ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
Nicolás Maduro tinha a voz embargada ao anunciar a morte de Hugo Chávez, “a mais dura e trágica” notícia que poderia dar ao povo venezuelano, Disse ele. Maduro é o vice-presidente agora no exercício da Presidência do país, candidato à sucessão designado pelo próprio Chávez e favorito Disparado a ganhar a eleição, dada a comoção que tomou conta do país. É difícil apontar aspirante a herança mais pesada. Maduro herda ao mesmo tempo um caos administrativo e a incumbência de substituir o insubstituível. O choro, naquele momento, para todos os efeitos, destinava- se à perda do “comandante presidente”. Mas não é absurdo supor que, no fundo, Maduro o destinasse a si mesmo.
O sucessor designado de Chávez apresenta-se, nas fotos e imagens de TV, com uma cara séria que constrasta com o ar frequentemente pândego de seu padrinho e antecessor. Os vigorosos cabelos negros são penteados para trás e o bigode lhe pespega a gravidade máscula de um herói de novela caribenha. Some-se a isso o 1,90 metro de altura, e o resultado é um tipo físico que o senso comum manda chamar de sólido, mas… Pode ser delírio do colunista, mas as imagens sugerem algo de fragilidade nesse antigo motorista de ônibus e sindicalista, adestrado nos rigores ideológicos em temporadas em Cuba, depois amaciado nas artimanhas diplomáticas durante os seis anos em que exerceu o cargo de ministro das Relações Exteriores.
Maduro incluía-se no grupo em volta de Chávez no dia de dezembro em que o ainda presidente anunciou uma nova ida a Cuba, para nova operação. Chávez pediu aos venezuelanos que, no caso de sua incapacitação, votassem naquele que pouco antes removera do Ministério do Exterior para a Vice-Presidência. A câmera de TV que registrava o evento nesse momento focaliza Maduro. Ele aparece acanhado, olhos baixos. Chávez diz que tem a convicção “plena como a lua cheia” de que seu indicado reúne todas as condições para assumir o cargo. A câmera focaliza-o de novo. Maduro encolhe-se. Nos ombros, apesar de tão largos, parece já lhe pesar a impossível incumbência.
Chávez deixa de bom a promoção das populações pobres e de ruim a inflação, o desabastecimento e a violência, recordes no continente. Seu regime não chegou a configurar uma ditadura, mas chegou perto. Aconchegou a seus desejos os poderes Legislativo e Judiciário e adotou um sistemático cultivo da divisão. Quem não estava com ele era traidor. “Pátria ou morte”, bradava, ao modo das clássicas ditaduras militares latino-americanas. ”Ser chavista é ser patriota”, dizia. ”Brasil: ame-o ou deixe-o”, dizia o Brasil do general Médici. A este acrescentava outro profundo traço latino-americano na maneira de governar em que a fanfarronice e a bazófi a substituem o trabalho duro, o anúncio de uma intenção dispensa sua execução, e o fácil rótulo de “carismático” desobriga o portador dos diagnósticos precisos e das políticas coerentes.
Se Chávez não existisse precisaria ser inventado, para provar que a América Latina segue sendo a América Latina velha de guerra. Ele costumava apresentar-se por seis, sete ou mais horas seguidas no programa semanal Aló Presidente. Era ao mesmo tempo o apresentador e o astro principal de uma performance que alternava o anúncio de medidas governamentais com o relato de episódios de sua vida, comentários sobre a conjuntura com anedotas, descompostura e até demissão de ministros com a interpretação de canções. “É basicamente assim que administra seu governo”, escreveu o latino-americanista Norman Gall. O que faltava ao governo em disciplina e eficiência, ele supria com show. Ao pão fornecido à população acrescentava o circo, e ia levando.
Chávez nem de leve contribuiu para solucionar o mais antigo problema econômico venezuelano, que é a dependência do petróleo. Tudo continua sendo importado no país, a começar dos alimentos. Pecado ainda maior foi deixar-se pairar acima das instituições. A tentação da egolatria, uma das mais fortes armas do diabo, quando se trata de conquistar um governante, impôs-se nele sobre a compreensão de que a garantia da eficácia dos governos e da continuidade de suas políticas está em colocar a lei acima dos líderes. Chávez ocupou cada pequeno espaço da política e da administração do país com sua exuberante personalidade. O pobre Maduro agora que se vire para tocar adiante um regime assim (des) estruturado.
Revista Veja
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