sábado, 30 de março de 2013

Te Contei, não ? - O Rio de Machado de Assis

O Rio de Machado de Assis

Em 1840 - um ano depois do nascimento de Machado de Assis - começa no país o Segundo Reinado. O príncipe herdeiro Dom Pedro II, aos 14 anos de idade, tem sua maioridade antecipada e no ano seguinte é coroado Imperador do Brasil. O Rio de Janeiro, capital do reino desde 1808, além de principal centro urbano do país, é também seu centro político e nervoso. Em todos os setores, a cidade manifesta fortes ambições cosmopolitas de inspiração européia.

Considerado prudente e austero, Dom Pedro II empenhou-se em conciliar os interesses da elite. Cumpria com afinco suas obrigações burocráticas, cultivava a literatura e gostava de cercar-se de artistas e intelectuais. Os principais jornais do país ficavam no Rio de Janeiro, e tinham suas sedes na Rua do Ouvidor: O Jornal do Comércio, fundado em 1827, e a Gazeta de Notícias, de 1874. Em 1887, José do Patrocínio fundava o jornal A Cidade do Rio, importante veículo abolicionista, defendido por setores da sociedade.

Do ponto de vista humano e urbanístico, o Rio de Janeiro em que Machado de Assis viveu dificilmente poderia ser considerado "a cidade maravilhosa" que se transformaria no mais conhecido cartão postal do país. A paisagem natural imponente servia de cenário para inúmeras mazelas sociais, incluindo graves problemas de saúde pública e planejamento urbano. Em boa parte da maior metrópole brasileira, as ruas eram estreitas, as vielas sujas, e a iluminação, rede de esgotos e abastecimento de água eram inexistentes ou precários.

As casas de tijolo e alvenaria eram escassas, e uma parcela significativa da população era obrigada a procurar moradia em cortiços e favelas, enquanto um segmento reduzido vivia em elegantes palacetes nas ruas de Botafogo e Laranjeiras. Entre os dois extremos - cortiços e palacetes - uma classe média emergente expandia a cidade para os subúrbios construindo casas singelas. Esta nova classe social era formada por pequenos assalariados, funcionários públicos, negociantes bem-sucedidos, médicos e integrantes das milícias nas últimas décadas do século XIX.

Os transportes urbanos praticamente não existiam, e os que haviam ainda eram de tração animal - charretes ou carroças puxadas por um ou dois cavalos, quando não por braços humanos. Foi somente a partir de 1892 que alguns bondinhos, chamados "elétricos" começam a circular na cidade, ligando o Flamengo e o Largo da Carioca.

Embora a cidade cultivasse um lado "Belle Époque", de saraus, costumes de influência européia e moda importada de Paris, a imensa maioria da população defendia a sobrevivência nas ruas. Vendia-se de tudo nas calçadas - leite, aves, frutas, legumes, sorvetes, miudezas. A cidade poderia dar a impressão de uma grande feira, e o comércio era, de fato, a atividade que mais progredia na cidade. Na virada do século, a renda da cidade provinha basicamente dos serviços públicos, do movimento do porto e do comércio.

O crescimento desordenado da cidade (690 mil habitantes na virada do século) e a inexistência de saneamento básico formavam um solo fértil para o aparecimento de doenças. E o Rio de Janeiro do tempo de Machado de Assis foi, antes de tudo, perigosamente insalubre. A febre amarela, a varíola, a cólera e a peste eram algumas das graves doenças que ameaçavam a população, sobretudo nos meses do verão. Por isso, durante os meses mais quentes, as famílias de maior poder aquisitivo trocavam os perigos do Rio pelo ar mais saudável de Petrópolis, elegante reduto dos cortesãos de Dom Pedro II.

Na cidade de profundos contrastes sociais, a abolição da escravatura em 1888 e o fim da monarquia estimulavam ímpetos modernistas. Medidas sanitárias impostas pelo médico Oswaldo Cruz no início do século e obras urbanísticas realizadas pelo Prefeito Pereira Passos anunciavam uma nova era para a capital da República. Nos poucos anos que antecederam a morte de Machado de Assis, o Rio de Janeiro passou por profundas transformações. "Era a transição da cidade malsã para a "maravilhosa", definiu o escritor Pedro Calmon.
 


 

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