domingo, 12 de agosto de 2012

Te Contei, não ? - Um herói para os ricos


O ator inglês Christian Bale veste bem os ternos Armani que simbolizam os anos de prosperidade de Wall Street. Em 2000, no filme O psicopata americano, ele foi o investidor yuppie Patrick Bateman. Narcisista e violento, o personagem se tornou o símbolo perverso dos Estados Unidos do final dos anos 1980, quando a prosperidade econômica do governo Ronald Reagan impulsionava as Bolsas de Valores e produzia milionários da noite para o dia.
Agora, com O cavaleiro das trevas ressurge, que estreia no dia 27 nos cinemas brasileiros, Bale volta a vestir ternos elegantes, mas num cenário econômico distinto. Na pele do bilionário Bruce Wayne, ele depara com uma população inflamada pela desigualdade social. Cidadãos ressentidos são atraídos pelo vilão Bane (Tom Hardy), um terrorista carismático que alicia a multidão para seu projeto de destruição de Gotham City com um discurso ao mesmo tempo populista e intimidador. Sob o comando de Bane, a cidade vive uma espécie de revolução criminosa, com julgamentos e execuções sumários, expropriações e acerto de contas social.
A história fictícia tem correspondência no mundo real. Trata-se de uma parábola dos embates sociais que se estenderam pelo fim do ano passado no Parque Zuccotti, em Nova York, próximo a Wall Street – não por coincidência, vizinho ao local escolhido para as filmagens. O personagem Bruce Wayne, mesmo meio falido, faz parte do 1% de ricos e milionários que foram alvo dos protestos Ocupe Wall Street. Os 99% excluídos de Gotham ficam na sombra, assustados, ou se aliam aos criminosos que dominam a cidade. Formam uma massa confusa e amorfa, que requer proteção e comando. Batman, a sua maneira inarticulada e muscular, é o líder conservador que detém a revolução e restaura a ordem. Um legítimo representante da elite econômica e moral da cidade.
Para fazer este Batman, Nolan se inspirou num livro de Charles Dickens sobre a Revolução Francesa 
O conflito social é o motor do filme, o último de uma trilogia iniciada em 2005. A nova Mulher Gato, interpretada por Anne Hathaway, veio de baixo na pirâmide. Filha de operários, ela rouba e seduz milionários idiotas, movida por um vago propósito social. Seu lema é fazer os abastados se arrepender de seus excessos. “Ela se encaixa perfeitamente em nosso universo de personagens sombrios”, disse a ÉPOCA a produtora Emma Thomas, mulher do diretor Christopher Nolan. “Você nunca sabe de que lado ela está.” Numa das cenas mais simbólicas do filme, durante um baile de gala, ela encosta a boca vermelha e sensual no ouvido de Wayne e sussurra: “Há uma tempestade chegando. Quando ela nos atingir, vocês não entenderão como puderam viver com tanta largueza e deixar tão pouco para o resto de nós”. A frase poderia ter saído de um poema militante de Bertold Brecht. Para frear a avalanche criminosa e social, Batman, pela primeira vez, se alia oficialmente à polícia. A mensagem é clara: o Homem Morcego e a Justiça representam as forças capazes de vencer o mal, encarnado pelo ativismo social.
Nolan, o diretor do filme, diz que sua principal influência para o roteiro foi o romance Um conto de duas cidades, de 1859, do britânico Charles Dickens. O livro, ambientado na Revolução Francesa de 1789, acompanha o impacto dos acontecimentos históricos sobre a vida de personagens que pertencem a diferentes grupos sociais – o aristocrata, o malandro, o miserável... As multidões, ora inflamadas, ora submissas, conferem o pano de fundo contra o qual a trama se desenrola. Da mesma forma, Nolan tentou fundir a complexidade das lutas e dos interesses sociais aos dilemas morais e afetivos de seus personagens. Em alguns momentos, com a ajuda de atores como Michael Caine, Batmam ganha tons quase shakespearianos.
Com ele, Nolan se consagra como o diretor que melhor traduziu o personagem dos quadrinhos para o cinema. Foi o único capaz de captar a essência violenta e triste do Homem Morcego. Traz, ao mesmo tempo, realismo e modernidade para suas histórias. Agora, com O cavaleiro das trevas ressurge, ele acrescentou a isso tudo um toque de profundidade que o maniqueísmo original dos quadrinhos não tinha. Um Oscar para premiar a trilogia, e seu imenso sucesso comercial, não seria nenhuma surpresa.

A reinvenção de Batman (Foto: divulgação (3) e The Kobal Collection)

Revista Época

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