quinta-feira, 30 de agosto de 2012

É bom saber - O Brasil ainda não aprendeu

Na Escola Municipal Princesa Isabel, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, os alunos do 6° ano não têm um professor por disciplina, como acontece com seus colegas no resto do país. As disciplinas foram divididas em áreas do conhecimento e há apenas um professor para exatas e outro para humanas. Até chegarem ao 9° ano, esses estudantes passarão mais tempo na escola. São sete horas de aulas diárias, num único turno, além de receberem reforço escolar para ajustar eventuais defasagens de aprendizagem que tenham trazido da primeira etapa dos anos iniciais. Com outras 18 escolas, a Princesa Isabel faz parte de um programa de ensino da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro criado especialmente para uma etapa esquecida do ensino fundamental: seus quatro anos finais (6° ao 9° ano). “Percebemos que a guinada no aprendizado em toda a rede só aconteceria de verdade se olhássemos para todos os anos do ensino fundamental, não apenas para os iniciais”, diz Claudia Costin, secretária municipal do Rio. “E que os anos finais precisam de planejamento especial.”

Pode-se chegar a essa mesma conclusão analisando os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgados pelo Ministério da Educação na semana passada. O Ideb mede a qualidade das redes pública e particular de todo o país, em três etapas do ensino básico: 1° ao 5° ano; 6° ao 9° ano e ensino médio. O índice é calculado desde 2005, a cada dois anos, com base nas notas da Prova Brasil (que avalia habilidades e competências dos alunos em leitura e matemática) e na taxa de aprovação. Em média, a rede pública brasileira atingiu as metas estabelecidas pelo Ministério da Educação em todas as etapas. O resultado mais comemorado ocorreu nos anos iniciais. Quase 78% dos municípios superaram suas metas de desempenho nessa etapa. Entre 2005 e 2011, o Ideb passou de 3,6 para 4,4 pontos (numa escala de 0 a 10), superando a meta de 2017. É uma expectativa baixa. A meta oficial é chegar em 2021 à média nacional de 6 pontos, o mínimo dos países desenvolvidos hoje.

O desempenho foi pior nos anos finais do ensino fundamental. Apesar de a meta nacional ter sido cumprida, apenas 62% dos municípios chegaram lá. E seis Estados (Roraima, Pará, Amapá, Alagoas, Sergipe e Rio Grande do Sul) não conseguiram. “A melhora nos anos finais perde o embalo”, diz Ruben Klein, especialista em avaliações educacionais da Cesgranrio.

O cenário fica ainda pior se for levada em conta a única meta que importa: aprender. Isso é medido pela Prova Brasil. As notas de leitura e matemática mostram que as redes públicas não conseguem manter, nos anos finais, a melhoria de aprendizado conquistada nos anos iniciais. Paula Lozano, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, analisou essas notas desde 2005. Nos anos iniciais do ensino fundamental, de novo, o resultado é positivo. O estudante que se formou no 5° ano em 2011 está mais preparado que o aluno que terminou o 5° ano em 2005, quando a prova foi aplicada pela primeira vez. Esse aluno está um ano letivo e meio na frente do colega que concluiu o mesmo nível de ensino seis anos antes.

O desequilíbrio do ensino fundamental não é casual. Os alunos menores tendem a melhorar mais rapidamente porque não carregam problemas de defasagem no aprendizado como seus colegas mais velhos. Foi uma decisão dos gestores da educação brasileira dar ênfase a essa fase. Em 2007, o governo federal pressionou os municípios – os grandes responsáveis pela gestão dos anos iniciais – a melhorar suas redes ao condicionar os repasses de verbas federais a avanços obtidos. Tinha-se a ideia de que, melhorando os alunos menores, eles “contaminariam” positivamente a rede à medida que avançassem para as séries seguintes.
Mas isso não aconteceu, porque a escola não se preparou para receber esses “bons alunos” nos anos finais. “É uma etapa invisível, que ficou fora do radar dos gestores e das políticas públicas”, afirma Priscila Cruz, diretora do Movimento Todos Pela Educação. Em parte, essa invisibilidade veio da divisão entre Estados e municípios da responsabilidade pelo ensino fundamental final. Do mesmo modo que os municípios estão mais preocupados com os primeiros anos, os Estados dão mais atenção ao ensino médio (97% das matrículas estão na rede estadual). E nenhum dos dois faz questão de investir no período do 6° ao 9°ano. “Não adianta achar que ganharemos medalha na educação como numa corrida de revezamento, com uma etapa passando o bastão para a outra”, diz Priscila. “A melhora tem de ser planejada para todas. A dinâmica é mais parecida com a de um time de vôlei.”

Carregar o bastão nos anos finais do fundamental requer habilidades específicas das escolas. A mudança do 5° para o 6° ano é naturalmente complicada. Os alunos deixam de ter atenção de apenas um professor para lidar com um para cada disciplina, que entram na sala a cada 50 minutos. O volume de conteúdo aumenta. Muda o jeito de estudar. O choque é tão grande que os picos das taxas de reprovação e de abandono explodem no 6° ano. Em alguns dos sistemas mais eficientes do mundo, essa passagem é cuidadosamente amenizada. Na Finlândia, o professor especialista entra só no 8° ano. Em Cuba, os especialistas dão aulas apenas de inglês, artes e educação física.
ganhos e perdas (Foto: MEC/Inep)
Não aumentar o número de professores em sala de aula tão cedo é a principal característica do projeto da rede municipal do Rio de Janeiro, que treinou os seus para dar aulas de outras áreas. O professor de matemática também dá aula de biologia. O de português ensina história. O projeto começou em fevereiro de 2011. Faz parte de um programa maior, o Ginásio Carioca, criado em 2010, que também inclui apostilas feitas pelos professores. O resultado já apareceu na última edição do Ideb. Das dez melhores escolas do Rio de Janeiro, quatro fazem parte do programa. No ranking dos anos finais, o Rio pulou da sexta colocação do Ideb para o quarto lugar.
Foi o maior avanço (22%) entre as dez capitais mais bem colocadas.

Criar programas específicos para os anos finais é crucial não só para garantir a continuidade dos melhores alunos que chegam do 5° ano, mas também para melhorar o nível dos que seguem para o ensino médio. Ele recebe e acumula, nos últimos três anos da educação básica, todas as defasagens geradas ao longo do ensino fundamental. Soma-se a isso um currículo inchado, com 13 disciplinas obrigatórias, professores que não têm competência adequada para ensinar os conteúdos e o jurássico curso noturno. Em 2011, apesar de o resultado nacional ter chegado à meta, de 3,7 pontos, houve regressão em nove Estados e no Distrito Federal. Ao anunciar o resultado do Ideb, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que é preciso intervir no ensino médio e, dois dias depois, divulgou que o currículo será encurtado. É um sinal de que algo pode mudar, para melhor. Espera-se que outras medidas sejam tomadas para os anos finais do ensino fundamental, para que nenhum esforço – e principalmente nenhum estudante – seja perdido no meio do caminho.

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