terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Gente que você não conhece, mas deveria conhecer - Sergio Vaz


O rapper Mano Brown esteve lá, assim como a professora e crítica Heloisa Buarque de Hollanda. O editor Luiz Schwarcz também, da mesma forma que a atriz Zezé Motta. Os escritores Julio Ludemir e Marcelino Freire foram conferir, a exemplo do diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron. Mas não são eles as estrelas do Sarau da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), que toda quarta, às 21h, chega a reunir mais de 300 pessoas no Bar do Zé Batidão, em Piraporinha, na região de Jardim Ângela, em São Paulo, que nos anos 1980 ganhou o apelido de Vietnã do Brasil devido à violência. 

A noite é dos moradores da periferia. Donas de casa, office-boys, taxistas, estudantes, domésticas, operários que pegam o microfone e recitam versos para uma plateia atenta e respeitosa. É o maior sarau de poesia do Brasil, promovido pelo poeta Sérgio Vaz. Criado em 2001, ele já deu origem a dezenas de outros encontros país afora, de Salvador a Brasília, do Rio a Poços de Caldas. Só em São Paulo são mais de 50. 

— No Rio, tenho visto o esforço do pessoal do Poesia na Esquina, na Cidade de Deus, do Chá com Letras, em Vila Aliança, e do Desmaio Públiko, em Nova Iguaçu, inspirando-se no modelo criado pela Cooperifa para dar um novo CEP à poesia carioca — testemunha Julio Ludemir. 

Maionese e frango frito

Vaz acredita que a periferia vive a mesma efervescência cultural que a classe média experimentou nos anos 1960 e 1970. 

— É a nossa bossa nova, nossa tropicália, nossa Primavera de Praga, tudo junto. 

Na próxima terça-feira, às 19h, Vaz lança na livraria Folha Seca, no Centro do Rio, seu sétimo livro, “Literatura, pão e poesia”. Em São Paulo, ele vendeu 170 exemplares no lançamento, num teatro em Taboão da Serra. Bem diferente do que ocorreu com sua primeira obra, “Subindo a ladeira mora a noite”, em 1988. 

— Foi também no Bar do Zé Batidão, que à época ficava em Jardim Guarujá. Teve salada de maionese e frango frito. Eram umas cem pessoas. Mas só vendi uns dez exemplares. 

Foi aos 12 anos que ele leu seu primeiro livro. Ou tentou. 

— Gosto muito de misticismo, e na estante do meu pai tinha “Eram os deuses astronautas?”. Não consegui ler e peguei outro, “Cem anos de solidão”. 

José Vaz viu o interesse do filho e passou a comprar obras infanto-juvenis. Por essa época, aos 13 anos, o garoto começou a trabalhar na mercearia do pai. Curiosamente, o local virou depois o Bar do Zé Batidão. 

— Onde era minha senzala hoje é meu quilombo — diz ele, referindo-ao ao trabalho duro na mercearia de José Vaz. 

Um dia, ouviu “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré; mais tarde, caiu em suas mãos o livro “Confesso que vivi”, de Pablo Neruda; depois conheceu a poesia de Ferreira Gullar. E dessa forma foi descobrindo seu caminho. 

— Mas demorei para assumir a literatura. Onde morava, era uma aberração. Eu era o amigo gangorra. Quando me sentava, o outro se levantava, pensando: “Pô, lá vem aquele chato.” 

O sarau teve início num bar. Um amigo sugeriu que se recitasse uma poesia, outro disse “agora você”, e assim por diante. Dois deles, Vaz e Marco Pezão, levaram a ideia à frente. No primeiro, apareceram 15 pessoas. 

— Eu ligava para os amigos ameaçando: “Se não for, não vou falar mais com você.” De repente, virou um movimento dos sem-palco. Incrível como as pessoas têm coisas guardadas.

Mesmo concorrendo com futebol e novela, o bar fica lotado. 

— A maioria vai como se fosse religião — diz Vaz. 

Heloisa Buarque de Hollanda é testemunha: 

— Sérgio criou um dos movimentos culturais mais importantes dos últimos anos. A energia daquele lugar, só vi em estádios de futebol ou em cultos carismáticos. A Cooperifa sinaliza o horizonte de mudanças que este século pode estar prometendo. 

Marcelino Freire tem opinião semelhante. 

— Quando vou, saio energizado, fortalecido. Em 2012, comemoram-se 90 anos da Semana de Arte Moderna. Vaz e seu sarau são a ressurreição daquele espírito antropofágico, inovador, provocador dos modernistas. 

A comparação é pertinente.

 — A Cooperifa é inspirada na antropofagia. Tudo o que a gente faz na periferia, a classe média e os intelectuais se apropriam. Então, resolvemos pegar as coisas do centro e colocar de forma periférica, dando uma bronzeada — diz Vaz, que criou em 2007 a Semana de Arte Moderna Periférica, mais tarde transformada em mostra cultural. 

No sarau, a palavra se espalha sem freios pelo ambiente. 

— São noites catárticas. O sujeito vê o vizinho recitando e pensa: “Se esse cara escreve, eu também posso.” Mas a ideia é formar leitores, não escritores. 

O que não quer dizer que eles não surjam. Cerca de 50 lançamentos já foram feitos no bar desde o início do sarau. 

— E há pessoas que passaram a estudar ou voltaram à escola. 

Vaz foi eleito em 2009 pela revista “Época” uma das cem pessoas mais influentes do Brasil, e ganhou os prêmios Transformadores, da revista “Trip”, Orilaxé, do AfroReggae, e Heróis Invisíveis, do jornalista Gilberto Dimenstein. Há pouco, levou três prêmios Governador do Estado de São Paulo, nas categorias Destaque Cultural (júri popular) e Inclusão Cultural (júri popular e júri especial). Os R$60 mil serão investidos na construção de um espaço cultural na periferia.Vaz foi eleito em 2009 pela revista “Época” uma das cem pessoas mais influentes do Brasil, e ganhou os prêmios Transformadores, da revista “Trip”, Orilaxé, do AfroReggae, e Heróis Invisíveis, do jornalista Gilberto Dimenstein. Há pouco, levou três prêmios Governador do Estado de São Paulo, nas categorias Destaque Cultural (júri popular) e Inclusão Cultural (júri popular e júri especial). Os R$60 mil serão investidos na construção de um espaço cultural na periferia. 

— Em Higienópolis, tem a Casa do Saber. Como a gente ignora vários assuntos, vamos criar a Casa da Ignorância, para aprendermos juntos. 

De amor a balas perdidas 

Julio Ludemir declara-se fã: 

— Ele é o poeta brasileiro mais importante da atualidade, mas não pela qualidade dos seus textos, ainda que ser um poeta complexo e inspirado seja determinante para que eu não tema em lhe dar esse status. Ele levou o fazer poético a uma São Paulo profunda e informal. 

Nascido em 1964 no Vale do Jequitinhonha, em Minas, Vaz mudou-se aos 3 anos para a periferia de São Paulo. Chamado de “poeta ativista”, ele escreve em “Literatura, pão e poesia” crônicas sobre temas que vão do primeiro amor e da amizade a mendigos e balas perdidas. Em “Renas de Troia”, sobra para Papai Noel: “Ele, pra nós, sempre foi uma pessoa extremamente deselegante, nunca aceitou o convite para visitar a nossa casa.” 

— Os letristas da bossa nova escreviam sobre barquinho deslizando no mar. Eles abriam a janela e viam isso. Eu abro e vejo violência, desigualdade, tráfico. 

Vaz diz que escreve para não “enlouquecer”. 

— Não é escolha. Se pudesse escolher, seria engenheiro. “ 

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