Índios e PMs entram em confronto durante a desocupação de prédio, que vai abrigar o Museu Olímpico
Da Redação
Indígenas de várias etnias deixaram ontem o antigo Museu do Índio, no Maracanã, que ocupavam desde 2006, após um violento confronto com policiais militares, que cumpriam uma decisão judicial. Os invasores aceitaram a proposta do estado e vão ficar num terreno em Jacarepaguá, onde será construído o Centro de Referência da Cultura Indígena. Já o prédio desocupado terá uma destinação: será reformado e dará lugar ao Museu Olímpico, incluído no edital de licitação de concessão do Complexo do Maracanã, marcada para o próximo dia 11.
A briga entre o governo e os índios começou no ano passado, quando foi anunciado que o prédio seria derrubado como parte das obras do Maracanã. Protestos da sociedade fizeram o governo voltar atrás e anunciar o museu, mas os índios ainda tinham de deixar o local. — O dia foi tenso, mas estou aliviado. Os índios estão com a integridade física preservada e conseguimos chegar a um entendimento. Acredito que concluiremos o centro antes do prazo estimado, de um ano e meio — disse o secretário estadual de Ação Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira. Segundo o secretário, ainda neste fim de semana os índios serão instalados provisoriamente no terreno, de dois mil metros quadrados, onde funcionou o Hospital de Curupaiti. Na segunda- feira, o projeto do centro começará a ser delineado, numa reunião entre índios e autoridades. O ponto de partida é um croquis apresentado pelos indígenas.
REPÓRTER FERIDO POR ESTILHAÇOS
A operação para a desocupação da Aldeia Maracanã, como os índios chamam o antigo Museu do Índio, começou cedo e foi truculenta. O entorno do imóvel amanheceu como um campo de guerra. Equipes do Batalhão de Choque da PM cercavam os acessos ao imóvel, com o apoio de dois veículos blindados, helicóptero e uma dezena de viaturas. Indígenas e manifestantes estavam desde as 3h entrincheirados no edifício. Depois de mais de oito horas de cerco, policiais invadiram o local, utilizando bombas de gás lacrimogênio e spray de pimenta para dispersar os manifestantes que resistiam a deixar o prédio e outros que, do lado de fora, tentavam bloquear o trânsito na Avenida Radial Oeste.
A Funai informou que não se manifestaria sobre o episódio e que a Procuradoria Federal Especializada investigará se houve excessos por parte da polícia. A ação policial deixou levemente ferido o repórter fotográfico do GLOBO Pablo Jacob, atingido por estilhaços de uma bomba de gás. Ela aconteceu quando parte dos manifestantes já havia deixado o prédio. Um índio passou mal por causa do gás lacrimogêneo e manifestantes foram detidos. Segundo o defensor público da União Daniel Macedo, que negociava com os indígenas, os policiais descumpriram o acordo e entraram no local antes do combinado.
Ele disse que 15 dos 40 indígenas que ocupavam a Aldeia Maracanã ainda estavam no terreno quando a polícia entrou: — A maioria já tinha deixado o prédio. Tiramos mulheres, crianças e idosos. Ficaram uns 15 manifestantes lá dentro, que pediram mais 10 minutos para fazer um ritual, e acenderam uma fogueira. Estava tudo resolvido para eles saírem quando a PM entrou com gás e spray de pimenta. O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que também ajudava na negociação, contou que um dos policiais mirou um spray de pimenta na direção dele. Ele afirmou que se reuniria com representantes da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal para estudar o ajuizamento de uma ação de abuso de autoridade contra o comando da operação policial.
Durante a desocupação, PMs deram até tapas nos manifestantes. Apesar da violência utilizada contra manifestantes, índios e repórteres, o relações públicas da PM, coronel Frederico Caldas, disse a invasão foi necessária para restabelecer a ordem e liberar as pistas bloqueadas da Avenida Radial Oeste. Segundo ele, equipes do Batalhão de Choque invadiram o prédio porque os manifestantes não respeitaram o horário acordado para a desocupação. Caldas disse ainda que a polícia entrou para evitar que um incêndio, provocado pelos ocupantes do local, se alastrasse. — As chamas de uma fogueira feita por eles já haviam atingido uma oca. Não havia mais índios no prédio, apenas manifestantes. Entramos para liberar a entrada dos bombeiros — argumentou, acrescentando que 200 PMs participaram da desocupação.
SECRETÁRIO DE CULTURA COMEMORA
Após a invasão do prédio, seis manifestantes foram detidos e levados para a 18ª DP (Praça da Bandeira). Danilo Cunha de Jesus dos Santos e Francisco da Motta Macedo Neto foram autuados por crime de desobediência. Uma mulher detida por ato obsceno — ela tirou a blusa e mostrou os seios — não chegou a ser autuada. O grupo foi liberado ainda na tarde de ontem. Segundo o coronel, o prédio ficará ocupado por policiais militares do 4º BPM (São Cristóvão), a fim de evitar novas invasões. Entre os que respiraram aliviados com a liberação do imóvel estava o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão. “Finalmente acabou uma das maiores tolices da cidade: a "aldeia" Maracanã! O Museu do Índio fica em Botafogo”, afirmou ele no Twitter. Em outro tweet, Leitão apoiou a ação da polícia: “Além de ocupar ilegalmente um bem público, os invasores foram intransigentes. Não negociaram. A PM fez o que deveria e poderia fazer.” E acrescentou: “A ocupação é ilegal.
A Justiça mandou eles saírem. O governo ofereceu além do que devia.” No entanto, o procurador do Ministério Público Federal Jaime Mitropoulos contestou a posição da PM. Ele também participava do acordo para a retirada dos índios. Mitropoulos disse que estuda entrar com uma ação criminal ou cível para apurar se houve excesso de uso da força e eventual abuso de autoridade por parte da polícia. — Não havia incêndio dentro do museu. Mulheres e crianças já haviam sido retiradas do local, e no momento em que a polícia entrou os índios faziam um ritual de fogueira. Os bombeiros já haviam entrado antes e apagado o fogo.
A polícia entrou cerca de 15 minutos depois de lançar bombas de efeito moral — disse. A versão de que a polícia usou de truculência também foi sustentada pelo cacique Urutau Guajajara. Segundo ele, os bombeiros entraram antes da polícia e debelaram as chamas: — Estávamos fazendo um ritual quando os policias chegaram lançando gás de pimenta e mandando todo mundo deitar no chão. Quando a polícia entrou, o fogo já havia sido apagado. O cacique Urutau, que morava na Aldeia Maracanã há sete anos, prometeu se mobilizar para que os índios retornem à área do antigo museu: — Não vou para esse terreno em Jacarepaguá. Nosso terreno é este aqui — afirmou.
HISTORIADOR
Anagé Aruak, do clã Baré, da Amazônia, estava de cocar e lança em punho, mas tem uma vida mais urbana do que seu figurino pode dar a entender. Ele deixou sua tribo em 1994, para vender artesanato pelo litoral do país, mas abandonou a vida nômade quando chegou ao Rio, onde se orgulha de ter sido o primeiro indígena a entrar na Universidade do Estado do Rio (Uerj). Graduado em História e com especialização em Arqueologia, ele mora aos pés do Morro do Andaraí, num apartamento alugado, com a mulher, bióloga, e quatro filhos. Nos últimos tempos, ele se revezava entre o antigo museu, onde costumava dormir, as aulas que dá num colégio de freiras na Tijuca e o estágio no Colégio de Aplicação da UFRJ. Com uma sogra antropóloga, que já trabalhou com índios, Aruak diz que participou da ocupação porque “quer pegar nas nossas mãos as rédeas do nosso futuro” e garante que, com seu conhecimento, que alia o rigor acadêmico às tradições indígenas, consegue fazer a ponte necessária entre a universidade e os movimentos sociais. — Em pleno século XXI, querem usurpar os direitos dos indígenas, como fizeram há 500 anos — lamenta.
CANTO DA JIBOIA
Emocionado, Shama Mahadeva entoa um canto indígena, sentado no meio da balbúrdia de índios, jornalistas, policiais e manifestantes. E explica que se trata do canto da jiboia, de uma tribo no Acre, capaz de “chamar a força do mundo encantado”. Representante no Brasil do American Indian Movement, ele não tem parentes indígenas, mas diz ter sido iniciado na cultura por um xamã americano do povo Lakota, em 2010: — Eu nasci em Campos, mas sempre na minha vida buscava um resgate dos povos nativos. Talvez porque, quando criança, via sempre uma estátua de um índio na minha cidade. Eu não procurei nada, mas, quando encontrei o xamã, ele me iniciou. Eu já era conectado. Por isso, estou aqui há dois meses. Para ajudar. De camiseta do Fórum Social Global, tênis de marca e chapéu com uma faixa multicolorida, que representa os guerreiros do arco-íris — parte de uma profecia que diz que no tempo do búfalo branco todas as raças e cores se unirão —, Shama mora no Centro de Cultura Xamânica em Santa Teresa, para onde voltará.
PORTENHA NA CAUSA
Recém-formada em Psicologia por uma universidade privada de Buenos Aires, a argentina Ingrid Paul resolveu aproveitar os meses que teria até que seu diploma ficasse pronto para viajar. Reuniu um grupo de amigas e veio para o Brasil. Ao chegar ao Rio, soube da ocupação da Aldeia Maracanã e não pensou duas vezes: mudou-se de mala, cuia e alfajores para o lugar. — Achei que seria uma experiência importante para aprender outras histórias, conhecer outras culturas e crescer. A questão indígena não é um problema do Brasil, mas de toda a América — afirma. Agora que os índios foram expulsos, Ingrid, que vendia artesanato e jogava malabares nos sinais do Rio para se manter, pretende voltar para a Argentina. Sem dinheiro — “eu queria ficar aqui, mas teria que pagar R$ 80 para renovar o visto, e não tenho essa quantia” —, pretende pedir ajuda para a mãe, comprar uma passagem de volta de ônibus e enfrentar dois dias e meio de viagem. Só lamenta ter que deixar para trás o namorado, Danilo Lima, que conheceu no acampamento. Estudante, ele mora em Realengo, estuda na Estácio e defendeu os índios porque “a polícia só oprime, e o preço no mercado só aumenta”.
MILITANTE
No início, Vinícius — “sem sobrenome, não precisa” — não quer falar e pede desculpas porque está “balançado mesmo” com a retirada à força dos ocupantes da Aldeia Maracanã. Mas, em seguida, se abre um pouco e acaba revelando um pouco de sua história, a de militante nômade. Apesar de matriculado no curso de ciências sociais da Universidade estadual de Maringá, no Paraná, ele deixou o Sul do país em direção ao Rio assim que soube da ameaça aos índios que ocupavam a casa que já abrigou o Museu do Índio. De blusa social branca, calça cáqui e suéter vinho amarrado no pescoço, apesar do calor do Rio e a temperatura quentíssima provocada pelo choque entre manifestantes e policiais, Vinícius conta que sobreviveu fazendo flautas e essências para vender. E tem na ponta da língua o que o trouxe, aos 26 anos, à cidade: — Aqui é mais um exemplo da usurpação que acontece no Brasil por causa do capital privado — diz, antes de anunciar a próxima parada. — Devo ir para a Usina de Belo Monte.
A briga entre o governo e os índios começou no ano passado, quando foi anunciado que o prédio seria derrubado como parte das obras do Maracanã. Protestos da sociedade fizeram o governo voltar atrás e anunciar o museu, mas os índios ainda tinham de deixar o local. — O dia foi tenso, mas estou aliviado. Os índios estão com a integridade física preservada e conseguimos chegar a um entendimento. Acredito que concluiremos o centro antes do prazo estimado, de um ano e meio — disse o secretário estadual de Ação Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira. Segundo o secretário, ainda neste fim de semana os índios serão instalados provisoriamente no terreno, de dois mil metros quadrados, onde funcionou o Hospital de Curupaiti. Na segunda- feira, o projeto do centro começará a ser delineado, numa reunião entre índios e autoridades. O ponto de partida é um croquis apresentado pelos indígenas.
REPÓRTER FERIDO POR ESTILHAÇOS
A operação para a desocupação da Aldeia Maracanã, como os índios chamam o antigo Museu do Índio, começou cedo e foi truculenta. O entorno do imóvel amanheceu como um campo de guerra. Equipes do Batalhão de Choque da PM cercavam os acessos ao imóvel, com o apoio de dois veículos blindados, helicóptero e uma dezena de viaturas. Indígenas e manifestantes estavam desde as 3h entrincheirados no edifício. Depois de mais de oito horas de cerco, policiais invadiram o local, utilizando bombas de gás lacrimogênio e spray de pimenta para dispersar os manifestantes que resistiam a deixar o prédio e outros que, do lado de fora, tentavam bloquear o trânsito na Avenida Radial Oeste.
A Funai informou que não se manifestaria sobre o episódio e que a Procuradoria Federal Especializada investigará se houve excessos por parte da polícia. A ação policial deixou levemente ferido o repórter fotográfico do GLOBO Pablo Jacob, atingido por estilhaços de uma bomba de gás. Ela aconteceu quando parte dos manifestantes já havia deixado o prédio. Um índio passou mal por causa do gás lacrimogêneo e manifestantes foram detidos. Segundo o defensor público da União Daniel Macedo, que negociava com os indígenas, os policiais descumpriram o acordo e entraram no local antes do combinado.
Ele disse que 15 dos 40 indígenas que ocupavam a Aldeia Maracanã ainda estavam no terreno quando a polícia entrou: — A maioria já tinha deixado o prédio. Tiramos mulheres, crianças e idosos. Ficaram uns 15 manifestantes lá dentro, que pediram mais 10 minutos para fazer um ritual, e acenderam uma fogueira. Estava tudo resolvido para eles saírem quando a PM entrou com gás e spray de pimenta. O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que também ajudava na negociação, contou que um dos policiais mirou um spray de pimenta na direção dele. Ele afirmou que se reuniria com representantes da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal para estudar o ajuizamento de uma ação de abuso de autoridade contra o comando da operação policial.
Durante a desocupação, PMs deram até tapas nos manifestantes. Apesar da violência utilizada contra manifestantes, índios e repórteres, o relações públicas da PM, coronel Frederico Caldas, disse a invasão foi necessária para restabelecer a ordem e liberar as pistas bloqueadas da Avenida Radial Oeste. Segundo ele, equipes do Batalhão de Choque invadiram o prédio porque os manifestantes não respeitaram o horário acordado para a desocupação. Caldas disse ainda que a polícia entrou para evitar que um incêndio, provocado pelos ocupantes do local, se alastrasse. — As chamas de uma fogueira feita por eles já haviam atingido uma oca. Não havia mais índios no prédio, apenas manifestantes. Entramos para liberar a entrada dos bombeiros — argumentou, acrescentando que 200 PMs participaram da desocupação.
SECRETÁRIO DE CULTURA COMEMORA
Após a invasão do prédio, seis manifestantes foram detidos e levados para a 18ª DP (Praça da Bandeira). Danilo Cunha de Jesus dos Santos e Francisco da Motta Macedo Neto foram autuados por crime de desobediência. Uma mulher detida por ato obsceno — ela tirou a blusa e mostrou os seios — não chegou a ser autuada. O grupo foi liberado ainda na tarde de ontem. Segundo o coronel, o prédio ficará ocupado por policiais militares do 4º BPM (São Cristóvão), a fim de evitar novas invasões. Entre os que respiraram aliviados com a liberação do imóvel estava o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão. “Finalmente acabou uma das maiores tolices da cidade: a "aldeia" Maracanã! O Museu do Índio fica em Botafogo”, afirmou ele no Twitter. Em outro tweet, Leitão apoiou a ação da polícia: “Além de ocupar ilegalmente um bem público, os invasores foram intransigentes. Não negociaram. A PM fez o que deveria e poderia fazer.” E acrescentou: “A ocupação é ilegal.
A Justiça mandou eles saírem. O governo ofereceu além do que devia.” No entanto, o procurador do Ministério Público Federal Jaime Mitropoulos contestou a posição da PM. Ele também participava do acordo para a retirada dos índios. Mitropoulos disse que estuda entrar com uma ação criminal ou cível para apurar se houve excesso de uso da força e eventual abuso de autoridade por parte da polícia. — Não havia incêndio dentro do museu. Mulheres e crianças já haviam sido retiradas do local, e no momento em que a polícia entrou os índios faziam um ritual de fogueira. Os bombeiros já haviam entrado antes e apagado o fogo.
A polícia entrou cerca de 15 minutos depois de lançar bombas de efeito moral — disse. A versão de que a polícia usou de truculência também foi sustentada pelo cacique Urutau Guajajara. Segundo ele, os bombeiros entraram antes da polícia e debelaram as chamas: — Estávamos fazendo um ritual quando os policias chegaram lançando gás de pimenta e mandando todo mundo deitar no chão. Quando a polícia entrou, o fogo já havia sido apagado. O cacique Urutau, que morava na Aldeia Maracanã há sete anos, prometeu se mobilizar para que os índios retornem à área do antigo museu: — Não vou para esse terreno em Jacarepaguá. Nosso terreno é este aqui — afirmou.
HISTORIADOR
Anagé Aruak, do clã Baré, da Amazônia, estava de cocar e lança em punho, mas tem uma vida mais urbana do que seu figurino pode dar a entender. Ele deixou sua tribo em 1994, para vender artesanato pelo litoral do país, mas abandonou a vida nômade quando chegou ao Rio, onde se orgulha de ter sido o primeiro indígena a entrar na Universidade do Estado do Rio (Uerj). Graduado em História e com especialização em Arqueologia, ele mora aos pés do Morro do Andaraí, num apartamento alugado, com a mulher, bióloga, e quatro filhos. Nos últimos tempos, ele se revezava entre o antigo museu, onde costumava dormir, as aulas que dá num colégio de freiras na Tijuca e o estágio no Colégio de Aplicação da UFRJ. Com uma sogra antropóloga, que já trabalhou com índios, Aruak diz que participou da ocupação porque “quer pegar nas nossas mãos as rédeas do nosso futuro” e garante que, com seu conhecimento, que alia o rigor acadêmico às tradições indígenas, consegue fazer a ponte necessária entre a universidade e os movimentos sociais. — Em pleno século XXI, querem usurpar os direitos dos indígenas, como fizeram há 500 anos — lamenta.
CANTO DA JIBOIA
Emocionado, Shama Mahadeva entoa um canto indígena, sentado no meio da balbúrdia de índios, jornalistas, policiais e manifestantes. E explica que se trata do canto da jiboia, de uma tribo no Acre, capaz de “chamar a força do mundo encantado”. Representante no Brasil do American Indian Movement, ele não tem parentes indígenas, mas diz ter sido iniciado na cultura por um xamã americano do povo Lakota, em 2010: — Eu nasci em Campos, mas sempre na minha vida buscava um resgate dos povos nativos. Talvez porque, quando criança, via sempre uma estátua de um índio na minha cidade. Eu não procurei nada, mas, quando encontrei o xamã, ele me iniciou. Eu já era conectado. Por isso, estou aqui há dois meses. Para ajudar. De camiseta do Fórum Social Global, tênis de marca e chapéu com uma faixa multicolorida, que representa os guerreiros do arco-íris — parte de uma profecia que diz que no tempo do búfalo branco todas as raças e cores se unirão —, Shama mora no Centro de Cultura Xamânica em Santa Teresa, para onde voltará.
PORTENHA NA CAUSA
Recém-formada em Psicologia por uma universidade privada de Buenos Aires, a argentina Ingrid Paul resolveu aproveitar os meses que teria até que seu diploma ficasse pronto para viajar. Reuniu um grupo de amigas e veio para o Brasil. Ao chegar ao Rio, soube da ocupação da Aldeia Maracanã e não pensou duas vezes: mudou-se de mala, cuia e alfajores para o lugar. — Achei que seria uma experiência importante para aprender outras histórias, conhecer outras culturas e crescer. A questão indígena não é um problema do Brasil, mas de toda a América — afirma. Agora que os índios foram expulsos, Ingrid, que vendia artesanato e jogava malabares nos sinais do Rio para se manter, pretende voltar para a Argentina. Sem dinheiro — “eu queria ficar aqui, mas teria que pagar R$ 80 para renovar o visto, e não tenho essa quantia” —, pretende pedir ajuda para a mãe, comprar uma passagem de volta de ônibus e enfrentar dois dias e meio de viagem. Só lamenta ter que deixar para trás o namorado, Danilo Lima, que conheceu no acampamento. Estudante, ele mora em Realengo, estuda na Estácio e defendeu os índios porque “a polícia só oprime, e o preço no mercado só aumenta”.
MILITANTE
No início, Vinícius — “sem sobrenome, não precisa” — não quer falar e pede desculpas porque está “balançado mesmo” com a retirada à força dos ocupantes da Aldeia Maracanã. Mas, em seguida, se abre um pouco e acaba revelando um pouco de sua história, a de militante nômade. Apesar de matriculado no curso de ciências sociais da Universidade estadual de Maringá, no Paraná, ele deixou o Sul do país em direção ao Rio assim que soube da ameaça aos índios que ocupavam a casa que já abrigou o Museu do Índio. De blusa social branca, calça cáqui e suéter vinho amarrado no pescoço, apesar do calor do Rio e a temperatura quentíssima provocada pelo choque entre manifestantes e policiais, Vinícius conta que sobreviveu fazendo flautas e essências para vender. E tem na ponta da língua o que o trouxe, aos 26 anos, à cidade: — Aqui é mais um exemplo da usurpação que acontece no Brasil por causa do capital privado — diz, antes de anunciar a próxima parada. — Devo ir para a Usina de Belo Monte.
O Globo
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