sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Personalidade - Outro palco para Lygia


A junção de tantas datas significativas em 2012 — uma delas, seus 80 anos de vida, completados amanhã — tem levado a escritora Lygia Bojunga a uma saudável inquietação diante do que já realizou e do que ainda deseja realizar. Comemorando também os 40 anos da publicação de seu primeiro livro, “Os colegas”; os 30 anos da conquista do Prêmio Andersen, o mais importante da literatura infantojuvenil; e os dez anos da editora Casa Lygia Bojunga, a autora, que iniciou sua carreira como atriz, tem pensado até num retorno aos palcos. Ou melhor, a um palco específico, o do pequenino café-teatro de sua casa, em Santa Teresa, onde gostaria de continuar a mostrar, de uma outra forma, sua inesgotável paixão pelos livros.
Autora de clássicos da literatura infantojuvenil como “A bolsa amarela” e “O sofá estampado”, que abriram as portas da leitura para tantas gerações, Lygia Bojunga acredita ter encerrado um ciclo em torno do livro. Não que ela tenha abandonado a escrita, pelo contrário. Um novo romance, ainda inacabado (batizado de “Intramuros”), descansa na gaveta sem data e sem pressa para sair de lá. Foi justamente ao iniciar o romance que Lygia diz ter percebido o encerramento desse “redondo do livro”, como ela se refere a tantas realizações em torno do objeto que ama desde menina. Olhando ao redor, percebeu que, depois de muita labuta, a Casa Lygia Bojunga, editora que ela criou para reunir todos os seus títulos (são 22, entre infantojuvenis, romances e memórias), está com ótima saúde. O carro-chefe continua sendo “A bolsa amarela”, de 1976, cujas novas tiragens não ficam abaixo dos 15 mil exemplares. A Fundação Lygia Bojunga, instituída em 2004 com os US$ 675 mil do prêmio Alma (Astrid Lindgren Memorial Award), concedido pelo governo sueco a autores que se destacaram na literatura para crianças e jovens, também vem cumprindo bem a tarefa de incentivar, de várias maneiras, o fazer em torno do livro. Aí, conta Lygia, veio a hora de dar uma “repensada”.

— Eu gosto de livros, mas definitivamente não gosto do book world, dessa loucura de feiras, eventos, burocracias que me deixam angustiada, tendo que fazer mil coisas ao mesmo tempo — conta Lygia, que vai passar seu aniversário tranquila em Londres, onde está desde março ao lado do marido Peter, para mais uma das longas temporadas na cidade que divide, há 30 anos, seu coração com o Rio. — Estou preparando tudo para que a editora e a Fundação funcionem sem mim, sem que eu seja tão necessária no dia a dia. Agora quero dar uma desligada. Quando fui reler “Intramuros” vi que ele não estava pronto, não estava bem resolvido. E foi ficando muito claro que o que eu queria era ficar no meu mundo, dentro dos meus muros, sem me tornar reclusa.

Os muros a que Lygia — gaúcha de Pelotas que se mudou com a família para o Rio aos 8 anos — se refere também são os de sua casa em Santa Teresa, construção simples e aconchegante que vem sendo expandida para abrigar as sedes da Fundação e da editora. Há salas de exposição, com livros de Lygia, sobre Lygia e as obras que fazem parte de sua formação intelectual e sentimental; salas de leitura, onde atualmente se reúnem alguns grupos de estudo, e ainda o pequeno café-teatro para o qual volta e meia a escritora espicha o olho. Tudo integra o projeto Um Novo Nicho para Santa, espaço que Lygia planeja deixar para a comunidade, assim como o sítio Boa Liga, em Pedro do Rio, no qual a escritora chegou a implantar um núcleo de fabricação de papel artesanal e onde há cinco anos acontece o projeto Paiol de Histórias, apoiado pela Fundação Lygia Bojunga.

— A Boa Liga é um espaço semelhante a esse de Santa Teresa, só que encravado na Mata Atlântica, na natureza. São dois espaços grandes resultantes da minha trajetória, da minha história. Lá, aos 20 e poucos anos, plantei minha primeira casa. E depois aqui, em Santa Teresa. Conforme esses dois espaços cresceram, se firmaram, cresceu a ideia de torná-los públicos, e já estou providenciando isso. Quero que seja usufruído por mais gente, tem a ver com uma questão social que toda vida me angustiou. Só que nesse momento, enquanto estou por aqui, gostaria de ter contato com o público, se possível dentro do meu mundo. Agora minha vontade é de fazer algo acontecer nesses espaços.

Daí vem a tal “recaída de palco”. A ideia não chega a ser novidade para quem começou a vida como atriz e que, “já na casa dos 50”, como lembra ela, percorreu o país com monólogos nos quais falava de sua relação com os livros. As apresentações simples, sem iluminação especial, cenário ou figurino — e por isso chamadas de “mambembadas” —, marcaram não apenas quem as viu, como a própria autora.

— O projeto foi incrível, me alavancou muito, mudou minha escrita. Fiz a Trilogia do Livro (composta por “Livro — Um encontro”, “Fazendo Ana Paz” e “Paisagem”, na qual ela fala de sua relação especial com a literatura) e escrevi tanta coisa desde então. Não é que imagine que possa reeditar isso, e nem gostaria. Estou pensando exatamente nesse intramuros, nos espaços que criei. Por que não trazer agora o livro para o palco? Escrever algo e dizer ao público? Confesso que tenho olhado cada vez mais para esse palco, me vendo lá...

Brincando com a idade, e ao mesmo tempo esbanjando energia — quando está em Santa Teresa acorda diariamente às 6h para nadar —, ela diz que está na hora de juntar “os cacarecos” recolhidos pela vida. A nova fase inclui voltar mais à leitura e, quem sabe, à escrita (seu último romance, “Querida”, é de 2009), mesmo que não publique nada. Lygia, que ainda escreve à mão, em cadernos, e só passa para o computador quando percebe que a obra está pronta, lembra que já jogou muita coisa fora. E embora ainda seja homenageada de muitas formas — amanhã, por exemplo, será exibido no 10º Festival de Cinema Infantil, às 18h30m, no Cinemark Plaza, em Niterói, o filme “Corda bamba”, baseado no livro de Lygia e dirigido por Eduardo Goldenstein, com estreia prevista para outubro —, ela insiste em repetir que ainda não criou um livro “realmente bom”.

— Tive muita sorte, e não se pode desprezar isso. Mas o bom livro que eu imaginei fazer não consegui. Não acho que cheguei lá.

Para Lygia, isso abrange não apenas seus romances e pequenos ensaios pessoais como também sua mais que celebrada literatura para crianças, apesar de já não escrever para esse público há bastante tempo.

— Escrevi apenas meus primeiros livros pensando em crianças. O rótulo de literatura infantojuvenil é meio limitador, mas o tempo está apagando isso. Nada contra, sou muito grata a tudo o que essa literatura me proporcionou. Então, acho que se escrevi algo que fale de maneira verdadeira, já está bom.


Caderno de Literatura / Jornal O Globo

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