“A democracia só serviu para aposentar os meus heróis.” Essa afirmação é ofensiva para aqueles que sobreviveram aos tempos de chumbo
Rio - “A democracia só serviu para aposentar os meus heróis.” Essa afirmação
é ofensiva para aqueles que sobreviveram aos tempos de chumbo. São muitos
professores, pais e avós orgulhosos que, diante da necessidade de comparação dos
tempos atuais com os de outrora, estapeiam o próprio rosto:
— Você não sabe
o que fala! Foi nesse rostinho que a ditadura bateu!
Ela continua nos batendo.
Guns n’ Roses, na síntese do termo, na convicção escondida sob o pano de
fundo da misericórdia proposta pelos atuais ditadores da paz, demorou 25 anos
para lançar o seu último CD, ‘Chinese Democracy’. A demora me pareceu
proposital. Hoje não há mais motivos para atender à neurótica segregação entre
Bem e Mal. Ninguém mais fala em capitalismo e socialismo no mundo. Não há mais
arregalar de olhos e ranger de dentes em relação a esses termos, e quem ainda
batalha nesse campo já morreu e não sabe. Mas existe imensa hipocrisia girando
em torno da atual democracia e do ideal de “capitalismo humanitário” que tanto
ouvimos falar. Muitos confundem esse ideal com o populismo. Se todos os
brasileiros se tornassem confessos irreparáveis, o partido coração do povo
jamais se assumiria como “de oposição” ou “de situação”. Todos seriam “de
ocasião”.
Tenho pena dos intelectuais que expiaram durante anos a imposição de uma
forma pelo buraco da fechadura e hoje, quando finalmente puderam entrar nesse
quarto escuro e acender a luz, descobriram que acabaram exilados em seu próprio
país.
Ora... a forma não importa! O que sempre importou foi a ‘fôrma’! E nossos pés
ainda calçam as mesmas sandálias do passado. Continuamos facilmente
corruptíveis, manipuláveis, preguiçosos e superficiais. Alguns se divertem para
descansar do trabalho, enquanto a maioria, viciada em prazer, só trabalha para
pagar a diversão histriônica e exagerada dos fins de semana.
Pegamos nossa visão de democracia e nos embebedamos com ela até perder o
juízo. Dispensamos o cálice de nossas consciências e urinamos democraticamente
nas ruas, quebramos vidraças, traímos nossas mulheres, procuramos heróis no
futebol, fazemos ‘uni duni tê’ para apontar os políticos que pagarão pelo erro e
escolhemos um, apenas um Amarildo para ser objeto de misericórdia. O “cale-se”
gritado por Chico ainda ecoa. E perdemos as nossas desculpas.
João Pedro Roriz é autor do livro ‘Almanaque da Cidadania’
Gostei muito do texto , me fez refletir sobre como não mudamos muito em questão do modo de pensar da antiguidade para os dias de hoje.
ResponderExcluirGabriel Martins