Henrique Gomes Batista, Enviado especial
QUISSAMÃ e MACAÉ – Cerca de 50 quilômetros separam Quissamã de Macaé, mas, ao ver a realidade dos dois municípios do Norte Fluminense e suas relações com o petróleo, a distância parece ser muito maior. Quissamã é considerada por especialistas como melhor exemplo do uso dos royalties no Brasil. Lá, de fato, foi transformada a realidade de sua população de 22 mil pessoas com investimentos pesados em saúde, educação, cultura e em projetos sociais. Macaé, por outro lado, é onde ficam mais nítidos os efeitos da voraz indústria do petróleo. Sua população mais que dobrou em duas décadas — com impactos até em sua identidade, pois hoje os forasteiros representam mais da metade dos moradores —, gerando problemas de cidade grande ao município de 250 mil habitantes, como trânsito caótico, favelas, poluição, especulação imobiliária e um custo de vida exorbitante
Em meio ao forte debate sobre a divisão dos recursos do petróleo — que já chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde os estados produtores tentam garantir recursos de compensação, apesar de o Congresso ter aprovado uma lei que trata de maneira semelhante locais afetados por petróleo e os estados não produtores, e com a possibilidade de um novo debate entre governadores sobre o tema, conforme antecipado pelo GLOBO na semana passada — moradores das duas cidades acompanham os acontecimentos em Brasília. Sabem que, dependendo do que ocorrer, o bem-estar social de Quissamã pode acabar ou, em Macaé, os problemas trazidos com a indústria de petróleo podem agravar o caos urbano.
Em Quissamã, as palavras serviço público, gratuito e qualidade normalmente andam juntas. Os royalties transformaram uma pequena cidade do interior, com economia baseada na decadente indústria da cana-de-açúcar, graças a cerca de R$ 100 milhões por mês, ou 40% do orçamento municipal. Essa nova cidade já atrai até moradores do Rio. É o caso da professora aposentada Heloísa Tavares Sgardi Lins, que trocou a Tijuca pela localidade:
— Aqui a médica me conhece pelo nome, o enfermeiro me liga para marcar exames preventivos, meu filho com problemas de educação conta com auxílio, tenho atividades como teatro e pintura e frequento a hidroginástica. Tudo de graça. Aqui se parece com o Canadá, onde mora uma amiga.
Longe de soar como um exagero, essa é a realidade percebida pela cidade, que tem 100% de saneamento básico, escola de qualidade, Programa Saúde da Família para todos e hospital de referência com seis leitos de UTI, algo que é um luxo até para cidades mais populosas. O município paga, até hoje, bolsas de estudos e transporte para moradores que pretendem estudar o ensino médio ou fazer uma faculdade em Macaé ou Campos. Foi graças a esse benefício que o então professor Sérgio da Silva Rodrigues entrou com 50 anos na faculdade de medicina. Hoje, é um dos médicos do município.
— Sem a bolsa nunca poderia ter realizado este sonho. No último ano da faculdade, em 2011, só a mensalidade era R$ 3.209 — conta.
Graças aos royalties, moradores de Machadinha, na zona rural de Quissamã, não precisam pagar para usar ônibus, que é gratuito. Vivendo ainda nas senzalas de uma fazenda — uma das construções do século XIX em melhor estado do interior fluminense, graças também aos royalties — os moradores sonham em progredir com bolsas do petróleo, dadas pela prefeitura.
— Estou no ensino médio, mas sei que posso fazer uma faculdade quando terminar, por causa dos royalties — afirma Artur dos Santos Peçanha, de 20 anos, descendente de escravos.
População dobra em Macaé e preços disparam
Na vizinha Macaé, a realidade é outra. A cidade tem problemas típicos de metrópoles e os desafios são enormes, mesmo recebendo R$ 500 milhões por ano com royalties — um terço do orçamento anual de R$ 1,5 bilhão. Se este recurso acabar de repente, então, pode ser criado o caos, diz o prefeito Dr. Aluízio (PV).
— Macaé não procurou ser um polo petrolífero, foi o petróleo que escolheu Macaé. E, por muito tempo, a relação entre a cidade e essa indústria, que por natureza é espaçosa, foi ruim. Mas agora queremos dar um ganho efetivo para a população — disse o prefeito da cidade que mais que dobrou de população em 20 anos.
A cidade não tem nem um litro sequer de esgoto tratado e o custo de vida é comparável ao da Zona Sul do Rio. Hospitais vivem lotados. Mas um dos mais visíveis problemas é a mobilidade, agravada pela migração diária de 40 mil pessoas de Campos dos Goytacazes e Rio das Ostras, que vão ao município trabalhar. Percorrer os 25 quilômetros entre Macaé e Rio das Ostras pode levar duas horas, o mesmo tempo que um maratonista gasta para correr 42 km.
— A situação fica mais grave, pois o estado não investiu na região os royalties que recebeu. A estrada que liga Rio das Ostras a Macaé, a RJ-106, é a mais importante rodovia estadual do Rio e não recebe investimentos. A mais importante estrada fluminense é pior que a pior estrada paulista — compara o prefeito.
Há quem tema que, sem os recursos do petróleo, a população das cidades vizinhas superlote ainda mais os serviços públicos da cidade, que diferentemente das outras não vive só de royalties. Ela sedia indústrias petrolíferas, gerando riqueza e outros impostos.
— Ainda vemos falhas políticas que pioram a situação, investimento errados — afirmou o servidor municipal Álvaro Coutinho, de 67 anos.
Especialistas contam que os administradores não estavam preparados para o petróleo. Além de não preverem com exatidão os impactos esperados, não conseguiram eleger prioridades.
— Houve problemas de gestão em algumas cidades, até bem intencionadas. Houve falha de orientação. E houve, sim, casos de corrupção. No entanto, há uma maior consciência de gerência na região, com cidades fazendo planos diretores — afirma José Luis Vianna da Cruz, professor da UFF em Campos, onde a prefeitura começa a resolver o déficit habitacional.
Já Paraty não quer repetir os erros que viveu com a explosão demográfica na época da construção das usinas nucleares em Angra. E Rio das Ostras, que já sofreu com o estigma de desperdiçar recursos em praças com revestimento em porcelanato, melhorou a educação:
— A gente vai se aperfeiçoando, eu mesmo fiz uma pós em gestão pública. Mas é muito difícil administrar uma cidade que ganha mil moradores por mês, temos que ter sempre as matrículas escolares abertas, por exemplo — conta Alcebíades Sabino (PSC), prefeito de Rio das Ostras, que está no terceiro mandato e foi responsável pela polêmica obra na praça.
Jornal OGlobo
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