sábado, 4 de agosto de 2012

Te Contei, não ? - Entre religião e barbárie



Elemento fundamental na cultura de civilizações milenares, ato de barbárie aos olhos ocidentais. Os sacrifícios humanos fazem parte de um capítulo delicado da História que até hoje desperta controvérsias. A prática, no entanto, foi componente intrínseco de diferentes culturas e épocas, de povos pré-colombianos a gregos e romanos. Os rastros deixados por essas populações corroboram cada vez mais os relatos históricos sobre os sacrifícios, em uma engenhosa união entre evidências arqueológicas e estudos biológicos.

Na última descoberta do tipo, pesquisadores identificaram células sanguíneas, fragmentos de tecidos musculares, pele e cabelo aderidos a 31 facas rudimentares feitas com uma pedra chamada obsidiana e achadas no México. Os testes de laboratório no material, que tem 2 mil anos, ratificariam uma prática vívida ligada à religião dos povos antigos, desta vez com provas biológicas.

Os objetos foram encontrados na cidade pré-hispânica de Cantona, em Puebla, segundo fontes históricas um conhecido local de rituais que incluíam decapitações e desmembramentos.

Os objetos foram encontrados na cidade pré-hispânica de Cantona, em Puebla, segundo fontes históricas um conhecido local de rituais que incluíam decapitações e desmembramentos.

-Tiramos fotos de cada faca, em um registro muito particular, porque é um material pequeno. As imagens foram aumentadas com a ajuda de um microscópio que permitisse um rastreio completo. A partir daí identificamos de onde poderíamos retirar amostras, que foram levadas para análise - conta a restauradora Luisa Mainou, do Instituto Nacional de Antropologia e História do México (Inah), especialista em recuperar
materiais pré-colombianos.

Em um trabalho conjunto com a Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Mainou observou que as facas continham material orgânico. E distinto uso de acordo com sua forma e tamanho. As facas com restos de tecido epitelial, por exemplo, seriam usadas para cerimônias de retirada de pele - provavelmente de humanos, pelo tipo de poro observado e porque não havia pelos associados ao material, o que poderia ter levado a pensar que pertenceriam a animais que também eram usados em sacrifícios. Já a presença de células sanguíneas indicaria um corte, feito em incisões específicas que seguiam um ritual que para esses povos não tinha nada de arbitrário.

São evidências materiais que determinam o uso desses objetos para o sacrifício, algo já indicado por fontes históricas e arqueológicas, explica Mainou, cujo primeiro contato com o tema foi em 1993, quando detectou vestígios de sangue humano em uma faca de sacrifício encontrada no sítio arqueológico de Zethé-Hidalgo:

- Determinar e definir a presença deste material é sempre emocionante. É como fazer arqueologia microscópica, porque são materiais muito pequenos e sujos pela passagem do tempo.

Nas culturas pré-colombianas, os sacrifícios estavam ligados à religião. Era uma tentativa de o homem ter controle sobre fenômenos que desconhecia e obter benefícios como boas colheitas, chuvas e bem-estar. Mas não eram exclusividade desses povos. Relatos da antiga Grécia revelam que, ao levantar novas cidades, os gregos também realizavam sacrifícios.

O mesmo se repetiria em Roma. Em comum estava o objetivo de acalmar os deuses em troca de um benefício para a continuidade dessas culturas.

- Os sacrifícios estão presentes em quase todas as culturas antigas. É um evento universal que conectava os povos apesar das diferenças temporais e geográficas. Hoje, o Ocidente os define de maneira grotesca, mas foram atos que surgiram com estas civilizações - analisa o arqueólogo Guillermo de Anda, do Inah. - No caso dos povos meso-americanos, o propósito fundamental era oferecer o que o homem tinha de maior valor, que era sua vida, aos deuses, para garantir a continuação da ordem do universo, segundo sua cosmovisão. O sangue tinha um simbolismo importante, por isso uma das práticas mais frequentes era a extração completa do coração.

O especialista conta que os sacrifícios eram rituais públicos em que a imagem do coração recém-tirado, ainda batendo e cheio de sangue, era uma mostra de poder e devoção aos deuses. Em alguns povoados, inclusive, o coração era colocado na boca das estátuas erguidas aos deuses, o que simulava "alimentar" a figura de certa divindade. Em outros povos, a decapitação também era frequente. Os astecas, no centro do México, costumavam organizar jogos de "pelota" entre guerreiros, em que deveriam arremessar a bola em arcos, e os derrotados eram decapitados, em um ato que também envolvia a honra.

Crianças também eram sacrificadas, principalmente em rituais relacionados a Chac-Mool e Tláloc, deuses associados às chuvas e aos ventos.

Acreditava-se que esses deuses tinham quatro pequenos ajudantes, o que poderia justificar o sacrifício de do coração.

O especialista conta que os sacrifícios eram rituais públicos em que a imagem do coração recém-tirado, ainda batendo e cheio de sangue, era uma mostra de poder e devoção aos deuses. Em alguns povoados, inclusive, o coração era colocado na boca das estátuas erguidas aos deuses, o que simulava "alimentar" a figura de certa divindade. Em outros povos, a decapitação também era frequente. Os astecas, no centro do México, costumavam organizar jogos de "pelota" entre guerreiros, em que deveriam arremessar a bola em arcos, e os derrotados eram decapitados, em um ato que também envolvia a honra. Crianças também eram sacrificadas, principalmente em rituais relacionados a Chac-Mool e Tláloc, deuses associados às chuvas e aos ventos.

Acreditava-se que esses deuses tinham quatro pequenos ajudantes, o que poderia justificar o sacrifício de crianças nos rituais dedicados a essas divindades.

- Devemos entender essas práticas como um elemento importante das culturas e religiões dessa época. Não era um ato selvagem de matar por matar. Eram rituais bem estabelecidos desde o período Pré-clássico e com normas específicas cujo único objetivo era realizar oferendas aos deuses - explica Guillermo de Anda. - A crença é que, se não realizassem os sacrifícios, deixariam de ser beneficiados pelos deuses. E a prática se inseria na visão de opostos complementares, onde a morte é um caminho que gera vida.

No México e na América Central, com a colonização espanhola, a prática foi aos poucos extinta, condenada como pagã pelos dominadores.

Fonte: O Globo

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