Frei Betto: Ano-Novo e bons propósitos
Cada um de nós sabe bem onde dói o calo. Resta ter força de vontade para pisar mais leve no chão da vida
Rio - A passagem do ano costuma significar, para muitos de nós, época de bons
propósitos. Damos um balanço no ano que findou e, frente ao que se inicia,
prometemos a nós mesmos ao menos não repetir os erros cometidos.
Tais propósitos variam muito. Para uns, ficar menos dependentes do celular e
da internet e dar um pouco mais de atenção aos familiares. Para outros, evitar a
obesidade e o risco de diabetes, fazer exercícios físicos e reduzir a comilança
engordativa.
O fato é que cada um de nós sabe bem onde dói o calo. Resta ter força de
vontade para pisar mais leve no chão da vida e evitar tropeços.
Mudar de ano e mudar de vida é o que muitos de nós gostariam. O que favorece
a distância, por vezes enorme, entre os nossos propósitos e a nossa prática? Por
que nem sempre somos coerentes com os ideais que abraçamos?
Aprendi com os mestres da mística que, ao fazer propósitos, temos que
primeiro nos perguntar: procedo para agradar a mim mesmo ou preferencialmente
aos olhos alheios?
Muitas vezes somos movidos a agir contrariando nossa própria vontade, por
colocarmos a nossa autoestima na opinião alheia e não na felicidade do nosso
coração.
O tempo todo somos bombardeados pela publicidade que alardeia não ser feliz
quem não possui tal carro, não mora em tal bairro, não veste tal grife, não faz
tal viagem...
Vejam como na publicidade todos são felizes e saudáveis! Vejam como os ricos
e famosos, que têm acesso a todos esses produtos de luxo, são esbeltos e
alegres! Como canta Adriana Calcanhotto em ‘Ciranda da bailarina’: “Procurando
bem/ Todo mundo tem pereba/ Marca de bexiga ou vacina/ E tem piriri, tem
lombriga, tem ameba/ Só a bailarina que não tem.”
Afinal, vivemos em uma sociedade capitalista na qual ninguém tem valor pelo
simples fato de ser uma pessoa. Vejam os mendigos e moradores de rua. Quem lhes
dá valor?
Eis a inversão total que favorece a depressão, o suicídio e a dependência química. Nesse reino do deus mercado, no qual poucos são os escolhidos e muitos os excluídos, a felicidade é um bem escasso e difícil de ser alcançado, até pelo fato de ser não mercantilizável.
Eis a inversão total que favorece a depressão, o suicídio e a dependência química. Nesse reino do deus mercado, no qual poucos são os escolhidos e muitos os excluídos, a felicidade é um bem escasso e difícil de ser alcançado, até pelo fato de ser não mercantilizável.
Quem é feliz sabe que a felicidade é um estado de espírito, uma sabedoria de
vida, uma leveza de coração, uma questão de conteúdo e não de forma. Para
alcançá-la é preciso ousar, reduzir a distância entre os bons propósitos e a
prática cotidiana viciada por fatores que nos afastam dela.
Feliz Ano-Novo, meus queridos(as) leitores (as)!
Feliz Ano-Novo, meus queridos(as) leitores (as)!
Autor de ‘O que a vida me ensinou’ (Saraiva)
Nenhum comentário:
Postar um comentário