Nos anos 1950, uma piada era contada para ilustrar as diferenças entre as duas principais revistas semanais em circulação no Brasil, O Cruzeiro e Manchete. Ambas dedicavam grandes espaços para fotografias, mas dizia-se que O Cruzeiro, mais antiga, informativa e densa, era uma redação com um parque gráfico. Já a concorrente Manchete, mais nova, colorida e leve, era um parque gráfico com uma redação. O chiste resumia bem as divergências entre as duas publicações. Em Manchete, o impacto visual da fotografia era o mais importante. Em O Cruzeiro, o aspecto estético era igualmente relevante, mas estava a serviço das ideias.
Nos anos 1960, O Cruzeiro foi ultrapassado pela rival como parte de um lento processo de decadência que culminou com o fim da revista em 1975. Durante os anos 1940 e 1950, reinou como a publicação de maior penetração social do país, ao influenciar a política, reproduzir os gostos da elite e refletir as mudanças de uma sociedade que buscava ansiosamente a modernização e a superação de atrasos seculares. Grande parte do prestígio se devia à introdução do fotojornalismo no Brasil. Antes de O Cruzeiro, a fotografia na imprensa brasileira servia como mero adereço visual. Ela simplesmente registrava em imagem o que estava contado no texto. A revista profissionalizou a fotorreportagem, formou uma equipe de primeira linha e passou a investir na foto como um veículo que tinha autonomia e importância igual ou até maior que o texto. Trinta e sete anos depois de seu fim, ela continua uma referência, como mostra Um olhar sobre O Cruzeiro – As origens do fotojornalismo no Brasil, exposição no Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro.
Numa era em que a televisão ainda era incipiente, os fotojornalistas de O Cruzeiro tornaram-se os responsáveis pela narrativa visual do país e construíram arquétipos do Brasil que perduram até hoje, como as imagens da pobreza rural, dos retirantes nos centros urbanos e dos índios. Os repórteres da revista estiveram na linha de frente da Marcha para o Oeste, as expedições comandadas pelos irmãos Villas-Boas que desbravaram os territórios indígenas da Amazônia, e desempenharam um papel importante na estratégia de assimilação do índio pela sociedade. “O Cruzeiro reavivou o mito fundador da nação, encenou a aceitação da superioridade da cultura ocidental por parte dos povos indígenas e vislumbrou um futuro em que eles seriam alegres personagens da sociedade moderna urbano-industrial”, dizem os curadores Sérgio Burgi, do IMS, e Helouise Costa, da Universidade de São Paulo (USP).
Os fotógrafos de O Cruzeiro estavam sintonizados com as linguagens e as técnicas mais modernas do fotojornalismo. Eles se miravam em revistas como a francesa Match e a americana Life e apropriavam-se do que consideravam o melhor. A equipe da revista contava com vários colaboradores estrangeiros, como os franceses Pierre Verger, que fotografou os cultos afro-brasileiros, e Jean Manzon. Estrela da revista, Manzon era um especialista no uso da câmera Rolleiflex e em grandes fotos posadas, como as que fazia do ditador Getúlio Vargas, exemplos de seu preciosismo técnico. Manzon teve discípulos como o piauiense José Medeiros, outro astro da revista, e alguns antagonistas, como o cearense Luciano Carneiro. Adepto da câmera Leica, mais leve e de fácil manejo, Carneiro preferia o fotojornalismo de ação. Foi um pioneiro do correspondente de guerra no Brasil ao cobrir o conflito na Coreia. Morreu aos 33 anos num acidente aéreo depois de uma missão muito menos perigosa: fotografar o primeiro baile de debutantes de Brasília, em 1959.
Os fotógrafos de O Cruzeiro estavam sintonizados com as linguagens e as técnicas mais modernas do fotojornalismo. Eles se miravam em revistas como a francesa Match e a americana Life e apropriavam-se do que consideravam o melhor. A equipe da revista contava com vários colaboradores estrangeiros, como os franceses Pierre Verger, que fotografou os cultos afro-brasileiros, e Jean Manzon. Estrela da revista, Manzon era um especialista no uso da câmera Rolleiflex e em grandes fotos posadas, como as que fazia do ditador Getúlio Vargas, exemplos de seu preciosismo técnico. Manzon teve discípulos como o piauiense José Medeiros, outro astro da revista, e alguns antagonistas, como o cearense Luciano Carneiro. Adepto da câmera Leica, mais leve e de fácil manejo, Carneiro preferia o fotojornalismo de ação. Foi um pioneiro do correspondente de guerra no Brasil ao cobrir o conflito na Coreia. Morreu aos 33 anos num acidente aéreo depois de uma missão muito menos perigosa: fotografar o primeiro baile de debutantes de Brasília, em 1959.
Mesmo com todos esses talentos, o fotojornalismo de O Cruzeiro não teria tal repercussão se seu criador não fosse o empresário Assis Chateaubriand. Ele ergueu o primeiro conglomerado de comunicação do país, com métodos para lá de controversos, que iam da bajulação à chantagem. Usava a revista como instrumento de poder pessoal, mas acreditava que a publicidade deveria ser o principal meio de financiamento da imprensa brasileira – e foi um dos responsáveis por sua modernização. Chatô não economizava. Manteve uma equipe de 17 fotógrafos que cruzavam o país em viagens e tinham aviões à disposição. O prestígio da revista durou enquanto ele bancou essa aventura. O fotojornalismo de O Cruzeiro é também o registro de uma época da imprensa que não voltará.
Revista Época
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