sábado, 9 de março de 2013

Que país é este ? - Um processo marcado por manobras radicais

Juízes, promotores e advogados dizem que afastamento de laudo e perito é raro

Carolina Heringer, Paolla Serra e Sérgio Ramalho

granderio@oglobo.com.br

Tão raro quanto a Mercedes SLR McLaren de Thor Batista é o desenrolar do processo judicial ao qual o filho do milionário Eike Batista responde por ter atropelado e matado o ciclista Wanderson Pereira Santos em março do ano passado, na Rodovia Washington Luís. Vinte especialistas da área — entre juízes, desembargadores, promotores, advogados e peritos — foram unânimes: o afastamento do perito criminal do caso e a desqualificação de seu lado são medidas muito difíceis de acontecer.

— Não me lembro de nada igual. Talvez seja inédito. O laudo poderia ser desconsiderado, mas não desprezado — opina um promotor criminal com 16 anos de experiência, que pediu para não ter o nome divulgado.

A defesa de Thor alegou que houve violação da imparcialidade por causa de contatos entre o perito Hélio Martins Júnior e a promotora Simone Paiva Motta. Há dez dias, os desembargadores Luiz Felipe Haddad, Antônio Carlos Bittencourt e Denise Vaccari, da 5? Câmara Criminal, determinaram o descarte do laudo — segundo o documento, Thor dirigia a pelo menos 135km/h.

Na última quarta-feira, a juíza Daniela Barbosa Assump-ção de Souza, da 2^ Vara Criminal de Caxias, decidiu que o perito "não deverá mais manifestar-se" no processo. Em dez anos de carreira, a magistrada nunca havia dado um parecer semelhante.

Até o desembargador Luiz Felipe Haddad considera o caso extremamente raro:

— Realmente, não é comum. Mas consideramos que o laudo estava contaminado e mandamos que fosse retirado do processo. Certamente, o fato de esse rapaz (Thor) ser filho de um empresário muito rico criou um circo midiático em volta do caso e um certo clamor público pela sua condenação. Mas para nós, da Câmara, todos são iguais diante da Justiça. Ao retirarmos o laudo, evitamos apenas que
uma prova contaminada ficasse no processo. Isso não impede que a juíza peça um novo.

Hélio Martins Júnior, que, além de trabalhar há 12 anos na Perícia Técnica da Polícia Civil, é professor da Uerj, estranha seu afastamento:

— Nunca passei por isso. Sei que fiz um trabalho sério, acadêmico, de pesquisa. E não tive grande contato com a promotora. As pessoas têm comentado, me apoiado. Estou tranquilo, faria tudo novamente. Quando a perícia pega um trabalho, ela não olha de quem é. Sigo muito calmo, aguardando os próximos acontecimentos.

ALUNOS SURPRESOS

Os 20 alunos do Curso Santa Teresa D'Ávila, um pré-vestibular comunitário destinado a jovens de baixa renda, não imaginavam que o professor de Física I fosse um policial. Ou melhor, um perito. Martins Júnior dá aulas há cinco anos na pequena sala nos fundos da Paróquia São Francisco de Assis, no Parque Anchieta, bairro que fica quase no limite com a Baixada Fluminense.
Martins Júnior está longe do estereótipo de policial. Formado em Física pela Uerj, ingressou na instituição de ensino graças às aulas de reforço que recebeu num curso comunitário semelhante àquele no qual trabalha como voluntário. Depois de formado, passou para o mestrado em Astrofísica na UFRJ. "Astro o quê?" reagiu uma das alunas, ainda surpresa com a informação de que o professor é um policial. A Astrofísica é o ramo da Astronomia que lida com a física do universo, a luminosidade, a densidade, a temperatura e a composição química de estrelas e galáxias.

O perito, no entanto, não vive no mundo da lua. Foi na qualidade de especialista em avaliações de máquinas e veículos que fez o laudo sobre o acidente que envolveu Thor Batista.

Seu afastamento do processo é criticado pela promotora Simone Paiva da Motta:

— O contato entre promotor e perito é absolutamente normal, corriqueiro, em qualquer área do Ministério Público, já que a este cabe o ônus da prova. Nunca tive qualquer interesse pessoal na condenação do senhor Thor Batista ou de qualquer réu que fosse. Hélio Martins Júnior é um perito extremamente capacitado e, com certeza, jamais teve intenção de prejudicar o réu. •

Jornal O Globo

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