RIO — Praia? Nunca fez parte do cotidiano da cantora Marisa Monte. As suas memórias do sol de verão à beira-mar são, em boa parte, da pele descascando e do uso farto de pasta d’água para amenizar o vermelhão.
— Ia mais à praia em Cabo Frio, quando era criança. No Rio mesmo, costumo ir pouco. Nunca fui rata de praia, de ir todo fim de semana — conta a cantora. — Não sei se foi o sol que mudou, mas hoje não tolero mais muita exposição aos raios. É inconcebível vir à praia às dez da manhã e ficar até cinco da tarde. Uma tortura!
Mas naquela tarde de sexta-feira, dias antes de Marisa embarcar para Londres, para os ensaios do espetáculo brasileiro no encerramento das Olimpíadas, a Praia do Arpoador era o melhor convite. Temperatura amena, sol brando e até um pouco de névoa garantiam um clima ideal para a cantora (que encarnou Iemanjá no Estádio Olímpico) mergulhar os pés na água. E falar da chegada de seu novo espetáculo, “Verdade, uma ilusão”, ao Rio de Janeiro.
Na próxima quinta-feira, Marisa Monte estreia no Vivo Rio uma temporada de quatro semanas e 13 shows (até 16 de setembro). Um tempo que, diz ela, será muito bem aproveitado.
— É o melhor dos mundos, porque eu moro aqui e posso fazer show e dormir em casa, o que é uma raridade, um luxo completo. Aqui eu tenho todos os meus amigos, minha família... Os meus amigos de colégio! — festeja a cantora, uma carioca criada na Urca. — É uma revisão de vida fazer show no Rio. Pra mim, é o ponto alto da turnê, um momento pelo qual espero muito.
Calcado no repertório do álbum “O que você quer saber de verdade”, lançado em outubro, o show traz como novidade extra um elaborado esquema de projeções de obras de artistas plásticos brasileiros contemporâneos. Nomes cujas trajetórias, de certa forma, acompanham a dessa cantora que, aos 45 anos de idade, completa 25 de carreira. E sente a passagem do tempo.
— Muitas horas eu tenho que me segurar, eu me emociono. Acho que estou ficando boba — reconhece. — Eu vejo muita gente chorando no show, isso volta para mim. Talvez isso seja uma consequência de todos esses anos... Tenho que me controlar, não dá para cantar e chorar.
Nesses primeiros shows da turnê (que estreou em junho em Curitiba), Marisa Monte curte um sonho que não sabe o quanto vai durar: ter a espinha dorsal da Nação Zumbi (o baterista Pupillo, o guitarrista Lúcio Maia e o baixista Dengue) em sua banda, que conta ainda com o parceiro e novo baiano Dadi (guitarra, violões e ukulele), o tecladista Carlos Trilha e um quarteto de cordas. O trio da Nação gravou participações em faixas de “O que você quer saber de verdade” e, convite feito, cavou espaço na agenda para seguir com a turnê de Marisa pelo menos até janeiro.
— A experiência no estúdio foi maravilhosa, e eles falaram que dariam um jeito de fazer os shows — conta ela. — Minha turnê é muito organizada. Com dois filhos (Helena, de 3 anos, e Mano Wladimir, de 9), preciso de respiros. A gente passou pelo Sul e por São Paulo com o show e tirou aqueles 15 dias, das férias das crianças.
Ser mãe, afinal, toma tempo.
— Mãe é o coração da casa. Eu já fiz uma turnê quando tinha 25 anos, com 38 shows em 55 dias, Europa e Estados Unidos — recorda Marisa. — Hoje isso não cabe mais na minha vida. Eu preciso ser mais rarefeita para ser feliz.
O roteiro do show pouco mudou em relação à estreia (eventualmente entra uma ou outra música do disco novo, como “Aquela velha canção” ou “Seja feliz”). É certo ouvir os sucessos desse lançamento (“Ainda bem”, “Depois”) e de outras fases da carreira (“Diariamente”, “Beija eu”, “Amor I love you”), aquela dos Tribalistas (“Velha infância”) e novidades como “Sono como tu mi vuoi”, pérola do pop italiano, da cantora Mina Mazzini.
‘Além do belo’
A acompanhar as músicas, o espetáculo tem projeções de obras de arte contemporânea, organizadas por Batman Zavareze. Nada de muito novo para uma cantora que já viu projetados os “Beijos” de Rubens Gerchman em um de seus shows, pôs a escultura “Nave show esfinge caranguejo”, de Ernesto Neto, no cenário de outro e teve capas de discos assinadas por Vik Muniz e Beatriz Milhazes.
— Desta vez, fiz de uma maneira que nunca tinha feito, que é ter vários artistas e desenvolver um suporte para as obras. Pensei em um cenário que fosse, além de bonito, poético. Que tivesse sentimento, emoção. Que fosse além do belo — explica Marisa, que contou, para a elaboração do cenário, com a curadoria da amiga e crítica de artes visuais do GLOBO Luisa Duarte. — Alguns dos trabalhos eu já tinha em mente, como o do Marcos Chaves (“Amarésimples, amarécomplexo”, para a música “Amar alguém”). E a Luisa trouxe muitas outras coisas.
A cantora credita o êxito das músicas do novo disco (que ela tem acompanhado nos shows e em relatos no Twitter) à “qualidade comunicativa” de sua obra ao longo dos 25 anos.
— Desde meu primeiro disco, nunca fiz um trabalho para poucos, apesar de sempre ter sido identificada com uma coisa cult. Sempre fui para muitos — define-se. — O disco mantém esse perfil que já é meu há muito tempo.
Fã das reprises do “Globo de Ouro” no Canal Viva, Marisa lembra a única vez em que esteve no programa, com seu primeiro hit, “Bem que se quis”.
— Eu já tinha feito shows em teatros, no Jazzmania, mas nunca tinha tido experiência com público tão histérico, que gritava o tempo todo. Meu público, até então, era outro. Fiquei assustada, mas cantei.
E hoje Marisa dá uma dica aos que trilham o mesmo caminho que ela, 25 anos atrás:
— Tem que fazer show, foi assim que eu comecei. Atualmente é muito mais fácil gravar do que há 20 anos. O grande desafio continua sendo criar um público. E, para isso, você tem que se comunicar com as pessoas.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/depois-de-encarnar-iemanja-em-londres-marisa-monte-estreia-seu-novo-show-no-rio-5830891#ixzz24fM4uL37
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