Na semana passada, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram, por unanimidade, que as cotas étnico-raciais são válidas no Brasil. A decisão chega dois anos depois da ação movida pelo Partido Democratas contra a Universidade de Brasília (UnB), que implantou o sistema em 2004. Os magistrados ainda julgarão uma ação relativa à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre o mesmo tema, mas não deve haver surpresas. O parecer amplamente favorável da mais alta corte do País pela legalidade da reserva de vagas ratifica a importância dessas medidas para reverter os processos de exclusão de raça e cor historicamente construídos no Brasil – embora os indígenas tenham protestado contra a ênfase do debate na questão do negro. Também consolida uma experiência que vem dando certo em 183 instituições de ensino superior que desenvolvem algum tipo de ação afirmativa e começa a desenhar o futuro de uma nação mais justa.
As experiências das duas universidades em questão mostram que as cotas efetivamente produzem inclusão. “A UnB e a UFRGS representam exemplos muito bem-sucedidos da aplicação de um novo tipo de ferramenta jurídica que são as ações afirmativas”, diz o ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União, órgão que analisou os casos encaminhados ao STF. Nas duas universidades, a reserva de vagas tem conseguido, aos poucos, dar mais cores aos corredores e salas de aula. “Hoje vemos muito mais alunos negros na UFRGS”, constata Valquíria Bassani, pró-reitora de graduação e presidente da comissão de acompanhamento dos alunos de ações afirmativas da UFRGS. O mesmo fenômeno pode ser observado nas demais instituições que possuem alguma política de cotas e são responsáveis pelos cerca de 110 mil alunos universitários negros cotistas. O dado é uma esperança para se amainar o abismo racial existente no Brasil. Enquanto 70% dos pobres são negros, três a cada quatro brasileiros pertencentes aos 10% mais ricos são brancos. Esse mecanismo de exclusão se perpetua de forma ainda mais cruel nas universidades. Na UFRGS, antes das cotas havia apenas 3% de alunos ingressantes negros, percentual que subiu para 11,5% no último vestibular (leia quadro). Crescimento semelhante foi observado na UnB. “Metade da população brasileira é de negros e isso tem de aparecer dentro das salas de aula das universidades”, avalia David Santos, diretor-executivo da Educafro.
As experiências das duas universidades em questão mostram que as cotas efetivamente produzem inclusão. “A UnB e a UFRGS representam exemplos muito bem-sucedidos da aplicação de um novo tipo de ferramenta jurídica que são as ações afirmativas”, diz o ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União, órgão que analisou os casos encaminhados ao STF. Nas duas universidades, a reserva de vagas tem conseguido, aos poucos, dar mais cores aos corredores e salas de aula. “Hoje vemos muito mais alunos negros na UFRGS”, constata Valquíria Bassani, pró-reitora de graduação e presidente da comissão de acompanhamento dos alunos de ações afirmativas da UFRGS. O mesmo fenômeno pode ser observado nas demais instituições que possuem alguma política de cotas e são responsáveis pelos cerca de 110 mil alunos universitários negros cotistas. O dado é uma esperança para se amainar o abismo racial existente no Brasil. Enquanto 70% dos pobres são negros, três a cada quatro brasileiros pertencentes aos 10% mais ricos são brancos. Esse mecanismo de exclusão se perpetua de forma ainda mais cruel nas universidades. Na UFRGS, antes das cotas havia apenas 3% de alunos ingressantes negros, percentual que subiu para 11,5% no último vestibular (leia quadro). Crescimento semelhante foi observado na UnB. “Metade da população brasileira é de negros e isso tem de aparecer dentro das salas de aula das universidades”, avalia David Santos, diretor-executivo da Educafro.
Ter mais negros na universidade, como foi enfatizado pelo ministro-relator, Ricardo Lewandowski, é uma forma de encurtar a distância que separa quem tem a pele negra dos cargos mais altos de nossa sociedade. Não que seja um processo fácil. Mesmo quem é aprovado por meio das cotas ainda encontra diversos obstáculos. “Foi difícil quando entrei na universidade. Pensei até em desistir porque me sentia muito sozinha e sendo cobrada por várias coisas que não tinha visto na escola”, conta a estudante de filosofia da UnB Aline Matos da Rocha, 22 anos. Mesmo assim, ela decidiu correr atrás do que não sabia e seguir. Sua perseverança serviu de inspiração para o irmão mais novo, John, 20 anos, atualmente aluno da mesma instituição, no curso de engenharia. Filhos de mãe dona de casa e pai motorista, os irmãos pretendem, com o ensino superior, mudar a realidade que viveram até hoje, no subúrbio de Samambaia, no Distrito Federal.
Com a consolidação dessas experiências tem sido possível dimensionar melhor quais são os seus reais impactos. Na primeira fase de um estudo ainda em andamento, realizado na UnB em parceria com a Universidade de Emory, nos Estados Unidos, mostrou-se que o desempenho entre cotistas e não cotistas é praticamente o mesmo – a diferença foi de 0,14 ponto em uma escala de zero a cinco. “E, quando comparados alunos com a nota de entrada semelhante, essa diferença quase desaparece”, explica Maria Eduarda Tannuri-Pianto, do departamento de Economia da UnB.
Com a consolidação dessas experiências tem sido possível dimensionar melhor quais são os seus reais impactos. Na primeira fase de um estudo ainda em andamento, realizado na UnB em parceria com a Universidade de Emory, nos Estados Unidos, mostrou-se que o desempenho entre cotistas e não cotistas é praticamente o mesmo – a diferença foi de 0,14 ponto em uma escala de zero a cinco. “E, quando comparados alunos com a nota de entrada semelhante, essa diferença quase desaparece”, explica Maria Eduarda Tannuri-Pianto, do departamento de Economia da UnB.
O debate sobre o tema também ajuda a desfazer antigos preconceitos. “O conceito de ‘boa aparência’, por exemplo, usado para vagas de trabalho, embora não fosse explícito, significava ter pele clara”, avalia o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB, Nelson Inocêncio. Quando os programas de cotas começaram a ser implementados, muitas vezes os próprios alunos que poderiam utilizá-los os viam com maus olhos. “Quando estava no pré-vestibular e ouvi falar das cotas, senti até certo incômodo. Pensei que eu fosse ser prejudicada”, conta a antropóloga Natália Machado, 25 anos. A jovem entrou no ensino superior em 2004, no primeiro vestibular em que houve reserva de vagas para negros na UnB. Do estranhamento do primeiro momento, no entanto, Natália se tornou defensora do sistema e foi uma das redatoras da ação de amicus curiae (amigos da corte) apresentado pelo Movimento Negro Unificado (MNU) aos ministros do STF para ajudá-los na decisão. O texto, de 37 páginas, apresenta estatísticas e cita estudos para embasar a manutenção do sistema. “Eu só pude elaborar esse argumento porque cursei o ensino superior”, diz Natália.
A repercussão na vida profissional de quem se beneficia das cotas se dá em poucos anos. O gaúcho Jeferson Tenório, 35, trabalhou no turno da madrugada em uma rede de pizzarias de Porto Alegre até os 23. Por insistência da mãe, o menino negro e pobre, que estudou a vida inteira em escolas públicas e nunca gostou muito de ler, trocou as labaredas e pizzas por carteira, lápis e caderno. Hoje, dá aulas e cursa mestrado. “Naquela época eu achava que estava bom para mim ser pizzaiolo”, diz ele, que foi um dos 295 alunos negros que, em 2008, ingressaram na UFRGS por meio da primeira edição do programa de cotas da instituição. “Minha realidade de hoje é totalmente diferente do que eu podia imaginar e eu tento mostrar para os meus alunos negros que o futuro deles também pode ser outro.” Que essas histórias sirvam de exemplo.
Revista Isto É
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