Para professores, processo desgasta e afeta qualidade da avaliação
"Meme". Os desvios detectados na correção de redações do Enem foram ironizados no Facebook
Corrigir cem textos em duas horas compromete os critérios de avaliação? E se, a cada prova revisada, o corretor ganhasse menos de R$ 3? Após o GLOBO revelar correções polêmicas de redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), abriu-se um debate em torno das condições de trabalho de quem fica por trás das provas.
Na última edição do Enem, 5.683 corretores tiveram a missão de avaliar mais de quatro milhões de redações num espaço de menos de um mês. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), cada redação corrigida vale R$ 2,35.
Todo o processo é feito virtualmente. O corretor recebe lotes com 50 provas, e assim que as corrige recebe outra leva. Segundo o MEC, em média, cada corretor cuidou de 60 provas por dia. Mas este número pode ser muito maior. Segundo o professor Wander Lourenço, o processo de correção é desgastante, o que acaba comprometendo o nível da avaliação. Ele foi corretor em 2011, mas não aceitou o desafio no ano passado.
- Corrigi 4.200 redações em menos de 20 dias. Fiquei muito apavorado. Eu tinha aceitado as condições porque precisava de dinheiro, mas a experiência foi tão traumática que decidi não participar da correção do último Enem - conta o docente.
Para corrigir uma prova do Enem, é preciso ter formação em Letras e ter sido convocado por um supervisor regional do MEC, que dá instruções à sua equipe de corretores. Em geral, são chamados professores conhecidos do supervisor, na mesma lógica de um cargo de confiança.
Em outros vestibulares, a situação, no papel, não é muito diferente. A Unicamp informou que conta com cerca de 90 corretores, número que pode variar a cada ano, dependendo do total de candidatos.
Em 2013, eles precisaram corrigir 67 mil redações, que devem ser analisadas por pelo menos dois professores, ou até por um terceiro, quando há discrepância de dois pontos ou mais entre as notas dos outros avaliadores.
O professor de Letras da Universidade Estácio de Sá Luiz Carlos de Sá Campos chegou a avaliar cerca de mil redações em seis dias na última edição do Enem, mas desistiu ainda durante o processo porque o trabalho era muito "estafante". Para Luiz Carlos, o MEC deveria chamar mais professores a fim de retirar a sobrecarga dos corretores e elevar a qualidade da correção.
- Mas talvez isso não fosse interessante para o governo, já que a média geral das redações provavelmente cairia - sugere o professor.
Mas há quem entenda que o número
atual de corretores do Enem seja adequado. Para uma supervisora, que preferiu não se identificar por conta de um contrato de sigilo com o MEC, seria normal um professor corrigir 100 redações por dia, o que não lhe tomaria mais de três horas, segundo ela.
A supervisora considera justa a remuneração paga aos corretores, afirmando que as condições de trabalho são previamente expostas e que cada corretor tem a liberdade de corrigir a quantidade que dá conta.
( Colaborou: Manuela Andreoni)
Jornal O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário