Não importa quão bem você faça uma coisa, haverá sempre um garoto asiático de 12 anos fazendo o mesmo, muito melhor do que você.” Meu filho mandou essa máxima da internet no carro, sentado ao meu lado, enquanto eu dirigia. Comecei a rir, olhando para o meu carioca da gema, formado, como a mãe, na melhor cepa das escolas construtivistas da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Quando ele nasceu, eu era dona de uma prepotência invejável com relação à sua educação. Desejava que meu guri fosse bilíngue e tivesse uma formação tradicional. Mas a vida conspirou contra os meus anseios. Eu queria me afastar do modelo da minha infância, quando as descobertas de Piaget seduziram a classe média de Ipanema. Cresci durante a ditadura militar, no seio de uma família de artistas, e qualquer cerceamento à liberdade pessoal era visto como autoritarismo.Hoje, creio no contrário, tenho medo justamente da liberdade que desconhece as regras e o sacrifício implícito para o domínio de qualquer virtude. Os pais dos amigos do meu filho se parecem comigo, sempre me senti amparada pelo corpo docente nas crises escolares, mas discordo da condescendência com que as obrigações do estudante são tratadas no ensino mais liberal. Sinto como se a escola tivesse transferido para mim a cobrança.
Servir de carrasca foi o preço que paguei por não ter tido coragem de matriculá-lo em uma instituição severa. Funcionou, ele aprendeu a estudar, mas não foi fácil. Lamento, também, que as línguas estrangeiras estejam em segundo plano no currículo do MEC, mas a ideia de criar alguém distante de sua própria cultura me afastou dos educandários estrangeiros. O ideal parece não existir. E olha que estou falando de uma classe privilegiada.
Quando ele nasceu, eu era dona de uma prepotência invejável com relação à sua educação. Desejava que meu guri fosse bilíngue e tivesse uma formação tradicional. Mas a vida conspirou contra os meus anseios. Eu queria me afastar do modelo da minha infância, quando as descobertas de Piaget seduziram a classe média de Ipanema. Cresci durante a ditadura militar, no seio de uma família de artistas, e qualquer cerceamento à liberdade pessoal era visto como autoritarismo.Hoje, creio no contrário, tenho medo justamente da liberdade que desconhece as regras e o sacrifício implícito para o domínio de qualquer virtude. Os pais dos amigos do meu filho se parecem comigo, sempre me senti amparada pelo corpo docente nas crises escolares, mas discordo da condescendência com que as obrigações do estudante são tratadas no ensino mais liberal. Sinto como se a escola tivesse transferido para mim a cobrança.
Servir de carrasca foi o preço que paguei por não ter tido coragem de matriculá-lo em uma instituição severa. Funcionou, ele aprendeu a estudar, mas não foi fácil. Lamento, também, que as línguas estrangeiras estejam em segundo plano no currículo do MEC, mas a ideia de criar alguém distante de sua própria cultura me afastou dos educandários estrangeiros. O ideal parece não existir. E olha que estou falando de uma classe privilegiada.
A deficiência na educação, tanto pública quanto privada, é o grande empecilho para o desenvolvimento do Brasil. A tragédia da exclusão social, a falência da saúde, a truculência policial, as estradas esburacadas, todas as infindáveis mazelas nacionais são forjadas em sala de aula.
Países como a Coreia do Sul saíram do buraco enfurnando suas crianças em internatos por sessenta horas semanais. A Ásia é regida pela harmonia de Confúcio. Lá, o bem-estar comum está acima do desejo do indivíduo.
Países como a Coreia do Sul saíram do buraco enfurnando suas crianças em internatos por sessenta horas semanais. A Ásia é regida pela harmonia de Confúcio. Lá, o bem-estar comum está acima do desejo do indivíduo.
A noção de sacrifício vem de berço. É um perfil que produz uma mão de obra altamente qualificada, mas também provoca altas taxas de suicídio infantil.
Um amigo, pai de dois filhos de mãe alemã, me explicou que por volta dos 11, 12 anos as crianças da Alemanha são submetidas a provas seletivas. Os resultados definirão se aquele aluno poderá se transformar em um médico, um maestro ou geólogo, ou se será chaveiro, marceneiro ou contador.
Pareceu-me cruel essa definição tão apressada de quem virará doutor e quem permanecerá artesão. “Mas são os melhores chaveiros do mundo”, argumentou meu amigo.
Dificilmente atingiremos a mestria dos adolescentes orientais ou a eficiência dos chaveiros da Germânia. Este é um país de degredados, de filhos sem pai. As crianças imperam, o que eu não acho triste, mas as noções de dever e responsabilidade, muitas vezes, parecem estranhas a nós.
Em 1808, de Laurentino Gomes, sobre a vinda de dom João VI ao Brasil, Joaquim Marrocos, o homem incumbido de trazer a Biblioteca do Rei para o Rio, ficou horrorizado com o país vagabundo e ignorante que conheceu na chegada. Joaquim se casou, se apegou ao escravo, adquiriu outros e teve filhos. “A aversão a esse país [...] é um grande erro, de que há muito me considero despido. [...] Vivo em paz e abundância.” Dez anos depois, Marrocos havia descoberto o encanto e a crueldade da nossa sociedade imberbe.
João Ubaldo Ribeiro teve um pai terrível, que não aguentava conviver com um analfabeto dentro de casa, não interessando o fato de o pobre ter 5 anos de idade. Sob tamanha tensão, o escritor baiano aprendeu sozinho o bê-á-bá e se transformou em um dos homens mais cultos e inteligentes que conheço, mas foi incapaz de criar o filho Bento debaixo do mesmo chicote.
Oito anos depois da primeira experiência, tenho, agora, mais um rebento para matricular na escola. No lugar da prepotência, só ficaram as dúvidas. E bem abrangentes. São Bento ou Sá Pereira? Eis a questão.
Um amigo, pai de dois filhos de mãe alemã, me explicou que por volta dos 11, 12 anos as crianças da Alemanha são submetidas a provas seletivas. Os resultados definirão se aquele aluno poderá se transformar em um médico, um maestro ou geólogo, ou se será chaveiro, marceneiro ou contador.
Pareceu-me cruel essa definição tão apressada de quem virará doutor e quem permanecerá artesão. “Mas são os melhores chaveiros do mundo”, argumentou meu amigo.
Dificilmente atingiremos a mestria dos adolescentes orientais ou a eficiência dos chaveiros da Germânia. Este é um país de degredados, de filhos sem pai. As crianças imperam, o que eu não acho triste, mas as noções de dever e responsabilidade, muitas vezes, parecem estranhas a nós.
Em 1808, de Laurentino Gomes, sobre a vinda de dom João VI ao Brasil, Joaquim Marrocos, o homem incumbido de trazer a Biblioteca do Rei para o Rio, ficou horrorizado com o país vagabundo e ignorante que conheceu na chegada. Joaquim se casou, se apegou ao escravo, adquiriu outros e teve filhos. “A aversão a esse país [...] é um grande erro, de que há muito me considero despido. [...] Vivo em paz e abundância.” Dez anos depois, Marrocos havia descoberto o encanto e a crueldade da nossa sociedade imberbe.
João Ubaldo Ribeiro teve um pai terrível, que não aguentava conviver com um analfabeto dentro de casa, não interessando o fato de o pobre ter 5 anos de idade. Sob tamanha tensão, o escritor baiano aprendeu sozinho o bê-á-bá e se transformou em um dos homens mais cultos e inteligentes que conheço, mas foi incapaz de criar o filho Bento debaixo do mesmo chicote.
Oito anos depois da primeira experiência, tenho, agora, mais um rebento para matricular na escola. No lugar da prepotência, só ficaram as dúvidas. E bem abrangentes. São Bento ou Sá Pereira? Eis a questão.
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