quinta-feira, 14 de março de 2013

Esta você não sabia - Tortura na infância rendeu traumas e documentário sobre a repressão

SÃO PAULO - Chamada pela direção da escola para uma reunião por causa do comportamento da filha Maria de Oliveira, a atual ministra de Políticas para as Mulheres Eleonora Menicucci identificou de imediato o motivo pelo qual a garota chorava na hora de sair da sala para o recreio: o pátio da escola lembrava a prisão onde a mãe ficou presa.
A experiência da infância motivou a menina a dirigir o documentário “15 filhos”, sobre a lembrança de jovens que tiveram os pais presos ou mortos pela repressão. Filmado em 1996, época em que ainda não se falava em instalação de comissões da verdade no Brasil, o filme relata episódios como o gesto violento de uma mulher enfiando a mão e revirando o pacote de pipocas que a menina levava para a mãe na prisão.
Já a lembrança das irmãs Telma e Denise de Lucena, filhas do operário Antônio Raymundo, é ainda mais dolorosa por um motivo: assistiram a execução do pai à queima-roupa, na porta de casa, quando tinham 3 anos e 9 anos de idade, respectivamente.
— Nunca vou me esquecer do rosto desse rapaz, que chegou perto do meu pai, pôs a arma na cabeça (dele) e atirou — descreve Telma, que nos dias seguintes não seria capaz de reconhecer a mãe na prisão porque estava “deformada” e “nem tinha voz de mãe”.
— No Juizado criaram uma imagem da gente, como se fôssemos bandidos. Falavam para as crianças: “Olha, esses aí são terroristas. Não mexam com eles, porque são perigosos" — lembra Denise, cujo irmão, Adilson, era obrigado a acompanhar agentes da repressão em diligências para localizar armas ou dar informações, sob ameaça de espancamento.
História semelhante viveram três dos quatro filhos de Ilda Martins da Silva, mulher do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, que foram presos junto com a mãe e levados para a sede da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo, em 1969. No período em que os pais estiveram detidos, os militares levavam as crianças de 7 anos, 8 anos e quatro meses para “passear”.
— Eles mostravam eles para outras famílias, diziam que seriam adotados por elas. Os mais velhos tinham tanto medo de se separarem da irmã que dormiam amarrados no berço dela — conta Ilda.
O silêncio geral sobre a violência na ditadura militar nos anos 80 e 90 foi algo que tornou ainda mais difícil essa experiência, conta Janaína Teles, e foi praticamente um “segundo trauma”. Ela buscou a aproximação teórica com o tema como forma de lidar com este incômodo. Hoje já tem o título de doutora em história social. Mas não fala em superação.
— A ressignificação deste passado acontece em vários momentos. Quando você é adolescente tem certas implicações, perto dos 40 anos são outras. Até o fim da vida a superação será relativa. Os traumas são profundos — diz.


Jornal O Globo


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