quinta-feira, 28 de março de 2013

Persoalidades - Dudu Pererê - O artista da poesi falada que incorpora o funk e a rua,da Lapa ao Jacarezinho


Dudu Pererê em ação na Rua Joaquim Silva, na Lapa
Foto: O Globo / Monica ImbuzeiroRIO - Seja na Lapa, em Copacabana, na Cidade de Deus, no Jardim Botânico ou no Jacarezinho, o Pererê pode aparecer com sua poesia falada, sozinho ou em meio aos Ratos Di Versos, coletivo que ajudou a criar e que promove saraus de microfone aberto na rua. Agitador cultural e provocador nato, ele oferece seus poemas a quem passa sem muito rodeio: “Você usa droga?”. E emenda: “Vendo pó”. Quando a pessoa olha atônita, ele completa: “póesia”. Há quem se assuste e quem pergunte quanto é. De um saco de pão, ele saca um dos livretos, onde se pode ler: “A vítima entregou a bolsa. Mesmo assim o amor atirou. O amor exigia a vida”.
Veja também
Mas não é exatamente sendo lido que Dudu Pererê mostra a que veio. Performático, seu espetáculo só é completo ao vivo. Microfone ou megafone em punho, ou simplesmente no gogó, fala seus textos, cheio de ginga, numa mistura de referências que vão do funk ao poeta Manuel de Barros, definido por ele como o “mago das coisas mínimas, do que está largado ao abandono”.
Tendo a Lapa como palco principal, a cada esquina esbarra com um conhecido. Em pouco mais de uma hora de fotos para esta reportagem, perambulando pelo entorno da Rua Joaquim Silva, foi saudado por oito pessoas. A última delas — um garçom de um bar onde os Ratos Di Versos já promoveram algumas edições de seu “saraval” — pediu um poema, no que foi prontamente atendido: “Trago a pessoa amada todo dia! Trago pois a amo. Amo pois a solto após a tragada para vê-la fumaçar-se. E que se nuvem...”. Os dizeres foram parar em cartazes espalhados nas ruas por Dudu, ou melhor, pelo Pai Pererê da Ilha, personagem que criou para fazer companhia aos tantos pais e mães de santo que oferecem seus serviços em postes e muros afora. Dudu se apresenta: “Pai Pererê trabalha com desenrolos em geral e só atende na rua”.
Da crônica carioca à crítica social
O trabalho de Dudu, no entanto, vai muito além das questões amorosas. Como rato de carnaval, cria marchinhas. Seus poemas funkeados, que passeiam da crônica carioca à crítica social, logo atraem o público, que tenta cantar junto. Com o grupo Caiporas Populares, faz apresentações mais formais, misturando poesia e música popular. Quatro vezes por ano, vai a São Paulo participar de eventos dos poetas maloqueiros, que conheceu na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Já sua vertente mais ácida aparece na companhia dos grupos Anarcofunk e Bloco Livre Reciclato. O primeiro conheceu durante o Ocupa Rio, na Cinelândia em outubro de 2011 — época do Occupy Wall Street, em Nova York —, quando cerca de 150 pessoas ocuparam a praça para protestar contra o sistema financeiro. No primeiro dia, por acaso, Dudu esteve lá e acabou ficando:
— Fui chamado para um sarau na abertura. Foi uma experiência que mudou meu jeito de ver a arte. Andava enjoado de ver as mesmas pessoas, ir aos mesmos saraus, as pessoas baterem palma para mim. Aliás, prefiro uma vaia espontânea do que um aplauso de etiqueta. O Ocupa Rio me fez pensar nas coisas práticas. Nem pensava em poesia. Com o tempo, conforme a galera foi sentindo a pegada da rua, foi pesando. Dormir na rua não é fácil. Ficava três noites lá, duas em casa. O doido foi que os moradores de rua começaram a ensinar às pessoas como viver na rua, desde como conseguem comida a onde dormem em função da direção da chuva. Tem uma aliança dos restaurantes com grupos de moradores de rua para fazer o que chamam de reciclagem de comida. Só dão comida para os conhecidos. Na ocupação, muitos moradores de rua entraram nas discussões.
É exatamente um morador de rua o personagem principal de uma das boas lembranças de Dudu numa noite de poesia no Beco dos Carmelitas:
— Ele estava no meio-fio acompanhando, vibrando. Até que pediu o microfone. E começou a falar da vida dele, da dificuldade da rua e parecia que não ia ter fim. As pessoas já estavam incomodadas. Aí, com jeito, fui entrando e pedi para falar um poema para ele. Quando acabei, perguntou se era mesmo para ele. Eu disse que sim e ele, já chorando, com todos olhando, falou, quase gritando: “Cara, hoje é meu aniversário! Você me deu um presente!”. E todo mundo começou a cantar parabéns.
Para o ator e poeta Eduardo Tornaghi, Dudu Pererê é isso: alguém que incorpora a rua ao espetáculo.
— Uma vez, estávamos falando poesia no Jacaré e, de repente, veio uma algazarra de crianças querendo o microfone. Ele imediatamente incorporou as crianças e o que podia ter sido uma interrupção virou o grande barato. Fazemos essa poesia de rua também na estátua do Drummond, na Praia de Copacabana. As pessoas se chegam. E o Dudu incorpora da velhinha ao bêbado de rua — descreve Tornaghi, no sarau que promove às quartas-feiras num quiosque na Praia do Leme, mais um evento em que Pererê bate ponto.
‘entro pela porta dos fundos’
A mutação que levou Dudu à poesia começou no talvez mais emblemático evento do gênero no Rio, o CEP 20.000, criado há 23 anos por Chacal. Levado por Daniel Mano, um amigo da faculdade, lá Dudu sentiu que gostava de falar poesia:
— Tenho isso na minha vida: sempre entro pela porta dos fundos. Com a literatura foi a mesma coisa. Na escola, nunca fui de ler. De falar poesia fui parar na literatura. Muito literato diz que a poesia falada é menor, porque, quando você fala, interpreta e, então, é teatro.
Chacal diz que Dudu, junto com Daniel, foi responsável por uma das renascenças do CEP lá pelos anos dois mil e pouco. E faz poesia sobre ele: “Dudu Pererê é um bicho adoidado. Um gigante pelo avesso. Ele não tem início, nem fim. Está sempre se descomeçando. Ele não tem frente, nem fundos. Sua gira tem trezentos e sessenta”.
— Como ele está acostumado na rua e não com o teatro, ele não tem um lado, é um poeta em 360 graus. Lembro das primeiras vezes em que o vi falando. Ele dançava o poema, um jeitinho de falar ritmado. Gosto da poética dele, não só da forma. É forte. E ele é envolvido com a política da cidade, sem se isolar na poesia. É uma pessoa importante para o CEP e para a poesia da cidade, um grande agitador cultural — afirma Chacal.
Com Daniel, Dudu passou a frequentar vários saraus na cidade. Mas os dois sentiram falta de um lugar para fazer poesia “mais à vontade”.
— Os saraus eram muito formais. Não podia conversar, tinha mestre de cerimônia, ordem para falar. Procuramos um lugar na Lapa e paramos no Beco do Rato. Lá começou o Ratos Di Versos. Depois fomos para o Beco dos Carmelitas, onde a coisa fluiu. A gente colocava até tapete vermelho para os travestis — lembra Dudu.
Nascido Eduardo Pereira de Carvalho e criado na Ilha de Governador com duas irmãs, que seguiram o direito, Dudu trilhou muitos caminhos antes de virar poeta. Na adolescência, viveu sua fase de playboy, frequentando festinhas com os colegas de escola. Depois, ingressou no Centro de Preparação de Oficias da Reserva (CPOR) “em busca de identidade”, mas o sonho da carreira militar acabou um ano depois, quando foi dispensado. Após fazer dois anos da faculdade de direito, foi para o curso de ciências sociais, que não concluiu. Nesse período, acabou virando Pererê quando sentiu os “primeiros sintomas de artistice”:
— Um dia, o Chacal me ligou perguntando meu sobrenome para colocar num cartaz do CEP. Aí, disse Pereira. Mas, quando começaram os primeiros sintomas de artistice, me incomodei com o Pereira. Ouvindo uma música do Bezerra da Silva, tive a ideia. No final, ele diz: “é malandragem, é o Saci Pereira”. Falei: “caraca, o Saci é meu parente!”. E adotei.
Mas nada garante que ele será sempre Pererê. Diz o poeta: “Certezas são vaidades e isso eu não aguento. Eu que sempre fui Vasco ainda posso virar Flamengo”.
 
 
 
 
 
TRAGO A PESSOA AMADA
TODOS OS DIAS !
 
Trago pos a amo
Amo pois a solto após a tragada
Para vê - la esfumaça - se !
 
Para que se NUVEM...
 
Pererê
 
 
O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário