quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Te Contei, não ? - Odisseia




Além de constituir, ao lado da Ilíada, obra iniciadora da literatura grega escrita, a Odisséia, de Homero, expressa com força e beleza a grandiosidade da remota civilização grega. 

A Odisséia data provavelmente do século VIII a.C., quando os gregos, depois de um longo período sem dispor de um sistema de escrita, adotaram o alfabeto fenício. Na Odisséia ressoa ainda o eco da guerra de Tróia, narrada parcialmente na Ilíada. 

O título do poema provém do nome do protagonista, o grego Ulisses (Odisseu). Filho e sucessor de Laerte, rei de Ítaca e marido de Penélope, Ulisses é um dos heróis favoritos de Homero e já aparece na Ilíada como um homem perspicaz, bom conselheiro e bravo guerreiro. 

A Odisséia narra as viagens e aventuras de Ulisses em duas etapas: a primeira compreende os acontecimentos que, em nove episódios sucessivos, afastam o herói de casa, forçado pelas dificuldades criadas pelo deus Posêidon. 

A segunda consta de mais nove episódios, que descrevem sua volta ao lar sob a proteção da deusa Atena. É também desenvolvido um tema secundário, o da vida na casa de Ulisses durante sua ausência, e o esforço da família para trazê-lo de volta a Ítaca. 

A Odisséia compõe-se de 24 cantos em verso hexâmetro (seis sílabas), e a ação se inicia dez anos depois da guerra de Tróia, em que Ulisses lutara ao lado dos gregos. A ordem da narrativa é inversa: tem início pelo desfecho, a assembléia dos deuses, em que Zeus decide a volta de Ulisses ao lar. 

O relato é feito, de forma indireta e em retrospectiva, pelo próprio herói aos feaces - povo mítico grego que habitava a ilha de Esquéria. Hábeis marinheiros, são eles que conduzem Ulisses a Ítaca. 

O poema estrutura-se em quatro partes: na primeira (cantos I a IV), intitulada "Assembléia dos deuses", Atena vai a Ítaca animar Telêmaco, filho de Ulisses, na luta contra os pretendentes à mão de Penélope, sua mãe, que decide enviá-lo a Pilos e a Esparta em busca do pai. 

O herói porém encontra-se na ilha de Ogígia, prisioneiro da deusa Calipso. Na segunda parte, "Nova assembléia dos deuses", Calipso liberta Ulisses, por ordem de Zeus, que atendeu aos pedidos de Atena e enviou Hermes com a missão de comunicar a ordem. Livre do jugo de Calipso, que durou sete anos, Ulisses constrói uma jangada e parte, mas uma tempestade desencadeada por Posêidon lança-o na ilha dos feaces (canto V), onde é descoberto por Nausícaa, filha do rei Alcínoo. 

Bem recebido pelo rei (cantos VI a VIII), Ulisses mostra sua força e destreza em competições esportivas que se seguem a um banquete. Na terceira parte, "Narração de Ulisses" (cantos IX a XII), o herói passa a contar a Alcínoo as aventuras que viveu desde a saída de Tróia: sua estada no país dos Cícones, dos Lotófagos e dos Ciclopes; a luta com o ciclope Polifemo; o episódio na ilha de Éolo, rei dos ventos, onde seus companheiros provocam uma violenta tempestade, que os arroja ao país dos canibais, ao abrirem os odres em que estão presos todos os ventos; o encontro com a feiticeira Circe, que transforma os companheiros em porcos; sua passagem pelo país dos mortos, onde reencontra a mãe e personagens da guerra de Tróia. 

Na quarta parte, "Viagem de retorno", o herói volta à Ítaca, reconduzido pelos feaces (canto XIII). Apesar do disfarce de mendigo, dado por Atena, Ulisses é reconhecido pelo filho, Telêmaco, e por sua fiel ama Euricléia, que, ao lavar-lhe os pés, o identifica por uma cicatriz. Assediada por inúmeros pretendentes, Penélope promete desposar aquele que conseguir retesar o arco de Ulisses, de maneira que a flecha atravesse 12 machados. 

Só Ulisses o consegue. O herói despoja-se em seguida dos andrajos e faz-se reconhecer por Penélope e Laerte. Segue-se a vingança de Ulisses (cantos XIV a XXIV): as almas dos pretendentes são arrastadas aos infernos por Hermes e a história termina quando Atena impõe uma plena reconciliação durante o combate entre Ulisses e os familiares dos mortos. 

A concepção do poema é predominantemente dramática e o caráter de Ulisses, marcado por obstinação, lealdade e perseverança em seus propósitos, funciona como elemento de unificação que permeia toda a obra. 

Aí aparecem fundidas ou combinadas uma série de lendas pertencentes a uma antiqüíssima tradição oral com fundo histórico. Há forte crença de que a Odisséia reúna temas oriundos da época em que os gregos exploravam e colonizavam o Mediterrâneo ocidental, daí a presença de mitos com seres monstruosos no Ocidente, para eles ainda misterioso. 

Pela extrema perfeição de seu todo, esse poema tem encantado o homem de todas as épocas e lugares. É consenso na era moderna que a Odisséia completa a Ilíada como retrato da civilização grega, e as duas juntas testemunham o gênio de Homero e estão entre os pontos mais altos atingidos pela poesia universal. 


Fonte: www.nomismatike.hpg.ig.com.br

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Crônica do Dia - O ensino superior do futuro - Gustavo Loschpe




Por Gustavo Ioschpe para Revista VEJA 

 Há uns anos, fui dar uma palestra em uma universidade privada. Perguntei ao diretor qual era o maior desafio deles. Imaginei que ele fosse me dizer que eram outras universidades semelhantes, ou a universidade pública, mas não: “O que nos atrapalha é esse pessoal que engana os alunos dizendo que curso de dois anos é ensino superior”. Eis um bom retrato do nosso ensino superior: não só pequeno como atrasado. Hoje, nosso primeiro problema é termos uma taxa de matrícula de 22%, entre um terço e um quarto da dos países desenvolvidos, metade da de países como Chile, Venezuela e Peru e abaixo da de todos os Brics, exceto a Índia. 

 A principal explicação para esse acanhamento no ensino superior é a falência da nossa educação básica. Mas, se algum dia consertarmos esse problema (crença que se aproxima cada vez mais do dito sobre o segundo casamento: é o triunfo da esperança sobre a experiência), nossos graduandos se defrontarão com um modelo de ensino superior defasado. Esse não é um problema só brasileiro. No começo do ano participei de um seminário sobre ensino superior em países em desenvolvimento na Universidade de Oxford, e o que se discutiu lá, mais aquilo que já vem sendo pensado aqui, nos permite ter uma ideia de como será o ensino superior da próxima geração. Eis os horizontes mais relevantes (agradeço a Jamil Salmi, até recentemente líder da área de ensino superior do Banco Mundial, por muitos dos exemplos abaixo). 

 *Flexibilidade* - Durante séculos, o ensino superior foi algo que acontecia em universidades, em cursos de quatro anos, preparando o aluno para uma carreira específica. No futuro, o ensino se dará em universidades, em escolas técnicas e em outros formatos que ainda não conhecemos que permitam o *lifelong learning*, o aprendizado ao longo de toda a vida. Os cursos poderão ser presenciais ou on-line. Mais frequentemente, serão das duas formas. Terão dois, três ou quatro anos de duração. Tratarão de várias áreas do conhecimento, e estarão mais preocupados em ensinar a pensar do que em transmitir conhecimentos e habilidades específicos, pois a obsolescência do saber será ainda maior do que é hoje. 

 *Menor duração* – O Brasil tem três tipos de formação: bacharelado, licenciatura e curso de tecnólogo. Esse último dura entre dois e três anos, focado no desenvolvimento de uma competência profissional específica, normalmente para cargos de salário médio. No Brasil, só 10% das matrículas em cursos presenciais está nesse tipo de curso. Na China, é mais da metade. Nos países desenvolvidos (OCDE), é um terço (dados disponíveis em twitter.com/gioschpe). Em vez de ser percebido como a melhor alternativa para a pessoa que busca um diferencial rápido e eficaz no mercado de trabalho, o curso de tecnólogo ainda é erroneamente visto como um “primo pobre” do ensino “de verdade”. 

 *Laços com o ensino básico* – Nas últimas décadas, o ensino superior se massificou e deselitizou (o Brasil ainda chegará lá), e o ritmo de inovação no mercado de trabalho fez com que um diploma de uma boa universidade não fosse mais suficiente para uma carreira cada vez mais longa. Assim, a distinção entre educação básica e superior vai ter cada vez menos sentido. Ambas estarão dentro de um contínuo, que começa na pré-escola e só termina com a morte. Na Alemanha, as faculdades de engenharia e escolas politécnicas já estão em contato com jardins de infância para atrair futuros bons engenheiros. No Brasil, teremos um problema adicional a resolver: as áreas de licenciatura e pedagogia, hoje patinhos feios da academia, terão de ganhar em importância e prestígio. As universidades terão de entender que sem um aluno bem formado no ensino básico não conseguirão fazer o seu trabalho com qualidade. 

 *Tecnologia*– No Brasil, só reconhecemos diplomas de instituições brasileiras, mas certamente em breve validaremos o ensino dado nas melhores universidades do mundo. Hoje já é possível assistir, on-line e sem custo, a aulas de instituições como o MIT e Stanford. Nos EUA, um sexto das matrículas do ensino superior já é feito em cursos on-line. O Brasil está chegando perto, com uma em cada sete, depois de uma explosão que levou o número de matriculados de 200 000, em 2006, para 930 000, em 2010. Stanford, Purdue e Duke são universidades que já gravam todos os seus cursos, para que os alunos possam baixá-los e rever as aulas quantas vezes quiserem. Há algumas semanas, a Apple lançou uma plataforma de venda de livros didáticos para o iPad. Além do texto, tem vídeos, animações, lugar para resumos. Em breve, serão compartilháveis. 

 *Desabou a Torre de Marfim* – À medida que o ensino superior se massifica, desaparece a noção da academia como instituição alheia (e superior) ao mundo “real”. Haverá cada vez mais forte competição entre instituições pelo aluno, o que faz com que as universidades precisem se desdobrar para atender às demandas dos alunos e de seus futuros empregadores. A Universidade do Sul da Flórida dá uma garantia a seus alunos de engenharia: se, durante seus cinco primeiros anos no mercado de emprego, eles sentirem a necessidade de competências que não aprenderam na faculdade, podem voltar e aprendê-las de graça. 

 *Currículo* – Oscar Wilde (1854-1900) escreveu que nada que vale a pena saber pode ser ensinado. O desafio das universidades do futuro será ensinar apenas aquilo que vale a pena saber, o que demandará novos currículos e nova didática. Um exemplo é o Olin College of Engineering, nos EUA. O ensino é centrado na resolução de problemas, sempre em equipes. Não há departamentos acadêmicos e os professores não recebem cátedra. O currículo é baseado em um triângulo entre engenharia (o projeto é exequível?), empreendedorismo (é viável?) e humanas (é desejável?). 

*Interdisciplinaridade* – Os problemas do mundo real são complexos e não respeitam fronteiras departamentais. A universidade do futuro terá de respeitar essa realidade. Todo aluno de graduação nos EUA passa por todas as grandes áreas do saber. Só no início do terceiro ano é que ele precisará decidir qual será a sua “major”, a área em que vai se diplomar. Antes disso, o futuro cientista estuda sociologia e o historiador estuda matemática. A especialização virá mesmo só na pós-graduação. Algumas universidades federais no Brasil tomaram a iniciativa de criar um “bacharelado interdisciplinar”. É um bom começo, ainda que a iniciativa seja limitada pelo fato de que o aluno estuda apenas uma de quatro grandes áreas (artes, humanidades, saúde e ciência e tecnologia).

 *Nada é de graça* – Um sistema educacional que matricule perto de 100% dos jovens (EUA, Finlândia e Coreia do Sul já estão chegando perto disso) é caro. Não é possível estender esse benefício a número tão grande de alunos e esperar que os contribuintes paguem a conta. Com exceção de México, República Checa e países escandinavos, todos os países da OCDE cobram mensalidades de seus alunos em universidades públicas. Passaremos por mais algumas invasões de reitorias, mas chegaremos lá. 

Revista Veja 

Te contei, não ? - Cadáver no meio do caminho - Nelson Ascher - Revista Veja




Que os 90 anos da Semana de Arte Moderna sejam comemorados oficial e oficiosamente de maneira tão ampla, geral e irrestrita poderia levar um estrangeiro desavisado a supor que, no Brasil, a pintura é mais apreciada do que na Itália, a música erudita mais ouvida do que na Alemanha e a poesia mais lida do que na Rússia. Afinal, que eu saiba, nenhum outro país devota tanta atenção a eventos artístico-literários de seu passado, e a unanimidade com que nossa Semana é cultuada pela mídia, pelas autoridades e pelo sistema escolar só encontra paralelo, por exemplo, na intensidade reverencial com que os franceses celebram sua própria revolução. O fato é que a Semana, ela mesma parte então das comemorações do centenário da independência nacional, acabou se convertendo num importante acontecimento histórico, um momento que determinou como os brasileiros, ou talvez, como certa elite e a intelectualidade, se viam – e o que desejavam ser “quando crescessem”. 

 No entanto, se das generalidades complacentes, descermos a minúcias das preocupações e das discussões concretas de então sobre a natureza do Brasil e o caráter de seus habitantes, constataremos quão remotas elas se nos afiguram hoje em dia, tão distantes do Brasil da Bossa Nova e da construção de Brasília quanto este está do país do BBB e dos bailes de funk. 

Sucede, porém, que a maioria dos debates atuais sobre arte e a literatura, inclusive sobre as manifestações mais recentes destas, continua a se realizar sob o signo do modernismo, como se este, mais do que a ruptura que pretendia representar com o passado imediato, tivesse, para bem ou mal, acabado por determinar praticamente um século de produção nacional. 

A questão, portanto, é se isso, ao fim e ao cabo, foi para o bem ou para o mal, se o modernismo segue fecundando nossa cultura ou se tornou um peso morto. O modernismo pretendia ser e foi um movimento pan-artístico que, logo de início, já se manifestou na prosa e na poesia de Oswald e Mário de Andrade (seus fundadores e teóricos), na pintura de Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, na escultura de Victor Brecheret, na música de Villa Lobos e até na sociologia e historiografia de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda. 

Mas, se mesmo nos dias de agitação no teatro Municipal, música e palestras como a de Graça Aranha foram recebidas com mais entusiasmo do que a prosa de ficção e sobretudo a poesia (que gerou escândalo e protesto), esta última é que se encontra no centro do movimento (e de boa parte dos modernismos internacionais também), seja pela importância dos poetas participantes e dos que viriam depois, seja porque muitas das questões giravam em torno de problemas de linguagem. 

Ademais, os literatos envolvidos viam-se como missionários, pois era a eles que cabia –esta talvez sua principal missão--, denunciar os males decorrentes do atraso (e representados pela literatura imediatamente pregressa que combatiam furiosamente), promovendo sua solução ( especialmente, como se veria depois) através da transformação do Estado. Corbis Latinstock 

 O poeta franco-suíço Blaise Cendrars: influência sobre várias fases do modernismo brasileiro Os literatos modernistas retomaram diversas inclinações e até propostas tantos literário-culturais quanto políticas de seus antecessores românticos, a começar pelo nativismo e pelo indianismo. Um século antes os românticos se haviam proposto criar a literatura que contribuísse para individualizar e projetar no cenário internacional um novo estado-nação, enquanto seus sucessores modernistas, diagnosticando o insucesso pelo menos parcial de tal projeto, resolveram voltar a implementá-lo de forma revista. 

Convém lembrar que, mais do que em outros países, o modernismo brasileiro que veio festivamente a público naquela semana paulistana de 1922 surgiu menos como reflexão a respeito da modernização do que como um capítulo intencional dela e, em vez de ser criado por indivíduos solitários ou grupos radicais e marginais, foi ativamente incentivado e promovido pelas elites econômicas e políticas locais, as mesmas elites, diga-se de passagem, que, na década seguinte, estimulariam a criação da USP, instituição cujo papel na canonização do modernismo foi fundamental. 

 Talvez essa confluência feliz ou infeliz de projetos estéticos por um lado e sócio-políticos e econômicos por outro ajude a explicar a maior diferença do modernismo brasileiro em face dos demais, a saber, seu nacionalismo.

 “Redescobrir o Brasil” era uma de suas metas prioritárias e, quem sabe, a mais insistente. Tanto à direita quanto à esquerda e mesmo na sua vertente mais anárquica, a antropofágica, a tarefa que os modernistas se colocavam era a de estabelecer uma identidade nacional própria e a proclamação de uma independência que ia da lingüística (em relação ao português de Portugal) à imaginativa. Claro que, paradoxalmente, buscava-se essa independência imaginativa com recursos aprendidos dos outros “ismos” internacionais – e o maior fornecedor destes foi o poeta e prosador suíço-francês Blaise Cendrars que, amigo dos modernistas, visitou várias vezes o Brasil e, através de suas fases, inspirou coisas tão distintas entre si quanto a poesia “Pau Brasil” de Oswald de Andrade, os “poemas negros” de Raúl Bopp e, em parte, os longos poemas urbanos de Luis Aranha Pereira. 

Em todo caso, nossos literatos viam com entusiasmo o ingresso do país numa modernidade que, por seu turno, apresentava-se a eles como algo que, absolutamente positivo, exigia o repúdio combativo a qualquer nostalgia passadista e ao peso do atraso. 

Tratava-se, assim, se comparado aos europeus, de um modernismo ingenuamente otimista. E nem podia ser diferente, pois faltava-lhes (ao que parece, até mesmo de segunda mão) a experiência central que, no Velho Mundo, interpôs-se entre as fases inicial e madura dos modernismos, enchendo-os de dúvidas, recalcitrâncias e até de medo em relação ao poder redentor da modernidade. 

Essa experiência, a da moderna guerra industrializada, capaz de mobilizar e aniquilar milhões de pessoas, forçou, durante e depois do conflito de 1914-18, literatos e artistas europeus a questionar todas as suas certezas, todas as soluções simples ou simplistas em que acreditavam, resultando em obras que, muito mais complexas e nuançadas, incorporaram em definitivo uma visão trágica da vida. 

Com alguns anos de defasagem, essa visão se patenteou em todo o Velho Mundo, mesmo entre os futuristas russos e demais intelectuais do continente que haviam de início aceito a Revolução Russa como modernização alternativa e livre de problemas, salvo, é claro, aquele constituído pelos “inimigos” de classe e do futuro. 

 Seja como for, quando as melhores cabeças europeias já viam a própria modernização como inevitabilidade trágica, os jovens brasileiros, dispostos a tirar o atraso nacional mas desasados eles mesmos em mais de uma década, apenas começavam a propagandear suas idéias ingenuamente redentoras, às quais logo se aliou uma militância esquerdista não menos ingênua. 

Daí que, quando o pessimismo sombrio já tomara as artes europeias, suas contrapartidas brasileiras, julgando-se finalmente em plena sintonia com os centros produtores internacionais, exultavam no humor, que, na década de 20, se tornaria o aspecto mais característico do que de melhor se escreveu no país. 


Assim, quando nosso modernistas festejavam e inventavam o poema-piada, o anglo-americano T.S. Eliot publicava, precisamente em 1922, um poema significativamente intitulado "A Terra Devastada". Não se trata, é claro, de criticar os modernistas por estarem atrasados em relação a uma suposta linha evolutiva da cultural ocidental e, muito menos, de lhes criticar o humor, algo essencialmente saudável e amiúde ausente da arte que se pretende “séria” (E, deixando de lado sua chatice missionário-patriótica, o que o próprio Mário tem de melhor é Macunaíma com seu humor cheio de estranhamento até similar um pouco ao dos ingleses de Monthy Python.)

A questão é que, não só no plano literário-artístico, mas também no sócio-econômico e político, os modernistas –e boa parte das grandes mentes brasileiras antes e depois— pretendiam emular e alcançar modelos estrangeiros, ignorando quase sempre o lado sombrio destes bem como o caráter trágico das condições mais gerais em que surgiram. 

A principal defasagem ou diferença brasileira, decorrente talvez de o país, para sua sorte, ter permanecido em geral isolado dos grandes cataclismos mundiais, sempre foi essa sua ingenuidade inocente, e esta os primeiros modernistas nem sabiam que precisava ser questionada. 

Quando ela o foi, isto deveu-se menos ao peso de uma realidade insuportável do que ao temperamento individual deste ou daquele escritor, como Drummond. Malba O Abaporu, de Tarsila do Amaral: arte sem sombras, que acreditava na redenção pelo humor Para todos os efeitos, os resultados poéticos mais satisfatórios do primeiro modernismo não se encontram, porém, nem na poesia de Mário nem da de Oswald, a primeira mais importante por sua função histórica e de exemplificação de teses teóricas, a segunda mais relevante por seu aspecto provocativo e de instigação. 

São, isto sim, os poucos poemas breves e longos de dois poetas mais jovens, o gaúcho Raúl Bopp e o paulistano Luis Aranha Pereira, ambos longevos mas pouco produtivos, os que mais recompensam a leitura não condicionada ou dirigida aos estudos literários e históricos. Amigo de Oswald, Bopp escreveu, Cobra Norato, a grande mini-epopéia primitivista/indigenista e devidamente informada pelos estudos de antropologia e mitologia nativa, uma obra que compete com, ou talvez complemente, Macunaíma, mas que, ao contrário desse, nem tem seus pontos baixos nem defende tese alguma. 

Amigo mais jovem de Mário, Aranha, por seu turno, nos poucos anos que, antes e depois da Semana, dedicou à poesia, concentrou-se na exploração futuristizante da grande metrópole e foi o único a retomar, em seus dois principais poemas longos, a lição do poema fundador de todos os modernismos, “Zone” de Guillaume Apollinaire, percorrendo São Paulo com olhos de celebração informada. 

Ambos foram também mestres precoces (e mais refinados do que os dois poetas mais velhos) do verso livre e seus recursos. Nem se deve mais omitir que, entre os melhores produtos da experimentação irreverente desses anos, se encontra a Divina Increnca de Juó Bananere, um livro tão engraçado quanto esteticamente sério de paródias escritas no paulistanês macarrônico dos imigrantes italianos. Mais problemático é até que ponto, desde o princípio, o modernismo se impôs como a escola que determinou as preocupações e condicionou as opções estilísticas de praticamente todos os escritores e poetas que vieram depois. 

Se é, aliás, que há um “depois”, já que o modernismo não se limita à sua primeira fase “heróica” dominada por Mário e Oswald, mas prossegue numa segunda geração, a dos grandes poetas –de Drummond e Murilo Mendes a Vinícius de Morais e João Cabral de Melo Neto—e dos prosadores mais substanciais, como José Lins do Rego, Jorge Amado e sobretudo Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. Pode-se inclusive argumentar que o vanguardismo dos anos 50/60 representado por concretistas e neo-concretistas fosse uma espécie de terceira geração modernista. 

E, após esta, tanto os tropicalistas quanto os poetas marginais se inspiraram, com maior ou menor sucesso, diretamente em 1922 -- aqueles na idéia de uma cultura sincrética que seria capaz, “antropofagicamente”, de, devorando a produção estrangeira, convertê-la em algo a um tempo novo e brasileiro, estes na proposta de uma lírica que, em linguagem coloquial, despida de ornamentos e vazada em versos livres, se ocupasse das aparentes trivialidades do cotidiano.  

Mas, se Caetano Veloso e Gilberto Gil superaram rapidamente sua fase tropicalista, quase toda a poesia brasileira e boa parte de sua prosa continuam operando dentro de limites estabelecidos em torno de 1922, algo que suscita não poucas indagações: com a batalha em prol da dignidade do coloquial ganha há gerações, será esta a única modalidade do português brasileiro na qual é lícito escrever? Com o verso livre transformado em algo compulsório, a atitude “moderna” hoje exigiria a revolta contra ele? 

Se um poema como “Amor/Humor” de Oswald tinha lá sua graça (já meio retardatária) há mais de oito décadas, assim como o célebre urinol que Marcel Duchamp expôs com o nome de “A Fonte”, quantas vezes e por quanto tempo a idéia de “ready made” pode ser repetida antes que isso seja chamado de tolo e repetitivo? Será, além disso, que o público continua tão interessado quanto os literatos e, em especial, os professores de humanidades na “redescoberta do Brasil” e outras missões? 

Finalmente, será que não está também na hora de deixar de celebrar esse grande monumento de pedra no meio do caminho chamado modernismo, bem como a Semana de 22, deixando finalmente o público em geral ler o que o interesse e chegar às conclusões que quiser? Isso, sim, seria absolutamente moderno.

Revista Veja 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Te Contei, não ? - Otelo - William Shakespeare



Otelo (William Shakespeare) 

 A linguagem de Shakespeare, rica e criadora, contém todos os elementos anglo-saxônicos e latinos da língua inglesa, que o poeta enriqueceu com um maior número de citações, locuções e frases proverbiais do que qualquer outro autor, respeitando a versão original, mas fez algumas modificações: Shakespeare busca a comédia e o romance naturalmente, mas chega à tragédia por meio da violência e da ambivalência; atribuiu ao Mouro um caráter mais nobre e refinado, e também uma função de destaque em Veneza; aumentou a importância de Emília na trama; acentuou a malignidade de Iago; criou novos personagens e eliminou outros. 

Obviamente, Shakespeare não é Lord Byron, que exibe por toda a Europa o coração sangrando; contudo, a imensa agonia que sentimos ao ver Otelo matar Desdêmona é informada não apenas por uma intensidade exterior, mas, também, interior e é justamente este fato que faz de Otelo uma tragédia do ciúme, peça de construção perfeita, onde a psicologia do Mouro ciumento e a da maldade diabólica de Iago, bem como a lógica dos acontecimentos - tradução de uma fatalidade inexorável - conduzem o espectador ao clima dos grandes modelos de tragédias gregas citadas por Aristóteles. 

Bem encenada, Otelo será um trauma para a platéia, ainda que momentâneo; e desta forma o foi para Harold Bloom que afirma que a obra o apavora ainda mais do que outras peças shakesperianas, pois se trata de uma dor imponderável, desde que se conceda a Otelo a imensa dignidade e o valor que tornam a degradação do personagem algo tão terrível. 

"Ó cão espartano, mais feroz do que a angústia, a fome ou o mar! Olha o fardo trágico desta cama! É trabalho teu (...)! Quanto a vós, governador incumbe o castigo deste trabalho infernal. Determinai a hora, o lugar, a tortura... É preciso que seja terrível! Quanto a mim, embarco de imediato e vou ao Senado relatar, com o coração acabrunhado esta dolorosa ocorrência!". 

Shakespeare neste aspecto é um pouco mais otimista, mas Iago não conseguirá escapar do destino certo e justo. Quanto às versões para o cinema, uma das melhores adaptações é a do diretor Oliver Parker que foi também roteirista do filme Otelo de 1995. 

Segue fielmente nos diálogos a poesia dramática shakespereana e coloca pela primeira vez um Otelo negro. Em outras versões, tanto para teatro como para cinema em que Orson Welles interpreta o mouro, tendo escurecido o rosto para tal, nunca se havia utilizado de uma pessoa negra, o que vem a rechaçar uma das causas de confronto da peça, que é o preconceito racial; e com grande mérito o autor Laurence Fishburne encarna perfeitamente a divindade de Otelo. 

Kenneth Brannagh, grande discípulo de Shakespeare da atualidade, está perfeito na interpretação do vilão Iago piscando maliciosamente para o público e mostrando todo o cinismo do personagem e dizendo: "Quero que o Mouro me agrade, goste de mim e recompense-me por haver feito dele um astro insigne e perturbado sua paz e quietude até que ele fique louco!". 

É uma versão interpretada e filmada sábia e brilhantemente. Nas próximas páginas, vamos adentrar numa análise mais literária da obra. 

 · Resumo da Obra 

 A tragédia Otelo foi publicada pela primeira vez por volta de 1622. No entanto, sua composição é datada de 1604. Seu personagem principal, que empresta o nome à obra, é um general mouro que serve o reino de Veneza. 

Toda a história gira em torno da traição e da inveja. Inicia-se com Iago, alferes de Otelo, tramando com Rodrigo uma forma de contar a Brabâncio, rico senador de Veneza, que sua filha, a gentil Desdêmona, tinha se casado com Otelo. Iago queria vingar-se do general Otelo porque ele promoveu Cássio, jovem soldado florentino e grande intermediário nas relações entre Otelo e Desdêmona, ao posto de tenente. 

Esse ato deixou Iago muito ofendido, uma vez que acreditava que as promoções deveriam ser obtidas "pelos velhos meios em que herdava sempre o segundo posto o primeiro" e não por amizades. 

Brabâncio, que deixara a filha livre para escolher o marido que mais a agradasse, acreditava que ela escolheria, para seu cônjuge, um homem da classe senatorial ou de semelhante. 

Ao tomar ciência que sua filha havia fugido para se casar com o Mouro, foi à procura de Otelo para matá-lo. No momento em que se encontraram, chega um comunicado do Doge de Veneza, convocando-os para uma reunião de caráter urgente no senado. 

Durante a reunião, Brabâncio, sem provas, acusou o Mouro de ter induzido Desdêmona a casar-se por meio de bruxarias. Otelo, que era general do reino de Veneza e gozava da estima e da confiança do Estado por ser leal, muito corajoso e ter atitudes nobres, fez, em sua defesa, um simples relato da sua história de amor que foi confirmado pela própria Desdêmona. Por isso, e por ser o único capaz de conduzir um exército no contra-ataque a uma esquadra turca que se dirigia à ilha de Chipre, Otelo foi inocentado e o casal seguiu para Chipre, em barcos separados, na manhã seguinte. 

Durante a viagem uma tempestade separou as embarcações e, devido a isso, Desdêmona chegou primeiro à ilha. Algum tempo depois, Otelo desembarca com a novidade que a guerra tinha acabado porque a esquadra turca fora destruída pela fúria das águas. 

No entanto, o que o Mouro não sabia é que na ilha ele enfrentaria um inimigo mais fatal que os turcos. Em Chipre, Iago com raiva de Otelo e Cássio, começou a semear as sementes do mal, ou seja, concebeu um terrível plano de vingança que tinha como objetivo arruinar seus inimigos. 

Hábil e profundo conhecedor da natureza humana, Iago sabia que de todos os tormentos que afligem a alma, o ciúme é o mais intolerável. Ele sabia que Cássio, entre os amigos de Otelo, era o que mais possuía a sua confiança. Sabia também que a sua beleza e eloqüência eram qualidades que agradam as mulheres, ele era o tipo de homem capaz de despertar o ciúme de um homem de cor, como era Otelo, casado com uma jovem e bela mulher branca. 

Por isso, começou a realizar o seu plano. Sob pretexto de lealdade e estima ao general, Iago induziu Cássio, responsável por manter a ordem e a paz, a se embriagar e envolver-se em uma briga com Rodrigo, durante uma festa em que os habitantes da ilha ofereceram a Otelo, que estava na companhia de sua amada. 

Quando o Mouro soube do acontecido, destituiu Cássio do seu posto. Nessa mesma noite, Iago começou a jogar Cássio contra Otelo. Ele falava, dissimulando um certo repúdio a atitude do general, que a sua decisão tinha sido muito dura e que Cássio deveria pedir à Desdêmona que convencesse Otelo a devolver-lhe o posto de tenente. Cássio, abalado emocionalmente, não se deu conta do plano traçado por Iago e aceitou a sugestão. 

Dando continuidade ao seu plano, Iago insinuou a Otelo que Cássio e sua esposa poderiam estar tendo um caso. Esse plano foi tão bem traçado que Otelo começou a desconfiar de Desdêmona. Iago sabia que o Mouro havia presenteado sua mulher com um lenço de linho, o qual tinha herdado de sua mãe. 

Otelo acreditava que o lenço era encantado e, enquanto Desdêmona o possuísse, a felicidade do casal estaria garantida. Sabendo disso e após conseguir o lenço através de sua esposa Emília que o havia encontrado, Iago disse a Otelo que sua mulher havia presenteado o amante com ele. 

Otelo, antes tão equilibrado, já estava enciumado, e pergunta à esposa sobre o lenço e ela, ignorando que o lenço estava com Iago, não soube explicar o que havia acontecido que ele havia sumido. Nesse meio tempo, Iago colocou o lenço dentro do quarto de Cássio para que ele o encontrasse. 

Depois, Iago fez com que Otelo se escondesse e ouvisse uma conversa sua com Cássio. Eles falaram sobre Bianca, amante de Cássio, mas como Otelo só ouviu partes da conversa, ficou com a impressão de que eles estavam falando a respeito de Desdêmona. 

Um pouco depois, Bianca chegou trazendo enciumada um lenço que estava no quarto de Cássio e discutiram sobre a origem do mesmo. Vale ressaltar que o lenço era, como todo lenço feminino, fino e delicado, isso significa que quando Otelo o deu para Desdêmona, ele não a presenteou com um simples lenço, na verdade o que ele deu à ela foi tudo o que há de mais fino e delicado existente em sua pessoa. 

Otelo ficou fora de si ao imaginar que Desdêmona havia desprezado tudo isso dando o lenço a um outro homem. 

As conseqüências disto foram terríveis: primeiro Iago, jurando lealdade ao seu general disse que para vingá-lo mataria Cássio, mas sua real intenção era matar Rodrigo e Cássio simultaneamente porque eles poderiam estragar seus planos. No entanto, isso não ocorreu conforme suas intenções, Rodrigo morreu e Cássio apenas ficou ferido. 

Depois Otelo, totalmente descontrolado, foi a procura de sua esposa acreditando que ela o havia traído e matou-a em seu quarto. Shakespeare faz da cena um sacrifício religioso, dotado de conteúdo contrateológico tão sombrio quanto o niilismo de Iago e o ciúme “divino” de Otelo. Após isso Emília, esposa de Iago, sabendo que sua senhora fora assassinada revelou a Otelo, Ludovico (parente de Brabâncio) e Montano (governador de Chipre antes de Otelo) que tudo isso foi tramado por seu marido e que Desdêmona jamais fora infiel. Iago matou Emília e fugiu, mas logo foi capturado. 

Otelo, desesperado por saber que matara sua amada esposa injustamente, apunhalou-se, caindo sobre o corpo de sua mulher e morreu beijando a quem tanto amara. Ao finalizar a tragédia Cássio passou a ocupar o lugar de Otelo e Iago foi entregue as autoridades para ser julgado. 

 1- Análise Dos Personagens 

 Otelo - General mouro e nobre a serviço da República de Veneza. Segundo Harold Bloom, dentro de suas óbvias limitações, Otelo, de fato é "nobre": seu consciente antes da queda, está sob firme controle, sendo justo e absolutamente digno, dotado de perfeição inata; quando Otelo, sem dúvida, a espada mais ágil do lugar, quer separar uma briga de rua basta um comando: "Embainhai vossas armas reluzentes, para que não embacieis o orvalho...". Ainda é a representação mais tocante da vaidade e do temor masculinos com relação à sexualidade feminina e, por conseguinte, da equação masculina entre os medos da traição e da morte. O Mouro é impotente diante de Iago; tal impotência é o elemento mais angustiante da peça, à exceção, talvez da dupla fragilidade de Desdêmona, com relação ao marido e a Iago. E para Iago, ele representava tudo, porque a guerra era tudo; sem Otelo, Iago é nada, e ao guerrear contra Otelo, Iago luta contra a ontologia. Interessante notar que Shakespeare conferiu a Otelo capacidade de expressão curiosamente heterogênea, a um só tempo, singular e desarticulada, e, propositadamente, falha. O Mouro afirma ter sido guerreiro desde os sete anos de idade; mesmo supondo que a afirmação seja hiperbólica, temos de convir que Otelo tem plena consciência de que sua grandeza foi conquistada à custa de muito suor. Contudo, apesar de toda a fama, Otelo denota certa insegurança, ás vezes, manifesta em seu discurso rebuscado e barroco, satirizado por Iago como "frases empoladas de termos de militança". A dor memorável, ou a memória induzida pela dor, emana de uma ambivalência, ao mesmo tempo cognitiva e afetiva, podemos observar isto, quando, conscientemente Otelo ao se casar com Desdêmona, põe em risco a auto-imagem construída a duras penas, e tem premonições corretas do caos se o amor fracassar: "Pobre querida! Quero ser maldito se não te amo! E no dia em que eu deixar de te amar, que o universo se converta de novo em caos!".

 Desdêmona - cujo próprio nome em grego significa "desventurada", prenunciando o destino que a aguarda. É uma jovem nobre, pretendida por vários jovens das melhores famílias da República, não apenas por sua beleza, mas também por seu rico dote. Ela era "uma jovem tão tímida, de espírito tão sossegado e calmo, que corava de seus próprios anseios!". Tais características ficam explícitas na atitude de seu pai, que ao saber que ela se casou com o Mouro, atribuiu tal fato à bruxaria. Otelo fala claramente como se deu o amor entre ambos: "ela me amou pelos perigos que corri, e eu a amei pela pena que ela teve!". Desdêmona, de bom grado, deixa-se seduzir pelo romance ingênuo e arrebatador da autobiografia de Otelo que provoca nela "um mundo de suspiros". O Mouro não é apenas nobre; a saga de sua vida faz "uma menina que sempre foi meiga" (segundo Brabâncio, seu pai) "deixar-se apaixonar por alguém que, antes disso, ela não fitaria sem horror!". Desdêmona, figura do Alto Romantismo, séculos à frente de seu tempo, cede ao fascínio da conquista, se é que se pode usar o verbo "ceder" para descrever entrega tão voluntária e direta. Todo esse perfil singelo que envolve Desdêmona sofre uma brusca alteração quando ela abandona a sua família e, apesar das diferenças, vai viver ao lado de Otelo em sua vida aventurosa de militar. O fim de Desdêmona é extremamente triste: além de ter sua imagem de esposa dedicada maculada, ela é abandonada por Deus, ou seja, nos seus últimos momentos de vida, não teve sequer o consolo da religião; Shakespeare, desta forma promove imenso "pathos" ao só revelar Desdêmona em toda a sua natureza e esplendor quando temos certeza de que está condenada e como uma ópera, Shakespeare permite a ela apenas na hora da morte, desobrigar Otelo, o que seria algo incrível, não fosse ela, segundo a tocante de Alvin Kernan, "a palavra shakespereana que significa amor". Somos levados a crer que essa terá sido a mais pura das jovens, tão fiel ao próprio assassino que as últimas palavras, exemplares, são quase irônicas, diante da degradação de Otelo: "Dá lembranças minhas ao meu senhor querido... adeus...adeus!". Desdêmona é um personagem que, além de tudo o que já foi dito, nos ajuda a entender um pouco mais do próprio Otelo. Por meio dela nos é revelado os traços morais de Otelo, características essas que contrastam com seu exterior rude. 

Iago - o tempo todo, a falsidade e a corrupção permanecem em segredo. A dissimulação pérfida de Iago reina entre a aparência e a realidade. Para Shakespeare, o mal é insondável e infinito e os personagens depravados invadem o palco como haviam invadido a Corte. Shakespeare assume a tragédia moral de sua época. Segundo Germaine Greer, professora de Literatura Inglesa na Universidade de Warwick, existe um elemento na tragédia de Shakespeare que ela chama de psicomaquia que é uma luta dentro da própria alma que pode ser externalizada de várias formas. Uma delas é o mal atuando sobre o protagonista. Shakespeare mostra ainda como um tipo de mal tende a manifestar-se. O personagem é onipresente. Está em todos os lugares enganando a todos ao mesmo tempo. Para Otelo ele era tudo como um honesto soldado e de bom comportamento. A posição de Iago como porta-bandeira, tendo jurado morrer antes de permitir que as cores de Otelo sejam capturadas em batalha, atesta não apenas a confiança de Otelo, mas a fidelidade de Iago no passado. Paradoxalmente, a devoção quase religiosa por Otelo, um deus da guerra, por parte do fiel Iago, pode ser inferida como causadora da preterição. Iago, conforme apontou Harold Goddard, está sempre em guerra; é um piromaníaco moral, que ateia fogo à realidade. Apesar da sensatez que, decerto, caracterizava seu tirocínio militar, Otelo enganou-se com Iago, artista tão livre de si mesmo. A catástrofe primeira da peça é o que seria chamado de "a queda de Iago", que estabelece um paradigma para a queda de Satã em Milton. O Deus de Milton, assim como Otelo, rebaixa o mais devotado dos seus servidores, e o magoado Satã rebela-se. Incapaz de derrubar o Ser Supremo, Satã derrota Adão e Eva; mas o sutil Iago vai mais longe, pois seu único Deus é o próprio Otelo, cuja queda se torna a vingança maior de Iago, arrasado pela rejeição, talvez, como conseqüência da mesma, sofrendo de uma impotência quase que sexual e de um forte sentimento de perda e fracasso, de não ser mais aquilo que fora. Sua grande bravata - "Nunca mostro quem sou!" - contradiz, propositadamente o apóstolo Paulo: "Com a graça de Deus, sou quem sou!", mas Shakespeare deixa o espectador conhecê-lo a fundo. Ele ri às escondidas de suas maldades e tem o público como seu confidente. Acena e pisca o olho para a platéia com seu olhar matreiro, querendo atrair o público com sua esperteza. Só nós os espectadores conhecemos as intenções de suas maquinações e sua importância é tanta que Shakespeare não sentiu necessidade de revisar o personagem de Iago, perfeição do mal e gênio do ódio. Não há dúvida quanto à centralidade de Iago na peça: a ele são atribuídos oito solilóquios, a Otelo apenas três. Que existe, igualmente, uma certa opacidade, não temos como negar; a tragédia de Otelo é, precisamente, o fato de Iago conhecê-lo melhor do que ele próprio se conhece; à sua maneira excepcional, foi o mais inquisidor e universal dos observadores, possivelmente, inclusive no que diz respeito ao esoterismo espiritual, ainda que sempre levado pelos propósitos de descobrir ou inventar. Iago é figura terrível porque possui habilidades fantásticas, talentos dignos de um fiel devotado cuja fé foi transformada em niilismo. Caim, rejeitado por Javé em favor de Abel, é pai de Iago, assim como Iago é o precursor do Satã de Milton. Iago mata Rodrigo e fere Cássio, mas a idéia de Iago esfaquear Otelo é tão inconcebível para o próprio Iago quanto para nós. Quando somos rejeitados por nosso deus, temos de atingi-lo espiritual ou metafisicamente, e não apenas fisicamente. 


Cássio - jovem matemático florentino que "nunca comandou nenhum soldado num campo de batalha e que conhece tanto de guerra como uma fiandeira". Mesmo assim, foi escolhido por Otelo para ocupar o posto de tenente. Cássio foi o grande intermediário das relações amorosas entre Desdêmona e Otelo e, por isso, gozava da confiança do casal. Ele era amante de Bianca que vivia em Chipre. Cássio era ingênuo, não percebeu que Iago tramava a sua desgraça, deixou-se embriagar enquanto estava de guarda, envolveu-se em uma briga e, por esse motivo, foi destituído do seu posto. Isso levou-o ao desespero e transformou-o em uma verdadeira marionete nas mãos de Iago. Cássio pode ser considerado como personagem coadjuvante, uma vez que Iago se apóia em sua figura para executar seus planos. 

Brabâncio - pai de Desdêmona, ocupava o cargo de senador na República de Veneza. Era um homem rico e mostrou ser totalmente contraditório: antes do casamento de sua filha com Otelo, ele foi recebido várias vezes em sua casa. Depois disso, acusou-o de feitiçaria e teve a intenção de matá-lo. No entanto, quem veio a falecer foi o próprio Brabâncio. 

Emília - mulher de Iago e serviçal de Desdêmona. A princípio sua participação na peça é discreta, mas no final ganha importância. Em nome da honra de sua senhora ela enfrenta o marido, revelando a Otelo que Iago o estava enganando. 

 2- Tempo 

 Na obra Otelo existe o predomínio do tempo psicológico. Isso ocorre devido aos vários monólogos existentes na peça. Esse recurso era muito usado no teatro para revelar o que os personagens estavam pensando. A maioria dos monólogos da obra Otelo é feita por Iago que nos revela toda a interioridade de sua alma tenebrosa. Quando isso ocorre quebra a cronologia do tempo cuja passagem é marcada pela fala dos personagens e, como isso é feito de forma muito sutil, é difícil identificá-lo. O primeiro ato dura uma noite. Entre esse ato e o seguinte existe um intervalo de cerca de uma semana, tempo que durou a viagem de Veneza a Chipre: "em companhia ele a mandou do destemido Iago, cuja vinda ultrapassa nossos cálculos de uma semana". O segundo ato era uma noite. Inicia-se quando os navios desembarcaram em Chipre e termina na noite desse mesmo dia com Iago incentivando Cássio a procurar Desdêmona para que ela intercedesse a seu favor junto a Otelo: "... logo que amanhecer, vou pedir à virtuosa Desdêmona que interceda a meu favor...". O ato III inicia-se no dia seguinte: "Então não vos deitastes? - Oh, não! Raiou o dia quando nos separamos...". Acreditamos que esse ato dure um pouco mais de uma semana. Essa idéia é apoiada na fala de Bianca que se dá no final desse ato: "E a vossa casa eu também ia, Cássio. Uma semana ausente? Sete dias e sete noites...". Por meio dessa fala deduzimos que Cássio, quando chegou à ilha, foi visitar sua amante. Os atos de IV e V duram um dia e uma noite. A fala de Bianca no final do ato III nos dá uma identificação de que esse ato termina durante o dia: "... acompanhai-me um pouco e declarai-me se ainda vos verei antes da noite!". Depois disso não há na obra mais indicações de que os dias se passaram, o que existe são apenas trechos que indicam que anoiteceu: "... é noite alta!" e "Desdêmona dorme, no leito. Uma candeia acesa. Entra Otelo". Com base nos dados do levantamento acima, acreditamos que o tempo interno da obra dure aproximadamente 24 dias. 

3- Espaço 

 O espaço em Otelo não é muito relevante. O primeiro ato da obra ocorre em Veneza e os demais na ilha de Chipre. Em Veneza os espaços são a rua da casa de Brabâncio, uma outra rua não identificada e a Câmara do conselho. Em Chipre, a primeira cena ocorre perto do cais, as demais se dão em ruas não identificadas, diante e em quartos do castelo. Na obra existem espaços abertos e fechados, mas as cenas de maior tensão ocorrem em espaços fechados, como exemplo, podemos citar as mortes de Desdêmona, Otelo e Emília. O espaço também é fechado quando Iago articula seus planos malignos. Às vezes isso se dá nas ruas, espaços abertos, mas a escuridão da noite dificulta a visibilidade e esse espaço torna-se fechado. Iago é um ser tão maquiavélico que usa os espaços para executar seus planos. Ele se aproveita dos espaços fechados para induzir Cássio a envolver-se numa briga. Depois ele usa esse mesmo tipo de espaço para matar Rodrigo e ferir Cássio e ainda na cena em que Iago faz Otelo ouvir apenas parte de sua conversa com Cássio, dando-lhe a impressão que Desdêmona o havia traído. 


 4- Ideologia 

 Nessa tragédia são encontradas várias idéias muito interessantes que, em sua maioria, fazem parte do nosso cotidiano: 

I.) Preconceito racial e religioso: 

O preconceito racial se faz presente em quase toda a obra. É fácil encontrar trechos em que outros personagens zombam de Otelo por causa da sua cor. " Iago - ... Agora mesmo, neste momento, um velho bode negro está cobrindo vossa ovelha branca... / ... Quereis que vossa filha seja coberta por um cabalo berbére e que vossos netos relinchem atrás de vós?". O preconceito religioso é percebido nas falas de Otelo e de Rodrigo: "... e cuja mão, tal como um vil judeu, jogou fora uma pérola mais rica que toda a sua tribo... / cão circuncidado". A circuncisão é uma operação que retirava parte do prepúcio, pele que envolve o pênis. Esse tipo de cirurgia é feita pelo povo judeu para serem confirmados na religião. No Novo e no Velho Testamentos, sempre que é usado o termo circuncidado, faz-se referência aos judeus. 

II.) Contraste entre a realidade e as aparências: 

Iago aparentava ser uma pessoa boa e digna de confiança, mas ele mostrou ser justamente o oposto, ou seja, maligno e traidor, pois o fascínio pelo poder, que vêm a ser o mesmo que o fascínio pelo mal, é inato ao ser humano. De certo modo, a arte de Shakespeare, manifestada através da ruína de Otelo nas mãos de Iago, é por demais sutil para ser parafraseada no ato crítico. Iago insinua a infidelidade de Desdêmona, primeiramente, sem o fazer de maneira direta, apenas cercando a questão de um lado e de outro: "Que a boa fama, para o homem, senhor, como para a mulher, é a jóia de maior valor que se possui. Quem furta a minha bolsa me desfalca de um pouco de dinheiro...". 

III.) Ciúme injustificado: 

Otelo sentia ciúme de sua mulher, sem que ela nunca lhe desse motivos. Foi esse ciúme doentio que permitiu que Iago o enganasse. O grande "insight" de Shakespeare com relação ao ciúme masculino é que o mesmo se trata de uma máscara que oculta o medo de castração na morte. Os homens acham que para eles jamais haverá tempo e espaço suficientes, e encontram na questão da infidelidade feminina, real ou imaginária, um reflexo do próprio fim, a constatação de que a vida há de continuar sem eles e Otelo se torna tão vulnerável. "Por que me casei?", ele exclama, e aponta os próprios "cornos" quando diz a Desdêmona: "Dói-me a cabeça aqui", o que a pobre esposa, inocente, atribui ao cansaço, tendo Otelo passado a noite cuidando do governador ferido. 

IV.) A união de uma mulher branca com um mouro: 

Isso para a época, era uma situação pouco comum e que, se ocorresse de fato, escandalizaria a sociedade, e no pleno desempenho de suas funções, Otelo estaria imune ao charme de Desdêmona, e à franca paixão da jovem pelo mito que ele representava. 

V.) Crítica Política: 

Esse tipo de crítica pode ser visto quando Brabâncio chama Iago de vilão e ele, ironizando, chama-o de senador: "Brabâncio - Sois um vilão! / Iago - E Vós... um senador!". 

VI.) Visões Oníricas (sonhos) 

Observando a leitura de Jorge Luis Borges, podemos constatar a importância dos sonhos e premonições na literatura inglesa, basta observar as histórias de Chaucer que descobriu sua vocação num sonho e de Coleridge que sonhou com a construção de um poema sobre um palácio de Kubla Khan, imperador do Oriente que sonhou o palácio que desejava arquitetar; e Shakespeare utiliza desse recurso em três momentos: o sonho angustiante de Brabâncio, as visões de Otelo a cerca de Desdêmona e a premonição de Desdêmona no leito de morte ao cantar uma canção fúnebre. 



 Ler mais: http://profaclaudiacem804.webnode.com.br/news/resumo-e-analise-da-obra-otelo-william-shakespeare/ 

Crônica do Dia - Ferramenta essencial - Virginia Garcia - Jornal O Globo






A fluência em uma língua estrangeira é uma habilidade cada vez mais requisitada no mundo atual, independentemente de qual seja a profissão. Apesar disso, apenas 5% dos brasileiros têm fluência em inglês, segundo dados do British Council, organização para cultura eEducação do Reino Unido. A mudança deste cenário só acontecerá quando o ensino de idiomas for tratado com a importância que merece dentro do contexto das políticas públicas para a Educação. 

 A legislação brasileira já entende a língua estrangeira como parte fundamental na construção de cidadãos conscientes e integrados com a realidade globalizada que os cerca. Desde pelo menos a primeira metade do século 20, o ensino de outras línguas está previsto em lei, mas sem receber a atenção devida em relação à quantidade de horas de aula ou à formação deprofessores. Nos Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN), de 1998, houve uma mudança significativa de abordagem: está previsto que todo estudante deve ter, em seu currículo Escolar, aulas de idiomas desde o segundo segmento do ensino fundamental (atualmente, do 6 ao 9 ano). 

 O documento também prevê que, a partir do ensino médio, a língua estrangeira faça parte da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, em um reconhecimento da disciplina como uma ferramenta para uma formação mais abrangente e multicultural, fazendo com que os estudantes tenham uma competência linguística sólida o suficiente para acessar informações de diferentes fontes - cuja consequência é uma visão mais rica e diversa sobre o mundo. Para abordar a questão, o British Council, inclusive, realizará, em março, o I Fórum de Língua Inglesa como Política Pública, que reunirá educadores e líderes governamentais para debater medidas para a democratização do ensino do inglês. 

 Para além do sentido da comunicação e da cultura, o aprendizado de idiomas é de extrema importância no mercado de trabalho. Às vésperas da realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, a demanda por profissionais que dominem outras línguas, principalmente o inglês, crescerá exponencialmente. O porte destes eventos internacionais já serviu de incentivo para algumas medidas: desde 2010, a Prefeitura do Rio está implantando o Programa Rio Criança Global, que prevê a inclusão progressiva de aulas da língua no currículo das Escolas públicas municipais desde o 1 ano do ensino fundamental, já que, antes disso, apenas as turmas do 6 ao 9 ano eram contempladas. O objetivo é chegar a 2014 com todas as séries incluídas, o que demanda também a contratação e a capacitação de mais professores. Em 2012, o programa deve incluir aulas de inglês nas turmas de 5 ano da rede, e a meta é que 300 mil alunos no total sejam beneficiados. 

 Esta é uma boa iniciativa, que fará diferença para as oportunidades de milhares de jovens no futuro próximo. Mas, enquanto em outros países, como na Europa, o ensino de línguas estrangeiras já faz parte do currículo desde, pelo menos, a década de 1970, nós ainda temos um longo caminho pela frente. Uma população mais bem educada e preparada para os desafios desta sociedade global em que vivemos será o fator decisivo para o nosso tão almejado desenvolvimento. 

 VIRGINIA GARCIA é diretora de Inglês do British Council

Aconteceu, no LiterATIVO apareceu - Jurubatiba é aberto ao público - Jornal O Globo




Fonte: O Globo, Rio, p. 16 


Parque do Norte Fluminense tem canal navegável de 30km 

 Paulo Roberto Araújo pra@oglobo.com.br 

Quatorze anos depois de sua criação, o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, apontado como a maior joia ecológica do Norte Fluminense, está aberto à visitação. O parque protege uma área de restinga, no litoral entre Macaé e Campos, numa faixa de areia de 44 quilômetros de extensão. Jurubatiba está na relação dos 11 parques que estão na rota dos turistas que virão ao Rio para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. 

Autorizados pelo ICMBio, os passeios ecológicos serão feitos em bugres, em trilhas demarcadas, e em barcos que vão percorrer um trecho de mais de 30 quilômetros do canal Macaé-Campos, que tem 106 quilômetros e foi construído de 1844 a 1861, no tempo do Império, por braços de escravos. O objetivo era escoar a produção de cana-de-açúcar dos canaviais de Campos com destino ao Porto de Macaé. O canal, entretanto, caiu em desuso com a criação da estrada de ferro. Quando foi construído, o Macaé-Campos era o segundo maior canal do mundo, perdendo apenas para o Canal de Suez, no Egito. 

- De barco ou de bugre, as pessoas poderão percorrer trechos do parque onde de um lado fica o Oceano Atlântico e do outro 16 lagoas costeiras intactas, sem contar a fauna e flora endêmica. Será um passeio ecológico e cultural porque os visitantes também poderão conhecer as fazendas histórias e almoçar a feijoada preparada por descendentes de escravos que moram nas senzalas da Fazenda Machadinha - disse o secretário de Indústria, Comércio e Turismo de Quissamã, Haroldo Carneiro. 

A construção do Centro de Visitantes, em Macaé, está garantida com recursos da Petrobras. A urbanização do entorno e dos acessos ao parque será feita pela prefeitura de Macaé. O ambientalista José Vasconcelos Júnior, de Carapebus, lembrou que o parque está localizado em área estratégica, entre Macaé e o futuro Porto de Açu, que carecem de áreas de ecoturismo. 

Secretário de Gestão da cidade, o ambientalista Rômulo Campos comemorou a abertura do parque à população. Ele tem 35 mil fotografias de Jurubatiba e até meados do ano lança um livro sobre o parque: 

- Finalmente será dada uma utilização prática para Jurubatiba. Não adianta apenas preservar o parque sem permitir que as pessoas pudessem usufruir das belezas naturais do único parque de restinga do Brasil - comentou Campos. 

Os interessados em realizar o passeio devem procurar a Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Carapebus - (22) 2768-3311 -, a sede do ICMBio em Macaé - (22) 2765-6024 - ou o Departamento de Turismo de Quissamã, pelo telefone (22) 2768-9300, ramal 9380. Os visitantes serão encaminhados aos condutores capacitados e oficialmente cadastrados. Os passeios são pagos. A taxa deverá ser usada para a manutenção da unidade.

Crônica do Dia - Quem te viu, quem te vê - Nelson Motta





NELSON MOTTA - 
O Estado de S.Paulo 


No tempo da ditadura, Chico Buarque era uma unanimidade nacional, ou quase. Até os generais-presidentes Costa e Silva e Garrastazu Médici apreciavam as suas músicas mais líricas. É possível que alguns militares menos românticos e mais durões não gostassem - mas suas filhas gostavam. 

 Hoje, apesar de viver um dos melhores momentos de sua carreira, em plena maturidade criativa, já com uma obra monumental e lugar de honra na nossa história, Chico, que sempre se acreditou amado, descobriu nos blogs da internet que é (também) odiado. Pelas milícias partidárias que unem a ignorância e a intolerância para desqualificar uma obra e um artista pelas suas opiniões políticas. Em 1968, vaiado pela esquerda universitária, Caetano Veloso gritava em seu célebre discurso: "Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos". Os que hoje xingam Chico atualizam as mesmas palavras. 

 É um clássico da condição humana. A inveja e o ressentimento que se transformam em ódio irracional contra indivíduos vitoriosos, admirados por muita gente, que ganham dinheiro com seu trabalho, que não têm patrão nem comandante e podem viver com liberdade e independência. Sem sequer ler o que escrevem sobre eles. Para quem escreve, como militante anônimo de uma engrenagem coletiva, é a oportunidade para descarregar suas misérias e frustrações pessoais sobre o invejável invejado. Pena que ele não vai ouvir. 

 A política é transitória e contraditória. Pela visão do Zé Dirceu, fã de Chico, os que são contra o aborto e a favor da pena de morte e da maioridade penal aos 16 anos são "de direita". Então a maioria da classe média tão cortejada pelos políticos, que elegeu um governo de esquerda, é "de direita" e não sabe? 

 A ironia é que esta nova e imensa classe média, alardeada como grande vitória de governos progressistas, é cada vez mais conservadora, pelo instinto natural de manter suas conquistas recentes, casa, carro, consumo, emprego, com lei e ordem e sem sobressaltos. E também gosta de Chico Buarque. 

 As paixões políticas passam, a obra artística permanece. Não se afobe não, que nada é pra já.