Durante décadas, o baiano Jorge Amado (1912-2001) foi o maior best-seller brasileiro. O sucesso das muitas dezenas de adaptações para cinema, televisão, teatro e rádio, no entanto, nunca mascarou plenamente a relativa frieza com que a crítica recebeu a obra de Amado, principalmente a partir dos anos 70. Até hoje pouco estudado nas academias, com menos teses que outros monstros sagrados de nossa literatura, Amado foi por muito tempo, se não ignorado por parte considerável da cultura letrada brasileira, tratado com a equidistância dada a produtores de livros vendáveis em série. Uma espécie de Agatha Christie nacional (quem leu um, leu tudo), só poderia ser superado em vendas por um Dan Brown tupiniquim, o carioca Paulo Coelho.
– Tenho a impressão de que os acadêmicos não gostam que a grande população leia. O Jorge Amado, por saber produzir narrativas envolventes, foi banido da relação de autores de relevo estético e histórico – diz o professor da USP Ivan Teixeira, colunista de Metáfora.
Algo semelhante teria acontecido com Erico Veríssimo, diz Teixeira.
– Em São Paulo, a lista da Fuvest (principal vestibular de São Paulo) de 2010, que incluiu Capitães da areia, parece salvar Jorge Amado desse ostracismo. Mas isso ainda é periférico. Merecia estudo mais sistemático e profundo. Rosa e Machado dão prestígio e há um modelo para serem estudados na universidade. Jorge Amado não se ajusta ao modelo acadêmico, por isso quase ninguém o estuda – completa o professor.
– Essa fase de certo descaso pela obra de Jorge Amado já passou – diz o poeta e historiador Alberto da Costa e Silva, da Academia Brasileira de Letras.
– Lembro ter havido sempre grandes críticos e professores universitários que louvavam Jorge Amado e salientavam a enorme importância de sua obra.
Renovado
Agora, o interesse por ler Jorge Amado ganha impulso. A reedição de toda sua obra pela editora Companhia das Letras, iniciada em 2008, tem ajudado a deflagrar um movimento de reabilitação crítica da obra do autor no ano em que é comemorado o centenário de seu nascimento, em 10 de agosto.
Uma campanha nacional de divulgação do autor foi programada, com diversas comemorações e homenagens. Tema óbvio do carnaval de Salvador deste ano, o baiano foi mote do desfile da escola de samba Imperatriz Leopoldinense no Rio, e da Mocidade Alegre, campeã do carnaval de São Paulo. A megaexposição Jorge, amado e universal está agendada para abril no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e vai migrar em agosto para o Museu de Arte da Bahia, em Salvador, onde será realizado o “Curso Jorge Amado”, no II Colóquio de Literatura Brasileira. Aproveitando a exposição será lançada uma edição especial do livro de memórias do autor, Navegação de cabotagem, com cem páginas de imagens.
Inéditos
Há muito material desconhecido do público a ser apreciado. O editor Thyago Nogueira, que coordena a publicação das obras pela Companhia das Letras, conta que surgiram livros novos do autor durante a pesquisa para a publicação de suas obras completas. Um livro de reportagens e três livros de contos por exemplo já foram lançados.
– Predominantemente romancista, Jorge Amado escreveu só cinco contos. Descobrimos que três se destacavam entre eles, servindo até de embrião para livros futuros do autor, e resolvemos publicá-los. Foram livros que nós criamos aqui na editora a partir da pesquisa de sua obra. Também extraímos um livro (Hora da guerra, 2008) das crônicas sobre a II Guerra Mundial, cujos reflexos no Brasil ele descreveu num jornal. É o dia a dia da 2ª guerra – diz Nogueira.
O acervo do escritor, com mais de 2.500 documentos, está na Fundação Casa de Jorge Amado, que criou o Projeto Axé, que forma atores. Segundo Paloma Amado, filha do escritor, há cartas inéditas a amigos como Glauber Rocha, nunca publicadas.
– As cartas em geral estão fechadas ao público, mas abertas aos pesquisadores. Papai achava bom que ficassem por um tempo sem acesso.
O filho João Jorge Amado organiza para a Companhia das Letras a publicação em agosto, mês em que o romancista nasceu, da correspondência entre Amado e sua mulher, Zélia, quando ele se exilou na França, perseguido por sua militância comunista. Logo depois ela também seria obrigada a exilar-se.
Projeto
Em meio a tanto material, o editor Thyago Nogueira conta que o projeto de edição da obra foi o mais ambicioso da editora paulista na época em que foi proposto, 2007.
– Hoje estamos envolvidos com outros projetos igualmente ambiciosos, como a publicação da obra de Carlos Drummond de Andrade, mas na época foi o maior projeto da editora e será terminado neste ano com a publicação da edição especial de Bahia de Todos os Santos, original de 1944.
O primeiro passo foi nomear uma comissão de especialistas, que, sob coordenação de Alberto da Costa e Silva e Lilia Moritz Schwarcz, contou com a colaboração de importantes escritores e intelectuais brasileiros.
– Para cada um dos livros, foi programado e desenvolvido todo um trabalho de restabelecimento dos textos, com pesquisas dos originais, correção de erros. Foi também incentivada a produção de novos textos críticos sobre Jorge Amado, para atualizar sua presença em nossa literatura – conta Nogueira.
O editor também diz que cada livro tem um projeto gráfico moderno e permite que os jovens se interessem por lê-lo.
– A ideia é rejuvenescer o autor.
Recuperação
Como a maioria dos livros de Jorge Amado tem uma história, desde a proibição quando acusado de “propaganda comunista” até o banimento sob alegação de “atentar contra a moral e os bons costumes”, cada livro traz também um caderno de fotos que conta a história do próprio livro, desde a época em que foi lançado. O destaque na bem-cuidada reedição da obra, no entanto, é mesmo o olhar renovado de especialistas indicados pela comissão editorial, o que envolveu o esforço coletivo de escritores, críticos, antropólogos e sociólogos. Assim, cada volume é visto também pela crítica de hoje para leitores de hoje.
– Isso permite situar a obra num contexto mais amplo, sem se prender a discussões do passado.
A comissão editorial produziu livros sobre o escritor, como O universo de Jorge Amado (para a coleção Caderno de Leituras, com ensaios de José Castello, Luiz Gustavo Freitas Rossi, Lilia Moritz Schwarcz, Reginaldo Prandi e Ilana Seltzer Goldstein) e Jorge Amado essencial (de Alberto da Costa e Silva, que apresenta o autor e reúne excertos de suas principais obras, e a novela A morte e a morte de Quincas Berro Dágua).
O editor revela que neste ano também será lançada uma edição de capa dura de Os velhos marinheiros. Entre as edições especiais de Jorge Amado já republicadas pela Companhia das Letras destaca-se a caixa com quatro romances com heroínas femininas (Gabriela, Dona Flor, Teresa e Tieta), lançada no final de 2011.
Reabilitado sem nunca ter sido de fato esquecido, Jorge Amado pode ser este ano uma adorável descoberta, mesmo para quem já mergulhou em sua obra.
– Tenho a impressão de que os acadêmicos não gostam que a grande população leia. O Jorge Amado, por saber produzir narrativas envolventes, foi banido da relação de autores de relevo estético e histórico – diz o professor da USP Ivan Teixeira, colunista de Metáfora.
Algo semelhante teria acontecido com Erico Veríssimo, diz Teixeira.
– Em São Paulo, a lista da Fuvest (principal vestibular de São Paulo) de 2010, que incluiu Capitães da areia, parece salvar Jorge Amado desse ostracismo. Mas isso ainda é periférico. Merecia estudo mais sistemático e profundo. Rosa e Machado dão prestígio e há um modelo para serem estudados na universidade. Jorge Amado não se ajusta ao modelo acadêmico, por isso quase ninguém o estuda – completa o professor.
– Essa fase de certo descaso pela obra de Jorge Amado já passou – diz o poeta e historiador Alberto da Costa e Silva, da Academia Brasileira de Letras.
– Lembro ter havido sempre grandes críticos e professores universitários que louvavam Jorge Amado e salientavam a enorme importância de sua obra.
Renovado
Agora, o interesse por ler Jorge Amado ganha impulso. A reedição de toda sua obra pela editora Companhia das Letras, iniciada em 2008, tem ajudado a deflagrar um movimento de reabilitação crítica da obra do autor no ano em que é comemorado o centenário de seu nascimento, em 10 de agosto.
Uma campanha nacional de divulgação do autor foi programada, com diversas comemorações e homenagens. Tema óbvio do carnaval de Salvador deste ano, o baiano foi mote do desfile da escola de samba Imperatriz Leopoldinense no Rio, e da Mocidade Alegre, campeã do carnaval de São Paulo. A megaexposição Jorge, amado e universal está agendada para abril no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e vai migrar em agosto para o Museu de Arte da Bahia, em Salvador, onde será realizado o “Curso Jorge Amado”, no II Colóquio de Literatura Brasileira. Aproveitando a exposição será lançada uma edição especial do livro de memórias do autor, Navegação de cabotagem, com cem páginas de imagens.
Inéditos
Há muito material desconhecido do público a ser apreciado. O editor Thyago Nogueira, que coordena a publicação das obras pela Companhia das Letras, conta que surgiram livros novos do autor durante a pesquisa para a publicação de suas obras completas. Um livro de reportagens e três livros de contos por exemplo já foram lançados.
– Predominantemente romancista, Jorge Amado escreveu só cinco contos. Descobrimos que três se destacavam entre eles, servindo até de embrião para livros futuros do autor, e resolvemos publicá-los. Foram livros que nós criamos aqui na editora a partir da pesquisa de sua obra. Também extraímos um livro (Hora da guerra, 2008) das crônicas sobre a II Guerra Mundial, cujos reflexos no Brasil ele descreveu num jornal. É o dia a dia da 2ª guerra – diz Nogueira.
O acervo do escritor, com mais de 2.500 documentos, está na Fundação Casa de Jorge Amado, que criou o Projeto Axé, que forma atores. Segundo Paloma Amado, filha do escritor, há cartas inéditas a amigos como Glauber Rocha, nunca publicadas.
– As cartas em geral estão fechadas ao público, mas abertas aos pesquisadores. Papai achava bom que ficassem por um tempo sem acesso.
O filho João Jorge Amado organiza para a Companhia das Letras a publicação em agosto, mês em que o romancista nasceu, da correspondência entre Amado e sua mulher, Zélia, quando ele se exilou na França, perseguido por sua militância comunista. Logo depois ela também seria obrigada a exilar-se.
Projeto
Em meio a tanto material, o editor Thyago Nogueira conta que o projeto de edição da obra foi o mais ambicioso da editora paulista na época em que foi proposto, 2007.
– Hoje estamos envolvidos com outros projetos igualmente ambiciosos, como a publicação da obra de Carlos Drummond de Andrade, mas na época foi o maior projeto da editora e será terminado neste ano com a publicação da edição especial de Bahia de Todos os Santos, original de 1944.
O primeiro passo foi nomear uma comissão de especialistas, que, sob coordenação de Alberto da Costa e Silva e Lilia Moritz Schwarcz, contou com a colaboração de importantes escritores e intelectuais brasileiros.
– Para cada um dos livros, foi programado e desenvolvido todo um trabalho de restabelecimento dos textos, com pesquisas dos originais, correção de erros. Foi também incentivada a produção de novos textos críticos sobre Jorge Amado, para atualizar sua presença em nossa literatura – conta Nogueira.
O editor também diz que cada livro tem um projeto gráfico moderno e permite que os jovens se interessem por lê-lo.
– A ideia é rejuvenescer o autor.
Recuperação
Como a maioria dos livros de Jorge Amado tem uma história, desde a proibição quando acusado de “propaganda comunista” até o banimento sob alegação de “atentar contra a moral e os bons costumes”, cada livro traz também um caderno de fotos que conta a história do próprio livro, desde a época em que foi lançado. O destaque na bem-cuidada reedição da obra, no entanto, é mesmo o olhar renovado de especialistas indicados pela comissão editorial, o que envolveu o esforço coletivo de escritores, críticos, antropólogos e sociólogos. Assim, cada volume é visto também pela crítica de hoje para leitores de hoje.
– Isso permite situar a obra num contexto mais amplo, sem se prender a discussões do passado.
A comissão editorial produziu livros sobre o escritor, como O universo de Jorge Amado (para a coleção Caderno de Leituras, com ensaios de José Castello, Luiz Gustavo Freitas Rossi, Lilia Moritz Schwarcz, Reginaldo Prandi e Ilana Seltzer Goldstein) e Jorge Amado essencial (de Alberto da Costa e Silva, que apresenta o autor e reúne excertos de suas principais obras, e a novela A morte e a morte de Quincas Berro Dágua).
O editor revela que neste ano também será lançada uma edição de capa dura de Os velhos marinheiros. Entre as edições especiais de Jorge Amado já republicadas pela Companhia das Letras destaca-se a caixa com quatro romances com heroínas femininas (Gabriela, Dona Flor, Teresa e Tieta), lançada no final de 2011.
Reabilitado sem nunca ter sido de fato esquecido, Jorge Amado pode ser este ano uma adorável descoberta, mesmo para quem já mergulhou em sua obra.
A sedução das geraçõesEspecialistas discutem a melhor maneira de tratar a obra de Jorge Amado em sala de aula
Como abordar a obra de Jorge Amado de modo a atrair novas gerações de leitores?
– Talvez a melhor maneira seja sugerir a arte dele como modelo de ausência de preconceito e de alta eficiência narrativa. Ele fez a incorporação do povo e de sua linguagem de um modo que os escritores contemporâneos não conseguiram fazer – propõe o crítico e professor Ivan Teixeira.
Leitura
A preocupação com a formação de novos leitores está no horizonte do mercado editorial. O site www.jorgeamado.com.br, desenvolvido pela editora Companhia das Letras, explica cada uma de suas obras e tem até seção para professores. A obra de Jorge Amado é vendida também em e-books. A editora prepara uma versão econômica de Compadre de Ogum,para ser usada por jovens em sala de aula, e promove eventos introdutórios, que vão de atividades com livreiros até a preparação de docentes, da mobilização dos alunos por meio de concursos até o apoio a ações públicas.
– Rolei pelo país levando concursos sobre os temas de Jorge Amado para escolas e a receptividade foi muito boa. Nos seminários que promovemos com professores são abordadas a vida e a obra de Jorge Amado e também são dadas dicas de como a literatura pode ser usada em sala de aula. – conta o editor Thyago Nogueira, da Companhia das Letras.
Para o crítico Teixeira, o autor antecipa procedimentos incomuns na literatura de seu tempo que ainda hoje dão frescor à obra de Amado, o que a torna potencialmente interessante para a atração de novos leitores.
– A inclusão do palavrão e dos sentimentos fáceis foi uma grande conquista. Pode ser também considerado um autor renovador da própria tradição ao escrever A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, uma obra-prima, sobretudo por sugerir um radical desmascaramento das convenções de conveniência, propondo o império da espontaneidade como medida do homem. Do ponto de vista do estilo e da técnica narrativa, essa história é uma espécie de realismo mágico quase inédito entre nós.
Em 2010 a Fuvest incluiu o romance Capitães da areia, cuja primeira edição é de 1937, como um dos livros que pode cair no vestibular. Para Alberto da Costa e Silva, sua atualidade é uma boa introdução ao universo de Amado.
Narrativa
– Trata-se de um livro com história pungente, tratando de um tema que continua atual, que não se resolveu, que é o dos meninos de rua. Numa linguagem simples, direta, clara e carregada de emoção, ele conta esse drama humano. Eu li Capitães da areia emocionado quando era adolescente, aos 14 anos. Agora reli o livro e ele continua me comovendo. Ele continua sendo o mesmo e é diferente ao mesmo tempo. Desperta emoções novas, sem apagar as saudades do leitor que fomos.
Mas a principal qualidade a atrair jovens leitores, para Costa e Silva, está na capacidade de um escritor que sabia contar histórias e criar personagens.
– Não há nenhum grande romancista, desde Cervantes e passando por Dickens, que não tenha sido um grande criador de personagens. Jorge Amado sabia fazê-lo, como provam Balduíno, Quincas Berro Dágua, Tieta, Gabriela e tantos outros que vamos descobrindo à medida que lemos os seus romances. É quase uma população de uma pequena cidade, pessoas de carne e osso que poderiam ser de nossa família. Ele foi capaz de captar essa humanidade brasileira como ninguém. Como sabia contar histórias! E como fazem falta escritores que saibam contar histórias, que saibam prender o leitor da primeira à última página…
Rebeldia
A inquietude rebelde do escritor é um potente ponto de ligação com jovens leitores. Para Teixeira, “é fácil constatar” que Amado foi “revolucionário” em seu tempo. Já nos anos 30, escrevia romances realistas com cenas de sexo, amor e violência descritas numa linguagem popular, que incluía gírias e palavrões, num período dominado pelo estilo formal lusitano.
– Nessa época, Jorge Amado já conseguia dominar a linguagem que os modernistas de São Paulo haviam teorizado, mas não dominavam com a mesma eficácia – diz Teixeira. Citando o fato de Jorge Amado ter sido pioneiro na luta pela liberdade de culto, numa época em que os terreiros de candomblé eram proibidos, Thyago Nogueira considera que os livros do escritor “sempre em algum grau representam sua posição política, avançada para a época”. Militante do Partido Comunista Brasileiro, teve de fugir do Brasil por várias vezes (1936, 1937, 1941 e 1947 até o começo dos anos 1950).
– Dentro dos moldes do realismo socialista, os heróis dos romances de Amado são muitas vezes marginais do proletariado que vão se conscientizando de sua ação política na sociedade. Mas o romancista ultrapassa a fórmula literária do comunismo por causa da vivacidade de seus personagens, tirados da vida real.
Jorge Amado tem forte sentimento de simpatia e solidariedade pelas camadas espoliadas da sociedade, completa Teixeira: negros descendentes de escravos, crianças de rua, mulheres, operários explorados…
– Numa época em que a ciência ainda tentava descobrir as desvantagens da miscigenação (apontadas, por exemplo, em Os sertões, de Euclides da Cunha), Amado já defendia as vantagens e a superioridade da mistura de raças, fazendo coro ao sociólogo Gilberto Freyre, pioneiro na abordagem do tema.
“Se o Brasil concorreu com alguma coisa válida para o enriquecimento da cultura universal foi com a miscigenação – ela marca nossa presença no acervo do humanismo, é a nossa contribuição maior para a humanidade”, diz o personagem Pedro Archanjo, em Tenda dos milagres. Ao fazer o retrato de sua terra e de seu povo, Jorge Amado fez um retrato do país e se tornou intérprete do Brasil. (MG)
Como abordar a obra de Jorge Amado de modo a atrair novas gerações de leitores?
– Talvez a melhor maneira seja sugerir a arte dele como modelo de ausência de preconceito e de alta eficiência narrativa. Ele fez a incorporação do povo e de sua linguagem de um modo que os escritores contemporâneos não conseguiram fazer – propõe o crítico e professor Ivan Teixeira.
Leitura
A preocupação com a formação de novos leitores está no horizonte do mercado editorial. O site www.jorgeamado.com.br, desenvolvido pela editora Companhia das Letras, explica cada uma de suas obras e tem até seção para professores. A obra de Jorge Amado é vendida também em e-books. A editora prepara uma versão econômica de Compadre de Ogum,para ser usada por jovens em sala de aula, e promove eventos introdutórios, que vão de atividades com livreiros até a preparação de docentes, da mobilização dos alunos por meio de concursos até o apoio a ações públicas.
– Rolei pelo país levando concursos sobre os temas de Jorge Amado para escolas e a receptividade foi muito boa. Nos seminários que promovemos com professores são abordadas a vida e a obra de Jorge Amado e também são dadas dicas de como a literatura pode ser usada em sala de aula. – conta o editor Thyago Nogueira, da Companhia das Letras.
Para o crítico Teixeira, o autor antecipa procedimentos incomuns na literatura de seu tempo que ainda hoje dão frescor à obra de Amado, o que a torna potencialmente interessante para a atração de novos leitores.
– A inclusão do palavrão e dos sentimentos fáceis foi uma grande conquista. Pode ser também considerado um autor renovador da própria tradição ao escrever A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, uma obra-prima, sobretudo por sugerir um radical desmascaramento das convenções de conveniência, propondo o império da espontaneidade como medida do homem. Do ponto de vista do estilo e da técnica narrativa, essa história é uma espécie de realismo mágico quase inédito entre nós.
Em 2010 a Fuvest incluiu o romance Capitães da areia, cuja primeira edição é de 1937, como um dos livros que pode cair no vestibular. Para Alberto da Costa e Silva, sua atualidade é uma boa introdução ao universo de Amado.
Narrativa
– Trata-se de um livro com história pungente, tratando de um tema que continua atual, que não se resolveu, que é o dos meninos de rua. Numa linguagem simples, direta, clara e carregada de emoção, ele conta esse drama humano. Eu li Capitães da areia emocionado quando era adolescente, aos 14 anos. Agora reli o livro e ele continua me comovendo. Ele continua sendo o mesmo e é diferente ao mesmo tempo. Desperta emoções novas, sem apagar as saudades do leitor que fomos.
Mas a principal qualidade a atrair jovens leitores, para Costa e Silva, está na capacidade de um escritor que sabia contar histórias e criar personagens.
– Não há nenhum grande romancista, desde Cervantes e passando por Dickens, que não tenha sido um grande criador de personagens. Jorge Amado sabia fazê-lo, como provam Balduíno, Quincas Berro Dágua, Tieta, Gabriela e tantos outros que vamos descobrindo à medida que lemos os seus romances. É quase uma população de uma pequena cidade, pessoas de carne e osso que poderiam ser de nossa família. Ele foi capaz de captar essa humanidade brasileira como ninguém. Como sabia contar histórias! E como fazem falta escritores que saibam contar histórias, que saibam prender o leitor da primeira à última página…
Rebeldia
A inquietude rebelde do escritor é um potente ponto de ligação com jovens leitores. Para Teixeira, “é fácil constatar” que Amado foi “revolucionário” em seu tempo. Já nos anos 30, escrevia romances realistas com cenas de sexo, amor e violência descritas numa linguagem popular, que incluía gírias e palavrões, num período dominado pelo estilo formal lusitano.
– Nessa época, Jorge Amado já conseguia dominar a linguagem que os modernistas de São Paulo haviam teorizado, mas não dominavam com a mesma eficácia – diz Teixeira. Citando o fato de Jorge Amado ter sido pioneiro na luta pela liberdade de culto, numa época em que os terreiros de candomblé eram proibidos, Thyago Nogueira considera que os livros do escritor “sempre em algum grau representam sua posição política, avançada para a época”. Militante do Partido Comunista Brasileiro, teve de fugir do Brasil por várias vezes (1936, 1937, 1941 e 1947 até o começo dos anos 1950).
– Dentro dos moldes do realismo socialista, os heróis dos romances de Amado são muitas vezes marginais do proletariado que vão se conscientizando de sua ação política na sociedade. Mas o romancista ultrapassa a fórmula literária do comunismo por causa da vivacidade de seus personagens, tirados da vida real.
Jorge Amado tem forte sentimento de simpatia e solidariedade pelas camadas espoliadas da sociedade, completa Teixeira: negros descendentes de escravos, crianças de rua, mulheres, operários explorados…
– Numa época em que a ciência ainda tentava descobrir as desvantagens da miscigenação (apontadas, por exemplo, em Os sertões, de Euclides da Cunha), Amado já defendia as vantagens e a superioridade da mistura de raças, fazendo coro ao sociólogo Gilberto Freyre, pioneiro na abordagem do tema.
“Se o Brasil concorreu com alguma coisa válida para o enriquecimento da cultura universal foi com a miscigenação – ela marca nossa presença no acervo do humanismo, é a nossa contribuição maior para a humanidade”, diz o personagem Pedro Archanjo, em Tenda dos milagres. Ao fazer o retrato de sua terra e de seu povo, Jorge Amado fez um retrato do país e se tornou intérprete do Brasil. (MG)
Revista Metáfora
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