RIO — Avenida Rio Branco, esquina com a Rua Acre, imediações da Praça Mauá. Nesse pedaço do Centro — encravado numa das regiões da cidade que mais vem sofrendo transformações nos últimos dois anos —, o passado e o presente vivem lado a lado. Ou em calçadas opostas. São sobrados de inspiração portuguesa do século XIX, que se refletem na fachada espelhada de um prédio pós-moderno, que é vizinho de uma construção remanescente da abertura da Avenida Central, que tem o mesmo CEP de alguns prédios em estilo art déco... Um museu de arquitetura a céu aberto que pode ser percorrido em poucos passos.
Um dos maiores exemplos dessa boa convivência entre gerações arquitetônicas de diferentes séculos é visto na Rua Acre. Do lado ímpar, alguns dos últimos sobrados portugueses erguidos no início do século XIX que ainda estão de pé no Centro seguem colorindo a paisagem. Muitas dessas construções têm inscrita na fachada a data de 1906, ano em que elas foram reerguidas, após um grande alagamento da via.
Ocupado no pavimento térreo por lotéricas, restaurantes, pastelarias e outras lojas, desde abril do ano passado o casario ganhou um vizinho pós-moderno, com a inauguração do Porto Brasilis, prédio envidraçado de 19 andares, com tecnologia verde, erguido na Rua São Bento 29.
— O Rio é uma cidade de diálogos arquitetônicos, em que o sobrado dialoga com essas towers (torres) mais recentes. Aqui neste trecho, na confluência com a Rua Acre, vemos prédios que representam essas diversas temporalidades: o tempo dos sobrados, que foram construídos no Rio até 1930; o tempo dos edifícios art déco, como o prédio A Noite, na esquina da Praça Mauá; e o tempo dos edifícios modernos ou pós-modernos, como o RB-1, primeiro desse estilo na região. Mais adiante, a pouco passos, temos na Rio Branco o prédio da extinta Caixa de Amortização, de influência francesa — comenta João Baptista Ferreira de Mello, professor de geografia da Uerj e coordenador dos Roteiros Geográficos do Rio (projeto que organiza passeios a pé pela cidade).
Área pertencia a mosteiro
Para o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti, a Rua Acre (que no século XVIII era parte da Rua da Prainha) e seus arredores merecem um olhar mais atento dos cariocas, já que aquele foi endereço de um dos primeiros loteamentos feitos pelo beneditinos na região:
— Junto com a Rua Mayrink Veiga e a Rua São Bento, a Rua Acre fazia parte do loteamento colonial. Pertencia ao Mosteiro de São Bento. Ela dava acesso à casa do bispo, que ficava no Morro da Conceição, onde hoje está uma construção do Exército, junto à fortificação. E, bem no começo da rua, mais próximo da atual Rua Major Daemon, havia a Prisão do Aljube, para crimes religiosos, para onde eram levados casais que brigavam, padres que extrapolavam seu papel, bígamos e homossexuais — conta Nireu Cavalcanti.
Outro exemplo de prédio que merece ser admirado nas imediações da Rua Acre com a Avenida Rio Branco é o Hotel São Bento. Em estilo eclético, ele é um dos últimos edifícios particulares que restaram da época da inauguração da Avenida Central, em 1905. Projetada pelo arquiteto Vicente de Carvalho e inaugurada em 1906, a construção fica na esquina das ruas Dom Gerardo e São Bento e abriga, além do hotel no segundo andar, uma farmácia, um restaurante e uma sapataria no térreo.
Segundo o arquiteto Washington Fajardo, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, as obras de revitalização da Zona Portuária devem levar novos ares para a Rua Acre e seu arredores.
Jornal O Globo
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