quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Crônica do Dia - Quando um país adoece

Revista VEJA, 6/11/2013
LYA LUFT
       
Um país, como uma turma de alunos, urna comunidade, tem traços de pessoa: algumas se renovam e crescem, outras giram sobre um eixo tedioso, como em águas movediças. Precisam corrigir direções, renovar caminhos, descobrir remédios, limpar o lixo, tirar as teias de aranha, buscar orientação. Nem sempre conseguem. Falta informação, falta ânimo, falta liderança boa. Nem se dão conta de que poderiam ser mais saudáveis, progredir e crescer. Adoecem e às vezes ficam assim por longo tempo, num processo de autodestruição.
Sinto meu Brasil como uma grande pessoa que sofre de convulsões, sob uma fachada de perigoso otimismo ou desinteresse. Um desses flagelos é a violência atual, desordenada, crescente e quase incontrolada nas nossas ruas por ocasião de diversas manifestações: o quadro se torna assustador.
Claro que existe o mais do que positivo: a natureza incrível, o povo corajoso, a arte, a beleza, a luz, a cordialidade (nem tanto de momento, pois estamos mais para ferozes do que para pacíficos). O termo “pacífico” anda mal-empregado: manifestações “pacíficas e democráticas” que acabam em crime e destruição não são pacificas. Perdão, mas se meu pé está gangrenado meu corpo não está saudável.
O vocábulo “vândalos” também está mal aplicado: trata-se de bandidos e criminosos, que roubam, quebram, invadem, destroem. Aliás, não entendo como grupos de vinte pessoas interditam vastas avenidas ou estradas, deixando parados milhares de pessoas que precisam trabalhar, estudar, ir ao médico: o que há com nossas leis?
Manifestação, sim, e sempre. Há mais do que bons motivos para protestar. Mas fechar avenidas e vias movimentadas não será exagero? Destruir, bater, incendiar, não é mais crime? Quem bota ordem nisso, que lei, que regulamentos? Quem nos protege, a nós cidadãos que pagamos impostos e precisamos viver com relativa paz?
A polícia muitas vezes parece contida, por ordens internas ou pelo clamor das tantas organizações que bradam aos céus se algum rigor é aplicado para conter esses criminosos nas ruas. Não há organizações que briguem por nós, que gostaríamos de morar com calma em nossos edifícios, andar pelas ruas e avenidas, ir à farmácia e encontrá-la aberta, ir ao caixa eletrônico e não achar ruínas, pegar ônibus em lugar de os ver incendiados. Para moradores de certo edifício onde reside uma autoridade, que vem sendo depreda do por grupos nada pacíficos, o conselho das autoridades responsáveis foi que ficassem dentro de casa ao perceber qualquer movimentação na rua, que se recolhessem de preferência aos aposentos internos do apartamento, que não atendessem telefone nem interfone, e... esperassem tudo passar. Na maior cidade do Brasil, bandos não muito numerosos atacam, roubam, destroem, incendeiam recentemente fizeram isso com vários ônibus e caminhões, e demorou um tempo surreal para surgirem policiais e bombeiros. Muita gente foi detida: quase todos, logo liberados. Onde está a justiça?
O que há por trás dessa ilegalidade a céu aberto, dessa impunidade? O que explica o nosso desamparo? Devemos aguardar que tudo se desmanche no ar por algum bafejo de sorte ou nos conformamos com essa guerra civil?
Temos razões de sobra para protestos ordeiros por toda parte. Mas não para esse terrorismo que nos deixa acovardados. Manter a ordem quando eles ocorrem seria responsabilidade dos organizadores e das autoridades, mas ninguém parece saber como agir. Esse corpo que convulsiona, quem o vai acudir, e quando? Não tenho respostas. Talvez esperem que passe por si, como certas febres, e o país acorde curado. Enquanto isso, temos medo: da violência habitual dos assaltantes em nossas ruas e casas, e agora dos movimentos que começam “pacíficos” e terminam em pavor, em danos materiais e psicológicos para o povo. Este que precisa de tranquilidade, liberdade e da possível paz: precisa viver sua vida em um lugar civilizado. O país está doente: só não enxerga quem não quer ver.

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