domingo, 9 de março de 2014

Te Contei,não ? - Teixeira e Sousa , pai do Romantismo no Brasil


Duzentos anos após o seu nascimento, ocorrido em 28 de março de 1812, na cidade de Cabo Frio, no interior do estado do Rio de Janeiro, Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa continuar a ser uma figura desconhecida para nós brasileiros
Por Uelinton Farias Alves


Seu nome, pouco ou nada se associa à nossa literatura, a não ser para alguns setores da academia, sobretudo na pós-graduação em História ou Letras, em que é alvo de raras defesas de dissertações ou teses, e, em geral, ainda é colocado em dúvida um dos seus mais importantes feitos, capital para nossa história: a paternidade do romance no Brasil, que a ele, como escritor pertence, ao publicar, em 1843, O filho do Pescador, pela casa editorial de Paula Brito.
Mas, afinal, quem era Teixeira e Sousa? Filho do comerciante português Antônio Gonçalves e da preta forra Ana Teixeira de Sousa, ainda criança iniciou seus estudos na terra natal, tendo como mestre o poeta Ignácio Cardoso da Silva, professor régio em Cabo Frio. Logo após a Independência, em 1822, o pai fora obrigado a liquidar o seu estabelecimento comercial para "não lesar os seus credores", que retornavam a Portugal, e ficara numa verdadeira ruína financeira. Com isso, pobre e falido, resolveu tirar o filho Antônio - o mais velho de todos os irmãos - das aulas de latim, e iniciá-lo no curso de aperfeiçoamento profissional, um tanto mais rude, de marceneiro, mas que pudesse lhe render meios de subsistência, e ajudar a família nessas horas difíceis.
Viaja com o pai para a Corte, por volta de 1825, para aperfeiçoar-se ainda mais na profissão, mas, cinco anos depois, sozinho, teve que voltar à cidade cabo-friense, devido às "queixas do peito", atacado por infecção pulmonar - indício de tuberculose. Nesse período, lia muito, bons e maus autores, ou tudo que "lhe vinha às mãos". Seu retorno à casa paterna lhe trouxera grandes dissabores: morreram, num espaço de quatro anos, todos os cincos irmãos, que já haviam perdido a mãe. Não demora, e perde também o pai, de quem herda parcos bens pecuniários. Sozinho no mundo, retoma os estudos com o velho mestre régio, que o quer ver médico, no que tem o apoio de amigos e vizinhos. Mas nada disso o apetece. Tinha algum pendor para a literatura. Regressa, então, à capital do país, e liga-se ao editor e poeta Paula Brito. É desse período sua primeira composição, a tragédia Cornélia, com apenas 18 anos, saída como volume da 4ª Série do Arquivo Theatral.
Em seu livro Teixeira e Sousa entre os seus contemporâneos: vida e obra (Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro), a professora Hebe Cristina da Silva fala dessa fase da existência do escritor fluminense como sendo de muitas dificuldades e lutas. Para ela, é na sede do império que Teixeira e Sousa se afirma como escritor, ao publicar aquele que seria o romance fundador da nossa novelística - O filho do pescador. No seu estudo, a pesquisadora é categórica em dizer que, ao contrário de Joaquim Manuel de Macedo (1820- 82), autor de A moreninha, ou de Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-92), autora de Máximas de virtude e formosura, a façanha inauguradora cabe, na verdade, ao escritor afrodescendente.
Pelo que parece, Hebe Cristina da Silva, com toda a sua autoridade sobre o tema, não só desfaz muitos equívocos, como também coloca, com destaque, a produção romanesca de Teixeira e Sousa (que publicou pelo menos cinco romances, três livros de poesias, duas peças de teatro e dois livros de canções, sendo alguns lundus), entre os principais prosadores românticos da primeira fase desse movimento no Brasil, cuja produção apareceu, afinal de contas, sob o foco do frisson e da modernidade, ou seja, no clímax de turbulência e de agito que coincidiram com a presença da Família Real portuguesa nos trópicos e no Rio de Janeiro, logo após o grito da Independência e a abdicação de D. Pedro I.
Independência e a abdicação de D. Pedro I. Baseada nos relatos biográficos ou em artigos críticos e jornalísticos veiculados na imprensa da época, bastante elogiosos, e que saíram no Jornal do Commercio e na revista O Guanabara, além de diversos outros estampados na Marmota Fluminense, periódico do editor Paula Brito - tido como o primeiro revelador e responsável pela estreia de Machado de Assis em letra de forma - Hebe Cristina da Silva tece argumentos preciosos que corroboram o importante papel de Teixeira e Sousa como protagonista da cena literária daquela quadra oitocentista, como homem de ideias, intelectual, jornalista, editor, tradutor e, sobretudo, agitador cultural, além, é claro, de romancista.
Alvo de diversas críticas nos jornais da época, ele despertou também a reação pouco amistosa de Gonçalves Dias e de um jovem e inexperiente, mas altamente entusiasta, Machado de Assis, ambos de origem negra - hoje dois nomes consagrados das letras nacionais. O primeiro, sem sombra de dúvida, já afamado poeta, divulgou texto anônimo fazendo severas restrições à produção teixeiriana; enquanto o segundo, por sua vez, de natureza mais contida e amistosa, escreveu um belo poema em que o chamava de "um gênio americano".
SUAS OBRAS TRAZEM PERSONAGENS NEGRAS COM POSTURAS HEROICAS E ATOS NOBRES, EM CONTRAPONTO, MUITAS VEZES, A PERSONAGENS BRANCAS, NEM SEMPRE DE ÍNDOLE BOA
A farta documentação da época, existente, no entanto, com rica iconografia de jornais oitocentistas e obras publicadas com rigor editorial, traz um panorama de como foi intensa a atividade literária de Teixeira e Sousa nos seus 49 anos de existência, não só como prosador, sempre gozando de enorme prestígio, desde sua estreia, experiência que se estendeu a outras narrativas suas, como As fatalidades de dois jovens, Maria ou a menina roubada ou, ainda, A providência, sem contar os livros de poesias Os três dias de um noivado ou a história em versos camonianos A independência do Brasil, de 1855, dedicada ao imperador Pedro II, que lhe rendeu um emprego público, oferecido pelo monarca, como era praxe naqueles tempos.
Defensor da igualdade entre os homens, o que significava uma dura crítica ao regime escravista e monárquico (desde O filho do pescador, suas obras trazem personagens negras com posturas heroicas e atos nobres, em contraponto, muitas vezes, a personagens brancas, nem sempre de índole boa).
Trata ainda nos textos que divulga nos jornais e nas revistas sobre a condição das mulheres, como na série O coração da mulher. Talvez por isso, Teixeira e Sousa seja visto como um autor com características altruístas, visionário quanto à edificação do ser humano, independentemente de quem seja ele, negro ou branco, mulher ou homem. Esquecido do grande público pela falta de reedição de seus livros, Teixeira e Sousa é um autor desbravador e pioneiro, que abriu caminho - como escritor e intelectual - para a constituição da tão importante formação da literatura fluminense e brasileira.

(*) Jornalista, escritor e professor, autor, entre outros de "José do Patrocínio: a imorredoura cor do bronze" (Editora Garamond).

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