‘Eu te conheço desde quando você não era ninguém!’, disse-me a fã, felicíssima e sentindo-se importante por ter acompanhado estes 32 anos em que vivi no Rio de Janeiro, depois que cheguei no pau de arara à
Rodoviária Novo Rio, com minha pequena mala de papelão, pobrezinho de marré-deci. Notem que na sociedade do espetáculo você torna-se alguém quando arranja um emprego na televisão ou quando sua imagem é massificada por alguma plataforma de mídia, e sua cara passa a ser reconhecida no meio da rua por quem nunca te viu. O famoso quem, mesmo? Não importa reconhecer a criatura 100%, vale inclusive uma vaga lembrança, que sinaliza algo tipo “esta cara já esteve em algum lugar da fama”, e isso confere um ar diferente, especial, elevado ao sujeito-alvo da desconfiança. “Ele é alguém, chegou lá, é bem-sucedido....” Realmente, a maluquice humana não tem limites.
Enfim, o rito de entrar para a televisão te inaugura para um tipo de público, vira teu certificado de batismo, você torna-se real, na irrealidade do mundo da imagem em vídeo, pixels, celuloide. Em algum tubo eletrônico ou na página de uma revista, você enfim é você, muito mais real e interessante porque renascido sem passado, apenas um totem da perfeição suposta e necessária do semideus. Nunca mais o boteco da esquina, a chinela e o supermercado, porque senão você volta a ser o ninguém.
Alias, vocês viram o embate entre o maravilhoso repórter Marcio Gomes e o querido ator Paulinho Vilhena, na entrada do Salgueiro para desfilar a tal Fama como enredo? O Marcio perguntou: “Paulinho, como você lida com a fama?” “Eu não acredito nela...”, respondeu o ator. Marcio insistiu: “Mas como é ser famoso?”. Paulinho repetiu: “Eu não acredito nisto”. Marcio agradeceu e eu fiquei pensando se eu acredito ou não na fama. Acho que é assim: fama é construção pós-moderna de mitos da sociedade da imagem, para consumo da comunicação de massa; mas como ela limita (e muito) o famoso, este a questiona e a repele, para alargar suas possibilidades de ser humano, e não virar joguete na teia limitante desta sedutora aranha. E você, já é alguém para você e os seus, ou é um zé-ninguém que acredita nesta tolice de que a perfeição é qualidade dos famosos da TV?
Milton Cunha é carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ. | E-mail: chapa@odianet.com.br
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