
No oitavo andar do Liberdade, às 19h40m, o assessor comercial Rafael Sampaio não resiste ao cansaço e vai embora. Quer chegar na quinta cedo para terminar o projeto que fazia.
Às 20h, o clima é de descontração no churrasquinho da Bete. Uma amiga do funcionário Celso Cabral, da empresa TO Tecnologia Operacional, que fica no nono andar, liga para ele e pede, sem sucesso, a companhia em mais um chope.
Entre as 20h16m e as 20h31m, dois carros de passeio, quatro táxis e duas motos cruzam a Treze de Maio. Cerca de 300 pessoas caminham pela avenida.
Às 20h32m, pedestres ouvem um estalo vindo do Liberdade. Uma parede cai no meio do prédio, e o edifício vem abaixo, levando outros dois. José Bravim está no caminho de casa: saberá quando chegar, por sua mulher, que sua ótica não existe mais. Rafael Sampaio está em seu apartamento, na Glória, e daqui a dez minutos receberá uma ligação do irmão avisando do desabamento. Ricardo, da Tapioca, vê na TV a tragédia. Bete, do churrasquinho, aparece na TV, coberta de poeira. A psicoterapeuta Denise Pucheu interrompe uma sessão de terapia de grupo com cinco pessoas após a sala, no Edifício Capital, ser invadida por destroços. A luz pisca, o prédio treme, mas sua estrutura se mantém firme. Em 20 minutos ela conseguirá chegar ao térreo ilesa. Celso Cabral, que fez hora extra na TO, é uma das 16 vítimas já identificadas de um desastre que mudou a história. Da Treze de Maio.
E quem são essas pessoas? Você sabe?
Os primeiros estalos no Edifício Liberdade são ouvidos e uma senhora começa a puxar a outra com quem caminhava na Avenida Treze de Maio. Elas olham para trás, não entendem muito bem o que está acontecendo, mas correm. Somente ao dobrarem a esquina e chegarem na Evaristo da Veiga, as duas conseguem respirar mais aliviadas: dão um abraço, uma delas aponta para o céu e continuam a andar. As cenas, resgistradas por câmeras de segurança de prédios próximos, revelam instantes de quem escapou por pouco. Mas quem são essas pessoas?
Outro caso é o de dois homens que, cerca de cinco minutos antes dos desabamentos, dobram a Evaristo da Veiga e entram na Treze de Maio. Eles entram numa lanchonete e saem na direção dos edifícios que desabaram instantes antes da tragédia. Aparentemente, olham os prédios ruírem, parados. Assim que percebem que os destroços se aproximam, correm. Um deles tem dificuldade de andar. O amigo amaeça correr, mas o ajuda. Os dois somem na poeira.
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