Waleska Borges
RIO - No palco, ela contou suas experiências com drogas, sexo e aborto. A
garota cujos diários foram transformados na peça "Confissões de adolescente" -
sucesso no teatro, em livro e como série de TV - viu sua vida voltar à cena no
início deste ano, quando o filme homônimo chegou aos cinemas em uma versão
atualizada, dirigido por Daniel Filho. Mais de 20 anos depois da primeira
temporada da peça, no porão do Teatro Laura Alvim, em Ipanema, muita coisa mudou
na rotina de Maria Mariana, de 41 anos. Desde que deixou a carreira de atriz e
escritora, Mariana assumiu em tempo integral o papel de mãe de Clara (14), Laura
(12), Gabriel (10) e Isabel (7). Mas quem imagina que Mariana é uma mulher
"moderninha" está enganado. Assumidamente careta, ela conta que deixou de beber
álcool há mais de 15 anos, não fuma, é vegetariana e preza a convivência
familiar.
Casada com o médico André Peçanha, 16 anos mais velho, Maria Mariana mora
atualmente em um prédio, na Tijuca. A família, porém, viveu 13 anos num sítio em
Rio das Ostras, na Região dos Lagos. A vida sem televisão, com horta e cavalo,
foi interrompida há cerca de um ano, quando a família retornou ao Rio por causa
do trabalho do André e dos estudos das crianças. Sem tempo devido ao dia a dia
na educação dos quatro filhos - ela leva as crianças para seus compromissos e
ainda ajuda com os deveres de casa -, Maria Mariana quis fazer a entrevista no
Lago das Fadas, na Floresta da Tijuca, no horário escolar. O cenário, onde há um
do lago de onde brotam imensos eucaliptos, é um dos lugares que ela gosta de
frequentar para contemplar a natureza.
Descalça, Maria Mariana senta no chão e brinca na areia enquanto é
fotografada. Com as unhas sem esmalte, joga a terra misturada com as folhas
secas para cima e deixa tudo cair bem lentamente. Pouco antes, tirou da bolsa um
vidrinho com água, molhou os cabelos e passou, com a ponta do dedo, batom nos
lábios - sem olhar no espelho. Calma, Maria Mariana conta que costuma sair de
casa sem maquiagem. Ela também não pinta os cabelos, que têm poucos fios
brancos. Com a fala mansa, Maria Mariana começa a conversa falando de um
arrependimento.
- Sempre me ressenti na vida de não ter feito faculdade. Desde cedo, eu me
interessei por teatro. Acompanhava meu pai nos bastidores. Passei a infância nas
coxias de teatro e sempre me encantei muito. Com 15 anos, eu já estava estreando
no teatro profissional. "Confissões" aconteceu na minha vida quando eu tinha 19
anos. Até passei para faculdade de filosofia, mas não cursei - conta. - Eu sai
do colégio para ser uma profissional. Com 19 anos, tinha até uma coluna no
"Jornal do Brasil". Senti um pouco de falta desse período da faculdade, em que a
pessoa se forma como profissional.
Filha do dramaturgo e cineasta Domingos de Oliveira e da atriz e escritora
Lenita Plonczynski, Maria Mariana foi criada pelo pai depois que o casal se
separou, quando ela tinha 7 anos. Maria Mariana conta que Domingos lhe deu uma
educação liberal e uma boa formação cultural, indicando-lhe livros para ler e
filmes para assistir. Da adolescência, ela se lembra de escrever, dos 13 aos 19
anos, na máquina Olivetti do pai quando ele não estava em casa, os textos que
acabaram por torná-la famosa.
- O "Confissões" não foi uma coisa escrita. Durante muitos anos fiquei me
perguntado: "Será que mereço esse crédito de autora do 'Confissões'? O texto não
foi uma obra criada, e sim uma coisa que aconteceu na minha vida. "Confissões"
nasceu de um conselho que meu pai me deu. Estava entrando na adolescência. E ela
veio com tudo. Eu era muito intensa. Meu pai falou: "Filha, escreve". Até hoje
escrever é uma coisa que muito me equilibra e ajuda - afirma.
A atriz, que alcançou o sucesso muito jovem, conta que sempre sonhou com a
maternidade. Na adolescência, chegou até colecionar a revista "Pais &
Filhos". Depois de um primeiro casamento, que durou dos seus 19 aos 23 anos,
Maria Mariana, aos 27 anos, morava sozinha e tinha muita vontade de ser mãe.
Naquela ocasião, conheceu o pai dos seus filhos em um curso de meditação. André
já havia sido casado por quase 20 anos e tinha dois filhos.
- Sempre tive essa busca de casar e ter uma família. Eu dava o primeiro beijo
e já estava decorando a casa de campo. Com 27 anos, estava com o relógio
biológico gritando. Nosso encontro (entre ela e André) foi tão forte que no
primeiro mês de namoro estava grávida, e não foi sem querer. A maternidade na
minha vida é uma coisa que vem me salvando e me equilibrando - assegura.
Ainda no campo da maternidade, Maria Mariana lançou, em 2009, o livro
"Confissões de mãe", que gerou polêmica. Nele, ela afirmava que casar e ter
filhos são o caminho para a felicidade. Na ocasião, alguns críticos lembraram
que a escritora havia feito um aborto aos 17 anos.
- Quando escrevi o "Confissões de mãe" estava no planeta mãe. Não
via televisão nem lia jornal. Estava totalmente focada. Quando o livro foi
lançado teve uma reação na internet, levei um susto. Aí fui aterrissar no mundo.
As pessoas tiveram uma reação muito negativa e rápida, e eu não conhecia essa
realidade. No livro, eu defendi o parto normal e a postura da mulher de se
dedicar à maternidade. As pessoas não entenderam que foi uma opção para mim. Não
que isso seja para todos. Dentro da minha história de vida, eu precisei desse
encontro comigo mesma.
Maria Mariana acredita que ter sido vítima de preconceito. Ela lembra que,
quando optou por deixar de ser atriz para casar e ter filhos, também foi muito
criticada. Entre os comentários, ouvia que seu marido era machista, que ele a
estava impedindo de trabalhar e ainda que estaria deprimida. Ela conta que,
nesse período, ficou dez anos sem dormir uma noite inteira "porque sempre estava
com um bebê". Esse foi o único momento em que Maria Mariana deixou passar uma
certa rispidez na entrevista:
- Eu ralei muito com meus filhos. Quando encontrava alguém na rua e a pessoa
falava "Puxa, você parou de trabalhar", queria dar um soco na cara dela -
confessa. - A mulher que opta por se dedicar ao trabalho de ser mãe e esposa é
muito criticada. Ela não tem muito lugar. Não são valores que estejam em
alta.
A decisão de se dedicar ao papel de mãe, porém, não surpreendeu as atrizes
Georgina Góes, Daniele Valente e Deborah Secco, que, com Maria Mariana, formavam
o elenco da série de TV "Confissões de adolescente". Os episódios mostravam
quatro irmãs adolescentes, que viviam amores, dúvidas, decisões e aventuras de
sua geração.
- Acho incrível e corajoso, ela optou pela qualidade de vida, das relações e
do tempo - diz Georgiana, lembrando que Maria Mariana foi uma grande parceira. -
Sempre admirei sua coragem de se jogar no mundo, nos seus amores e de sua sede
pela leitura e escrita.
Pai não entende opção da filha
Já Deborah lembra que Maria Mariana "sempre foi mãezona de todos", além de
cuidadosa e atenciosa:
- Acho que toda pessoa deve escolher viver o que lhe faz feliz naquele
momento. A vida é muito curta para vaidades. Nós mudamos muito. O que realmente
importa é que façamos todo o possível para sermos felizes. Ela respeitou os
desejos que teve. E isso me faz admirá-la demais.
Para Daniele, a escolha de Maria Mariana "foi de puro amor". E afirma ter
carinho e admiração pela amiga, "que ainda tem muito o que nos ensinar".
Quem não entende a opção de Maria Mariana é o seu pai. Domingos lembra que a
filha teve uma carreira notável, subitamente trocada pela de mãe:
- A Maria Mariana é melhor do que eu. Mais jovem, bonita e inteligente. Me
dói ela ter largado a carreira de atriz. Hoje, ela é mãe de um batalhão de
quatro filhos e anda sempre muito sobrecarregada. Não tem tempo para o seu pai
como eu gostaria, mas nunca fiquei ferido com isso. Nós sempre fomos muitos
unidos. Tenho por ela um amor incondicional.
Na visão das filhas Clara e Laura, a mãe é amiga, brincalhona e que sabe
brigar nas horas certas.
- Eu sei que sempre vou poder contar com ela. É legal saber que ela passou
pelos mesmos problemas e dúvidas que estou passando - diz Clara.
Para Maria Mariana, ser mãe não tem receita. Ela conta que nas idas da
família para o sítio em Rio das Ostras conversa com os filhos sobre as questões
da vida. Clara, a mais velha, já teve um namoradinho na escola, e Maria Mariana
diz que está aprendendo a lidar com essa situação:
- Eu procuro alertar o máximo em relação aos perigos que existem. Sou muito
coração, mas sei da necessidade de colocar limite.
Apesar de ter optado por ser mãe, em 2012 Maria Mariana voltou aos palcos com
o monólogo "Barco de papel". No ano passado, ela documentou os bastidores do
longa-metragem "Confissões de adolescente".
- O documentário foi um momento muito interessante, como se estivesse fazendo
uma revisão de toda a minha história - diz Maria Mariana, que se manteve
distante do processo de atualização do roteiro, assinado por Matheus Souza.
Para este ano, ela tem planos de retornar ao monólogo, estudar pedagogia e
prosseguir nos estudos de alimentação viva. Há 12 anos na União do Vegetal
(religião cristã reencarnacionista), ela busca o autoconhecimento. E quem é
Maria Mariana?
- Sou uma pessoa que está buscando responder essa pergunta. É a nossa missão
aqui na terra - resume.
O Globo
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