terça-feira, 12 de março de 2013

Entrevista - Patricia Konder Lins e Silva - Fundadora da Escola Parque, masco do ensino liberal, dia que educação atravessa crise de paradigma

Era isso - uma Escola, claro! Onde mais poderia exercitar a sua curiosidade, onde mais encontraria um mundo inteiro de aprendizado? Começou, portanto, a se envolver com a Escola dos filhos. Não demorou muito e logo era sócia de Mary Ferraz Soares Lopes e Rita Barbosa Coutinho, que haviam fundado um simpático e inovador estabelecimento de Ensino na Gávea chamado Escola Parque. Corria o ano de 1985 e o resto, como dizem por aí, é história: a Escola Parque tornou-se um marco do Ensino liberal no Rio de Janeiro, e do seu celeiro de ideias criativas saíram algumas das melhores cabeças da cidade, talvez do país.
Passados quase trinta anos, Patrícia poderia descansar sobre os louros da missão bem cumprida, mas nem pensa nisso. Ao contrário, vê cada vez mais motivos para se envolver com a Educação, que a seu ver está passando por um delicado momento de troca de paradigmas.
- Acontece que o mundo está passando por uma crise de paradigmas; consequentemente, a Educação também está - diz ela. - A Escola atravessa um difícil momento de transição. Surgiram novos valores, novos referenciais, e eles estão convivendo com os antigos. As pessoas falam muito nisso como se fosse coisa normal, natural, mas não é. Para começo de conversa, é uma crise. E é sofrida, é complicada. Significa tirar todos os seus referenciais e mudá-los radicalmente.
Crianças são nativas digitais
A "culpa" é, claro, da tecnologia, que trouxe uma nova forma de lidar com a realidade e de ver o mundo. As crianças chegam à Escola muito mais bem informadas do que jamais estiveram. E chegam mergulhadas num sistema que, em muitos casos, ainda tem um quê de novidade para o Professor. O choque é inevitável.
- Essas crianças são nativas digitais, ao passo que os Professores são imigrantes - explica Patrícia. - E os imigrantes digitais, como todos os imigrantes, falam com sotaque, lembram ainda da terrinha, da cultura anterior. Em muitos casos, têm saudade do tempo em que não tínhamos telefone, não tínhamos computador, não tínhamos celular. Só que o mundo não vai para trás, não é mesmo?
Patrícia esclarece que os Professores imigrantes não têm culpa de serem como são. Eles foram ensinados à maneira antiga, em outros parâmetros. As crianças, no entanto, se ressentem ao chegar a uma Escola que ainda é feita como eram feitas as Escolas no século XIX. Ela teve o seu mérito e funcionou bastante bem até certo momento. Só que os tempos mudaram e as necessidades são outras.
- As pessoas dizem que os estudantes não são mais os mesmos. Todo mundo fala mal das crianças e dos jovens de hoje: "São todos péssimos!" E não é verdade. São diferentes. Têm outro jeito, são outros estudantes, completamente diferentes dos antigos, mas a Escola continua querendo encaixá-los nos moldes de sempre. A questão é que eles não cabem nesses moldes! O que é que a criança vai fazer na Escola hoje em dia? Tudo que a Escola ensina está no Google.
A Escola, para Patrícia, está perdendo a posição de principal provedora de informação. Ela precisa mudar o foco: em vez de transmitir conteúdo, deve ajudar a resolver problemas. Menos Ensino, mais aprendizagem. E atenção integral às crianças:
- Há uma queixa recorrente nas Escolas: "As famílias não querem mais criar os filhos". Mas a família mudou! Todo mundo agora trabalha. Não existe mais aquela mãe que fica em casa e que providencia almoço e jantar. Ninguém nem janta com as crianças direito. Ninguém tem tempo para isso. E é normal. Não vai mudar. A família não vai voltar a ser mamãe, papai e filhinhos, e nem vai ter tempo para jantar mais... É óbvio que é necessária uma conversa com a família, que tem que ser parceira da Escola. Mas quem tem que cuidar das crianças hoje é a Escola. Eu acho que a Escola, pública então, deveria estar aberta 24 horas por dia. Deveria abrigar a criança sempre. Tem que alimentar a sua curiosidade mas também botar no colo, dar beijo, proteger. Tem que ajudar a crescer, educar, dar valores. Para isso, porém, é preciso mudar a cabeça da Escola, que não pode mais ser aquela coisa que fecha às 17h. Tem que ter um plantão permanente de pessoas acolhedoras e amorosas.
Ensinando a resolver problemas
O que é que as crianças podem aprender na Escola que não aprendem com o Google?
- As crianças precisam aprender - e no caso eu estou falando de uma criança epistêmica, não daquelas que precisam aprender a ler e escrever simplesmente - o que elas vão precisar para esse mundo que parece que vem aí - observa Patrícia. - Em primeiro lugar, aprender a resolver problemas. Problemas reais. O mundo virá com muitos problemas, de todos os tipos. Inclusive questões de valores. Por exemplo, a questão da manipulação genética... As crianças já teriam que aprender isso agora! Ética é fundamental. A água também será um problema. Como lidar com a água? O que a criança vai aprender na Escola é a chamada problematização, a aprendizagem baseada em problemas. E vai fazer trabalhos em grupo. Não existe mais aquela coisa individualizada, "eu sei", "eu estudei", "eu falei". Ao Professor cabe orientar na busca de soluções para esses problemas...
Filha do jurista Evandro Lins e Silva, Patrícia nasceu há 67 anos no Rio de Janeiro. Cresceu num ambiente muito peculiar. A casa da família era uma festa de ideias contínua, animada pela mãe Maria Luiza, conhecida por todos como Musa. Não era à toa: elegante, inquieta, divertida, Musa trazia o mundo para casa e dividia com os filhos. Quando terminava de ler um livro, reunia as crianças e contava a história, falando longamente dos personagens. Podia ser qualquer coisa, de Proust ou Dostoievsky aos romances do momento. Na mesa de jantar dos Lins e Silva discutia-se de tudo, e a curiosidade das crianças - quatro irmãos - era saudavelmente estimulada.
Aos 15 anos, Patrícia já frequentava o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o famoso ISEB, posteriormente fechado pela ditadura. O papel do ISEB era pensar o Brasil. Para isso, estavam lá intelectuais como Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Nelson Werneck Sodré e Antonio Cândido. Às vezes Celso Furtado e Gilberto Freyre faziam participações especiais.
- É claro que eu não entendia nada do que estava sendo dito, mas isso não tinha a menor importância - relembra. - Eu fazia questão de ir.
Uma universitária errante
Patrícia passou a infância e a juventude trocando de Escola, porque Musa, que não acreditava no Ensino tradicional, gostava de variar. Quando finalmente se formou, começou uma série de faculdades. Ainda estava em Brasília, onde o pai trabalhava com Jango, quando fez letras. Passados dois anos resolveu voltar para o Rio, onde começou ciências sociais; mas é claro que cansou depois de um ano e começou biologia. A empolgação durou pouco, e logo ela voltou para sociologia. Foi trabalhar na Air France, no Galeão, de uniforme e tudo - mas não quis ser aeromoça porque tinha medo de avião.
Era uma época agitada. Fim dos anos 60, ditadura, universidade em polvorosa. Ela ia e vinha entre um curso e outro, corria para as passeatas e protestos e vivia ao máximo. Um dia conheceu um cativante jornalista esportivo, Hedyl Valle Jr., que vinha de um Prêmio Esso conquis tado em 1968 por uma série de reportagens sobre juízes de futebol. Os dois se casaram e foram felizes para sempre - até a morte prematura de Hedyl, em 1993, aos 48 anos. A vida, então, mudou drasticamente. Com três filhos para criar (Luisa, historiadora da arte, Manoel, jornalista esportivo, e Antônio, golfista profissional), Patrícia pôs fim à vida acadêmica e atirou-se de corpo e alma na Escola Parque.
Hoje, sua principal preocupação é a Educação brasileira como um todo. Ela está angustiada com o que está acontecendo no país.
- Nós precisaríamos de um esforço nacional para a Educação - explica. - Precisamos que a Educação seja uma opção política, que envolva a nação inteira. E a Educação fundamental devia ser prioritária: a universidade pode esperar. O problema é que só o estado pode promover essa mudança, mas parece que ninguém está preocupado com o assunto... Repare só: hoje, em qualquer cidadezinha, há uma agencia da Caixa Econômica, toda arrumadinha. Há também uma agencia do Banco do Brasil, igualmente arrumadinha. Mas vá ver a Escola: está caindo aos pedaços. É isso que nós precisamos mudar. Urgentemente!

Jornal O Globo

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